Film Noir - o Tópico
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Re: Film Noir - o Tópico
Ando a ver os filmes do Aldrich, e são os mais sórdidos, violentos e agressivos do lote todo (a fina arte da subtileza não faz parte do diccionário deste realizador), e apenas o Kiss Me Deadly tem um pé mais dentro do universo noir - os outros afastam-se mais das especificidades e do paradigma habituais.
Mas não estou com isto a dizer que são "maus filmes"...
Acho que nenhum dos que vi tem propriamente um paralelo à altura na época quanto ao nível de brutalidade que é posta em cena. O Kiss Me Deadly é certamente o noir mais "intenso" a mostrar violência física, e a carregar a atmosfera com a ameaça dessa violência - a parte engraçada é que uma parte significativa da contribuição para esse ambiente parte do detective privado que é a personagem principal (grande interpretação do Meeker).
Mas não estou com isto a dizer que são "maus filmes"...

Acho que nenhum dos que vi tem propriamente um paralelo à altura na época quanto ao nível de brutalidade que é posta em cena. O Kiss Me Deadly é certamente o noir mais "intenso" a mostrar violência física, e a carregar a atmosfera com a ameaça dessa violência - a parte engraçada é que uma parte significativa da contribuição para esse ambiente parte do detective privado que é a personagem principal (grande interpretação do Meeker).
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.
«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death
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Re: Film Noir - o Tópico
O Kiss Me Deadly é fabuloso! É um dos meus noir favoritos.Samwise wrote: October 24th, 2020, 10:14 am Ando a ver os filmes do Aldrich, e são os mais sórdidos, violentos e agressivos do lote todo (a fina arte da subtileza não faz parte do diccionário deste realizador), e apenas o Kiss Me Deadly tem um pé mais dentro do universo noir - os outros afastam-se mais das especificidades e do paradigma habituais.
Mas não estou com isto a dizer que são "maus filmes"...![]()
Acho que nenhum dos que vi tem propriamente um paralelo à altura na época quanto ao nível de brutalidade que é posta em cena. O Kiss Me Deadly é certamente o noir mais "intenso" a mostrar violência física, e a carregar a atmosfera com a ameaça dessa violência - a parte engraçada é que uma parte significativa da contribuição para esse ambiente parte do detective privado que é a personagem principal (grande interpretação do Meeker).

Mas tens razão em relação à falta de subtileza do Robert Aldrich, é o seu alcanhar de Aquiles. O Samuel Fuller tinha o mesmo problema.
Re: Film Noir - o Tópico
Essa comparação com o Fuller é bem pensada, mas não sei se conotaria a questão da falta subtileza negativamente. Neste momento estou mais favorával a considerar a abordagem "brute force", "ser restrições" e sem "falinhas mansas" ao material como uma mais valia impactante nas obras (e marcantes para o espectador), mesmo quando para isso tenha de fazer o "copo transbordar". Há personagens e situações "over-the-top" nos filmes todos que vi dele, coisas de fazer ranger literamente os dentes, mas sem elas os filmes não fariam pura e simplesmente sentido. As "ameaças" nos filmes dele são palpáveis para o espectador de uma forma estranhamente realista - e ele faz questão de o desmonstrar visualmente.... e demoradamente.TheLimey wrote: October 24th, 2020, 4:14 pm Mas tens razão em relação à falta de subtileza do Robert Aldrich, é o seu alcanhar de Aquiles. O Samuel Fuller tinha o mesmo problema.
Acabei de ver o Whatever Happened to Baby Jane? - e lá está: ainda estou arrepiado do ranger de dentes provocado durante uma boa parte da narrativa. É um filme bastante Hitchcockiano nos formatos de construção do suspense, mas leva a narrativa e as personagens para zonas psicóticas e freudianas deliberadamente macabras e turtuosas. A "boneca de trapos" interpretada pela Bette Davis entra directamente para a minha galeria de vilões mais retorcidos e grotescos da 7ª arte. Enorme a herança deixada por este filme para o futuro - coisas como o Misery (King/Reiner) não seriam os mesmos sem esta fita.

Last edited by Samwise on October 25th, 2020, 1:04 pm, edited 2 times in total.
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Re: Film Noir - o Tópico
Ah... já agora, o The Big Knife (filme denúncia acerca da forma como os grandes produtores de cinema controlavam a carreira dos actores durante a golden-age em Hollywood) não tem qualquer sequência de violência física, mas o clima de encarceramento mental é de tal forma asfixiante que deve ser a aproximação possível à experiência psicológica de ter uma faca espetada nas costas - naquela zona onde não chegamos com as mãos, e que nos vai manter em lenta agonia até à morte.
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Re: Film Noir - o Tópico
Reconheço a importância do Whatever Happened to Baby Jane, mas é um filme demasiado grotesco e "over the top" para o meu gosto.Samwise wrote: October 25th, 2020, 12:54 pmEssa comparação com o Fuller é bem pensada, mas não sei se conotaria a questão da falta subtileza negativamente. Neste momento estou mais favorával a considerar a abordagem "brute force", "ser restrições" e sem "falinhas mansas" ao material como uma mais valia impactante nas obras (e marcantes para o espectador), mesmo quando para isso tenha de fazer o "copo transbordar". Há personagens e situações "over-the-top" nos filmes todos que vi dele, coisas de fazer ranger literamente os dentes, mas sem elas os filmes não fariam pura e simplesmente sentido. As "ameaças" nos filmes dele são palpáveis para o espectador de uma forma estranhamente realista - e ele faz questão de o desmonstrar visualmente.... e demoradamente.TheLimey wrote: October 24th, 2020, 4:14 pm Mas tens razão em relação à falta de subtileza do Robert Aldrich, é o seu alcanhar de Aquiles. O Samuel Fuller tinha o mesmo problema.
Acabei de ver o Whatever Happened to Baby Jane? - e lá está: ainda estou arrepiado do ranger de dentes provocado durante uma boa parte da narrativa. É um filme bastante Hitchcockiano nos formatos de construção do suspense, mas leva a narrativa e as personagens para zonas psicóticas e freudianas deliberadamente macabras e turtuosas. A "boneca de trapos" interpretada pela Bette Davis entra directamente para a minha galeria de vilões mais retorcidos e grotescos da 7ª arte. Enorme a herança deixada por este filme para o futuro - coisas como o Misery (King/Reiner) não seriam os mesmos sem esta fita.
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A Seguir ao Kiss Me Deadly, o meu segundo filme favorito do Aldrich é o Dirty Dozen, que virou completamente do avesso o género do filme de guerra no fim dos 60s, deixando uma influência que perdura até hoje.
Re: Film Noir - o Tópico
Um belo combo entre Sunset Blvd e Rear Window. Talvez não com a genialidade quer de um quer do outro (mesmo não sendo o maior fã do Rear Window), mas é certamente tudo aquilo que se podia esperar. Principalmente a nível de acting onde o duo fazem papeis monstruosos. Depois temos a fluidez perfeita da história, a mecanização dos grandes e pequenos momentos, a psicologia profunda das personagens, onde tudo combina para um final que era pouco expectável. Um belo pedaço de arte, sem dúvida.
Re: Film Noir - o Tópico
Vi o World for Ransom, do Aldrich - fita menoríssima na sua obra (filmada no mesmo ano em que realizou um grande western, o Vera Cruz), e que nunca consegue erguer a barreira de credibilidade ficcional que faça ao espectador esquecer-se de que está a assistir a uma encenação. Deste ponto de vista, parece um trabalho que pouco se afasta do amadorismo tarefeiro. Tem uma atmosfera que faz paredes meias entre o noir e o thriller de guerra, e um ou outro pormenor engraçado (para não fugir à norma da violência desmedida nos filmes deste autor, temos o "direito" de assistir a uma personagem ser feita em picado pela explosão de duas granadas), mas é mais coisa para fãs do autor, ou da estrela principal, o Dan Duryea.
5/10
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Re: Film Noir - o Tópico
The Upturned Glass - Pecado Mortal (1947), de Lawrence Huntington
https://www.imdb.com/title/tt0039947/?ref_=nv_sr_srsg_0
Faz lembrar um pouco, pouquinho de nada, o Vertigo - A Mulher Que Viveu Duas Vezes, na questão da obsessão amorosa. Mas as suaves comparações morrem aí. The Upturned Glass define-se numa frase: um conceituado neurocirurgião resvala para um colapso emocional e vive um dilema moral quando já só consegue pensar em vingar-se da pessoa que lhe assassinou a amante.
James Mason dá tudo por tudo e é uma presença intrigante de se seguir neste British noir, acabando mesmo por ser o ponto alto do filme. A densidade psicológica da sua personagem salta à vista e é o factor de maior consistência, é o que nos prende mais a atenção também.
A narrativa em si é muito simples e escorreita, sem grandes momentos de brilhantismo. Lá para a parte final é que se ganha mais algum sal, mas no seu resumo é apenas competente, não se cola grande coisa à memória. Está disponível no tubinho.
Re: Film Noir - o Tópico
Em revista: Kiss Me Deadly, Para confirmar as credências de filme mais "rijo" e "duro" de toda a era noir, adaptando para tal uma história de um autor controverso, Mickey Spillane, e com uma personagem central controversa, o "investigador privado" Mike Hammer, que não se importa com os meios desde que se atinjam os fins (os seus próprios fins), e que tira inclusivamente prazer da dor que inflinge aos "maus da fita".
Começa logo a 500 rotações, literalmente, e não passam 10 minutos de fita sem uma qualquer cena de violência bruta estalar no ecrã. O Aldrich fez bem o trabalho de casa quanto à transmissão dessa violência para fora da tela - é toda ela "loud and clear": não há outro filme em que os berros das personagens (que parecem dobrados na maior parte das vezes) sejam tão aflitivos e estridentes.
Fora esse pequeno pormenor, é uma fita intensa, com uma trama bem urdida, em que praticamente todas as persongens perseguem um objecto misterioso que só e revelado no final. Não se sabe o que é, não se sabe quem tem, não se sabe onde está, mas sabe-se que é extremamente valioso - é o conceito de "MacGuffin" elevado à quinta potência, com um final que não deixa os créditos em mãos alheias. Depois disto, só o Spielberg fez "algo parecido"...
Um noir incontornável. 10/10
Começa logo a 500 rotações, literalmente, e não passam 10 minutos de fita sem uma qualquer cena de violência bruta estalar no ecrã. O Aldrich fez bem o trabalho de casa quanto à transmissão dessa violência para fora da tela - é toda ela "loud and clear": não há outro filme em que os berros das personagens (que parecem dobrados na maior parte das vezes) sejam tão aflitivos e estridentes.
Fora esse pequeno pormenor, é uma fita intensa, com uma trama bem urdida, em que praticamente todas as persongens perseguem um objecto misterioso que só e revelado no final. Não se sabe o que é, não se sabe quem tem, não se sabe onde está, mas sabe-se que é extremamente valioso - é o conceito de "MacGuffin" elevado à quinta potência, com um final que não deixa os créditos em mãos alheias. Depois disto, só o Spielberg fez "algo parecido"...
Um noir incontornável. 10/10
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Re: Film Noir - o Tópico
Park Row, do Fuller.


"Amor à primeira visualização". Uma grande-pequena pérola sobre a importância da imprensa livre e sobre o seu papel determinante na formação de valores na sociedade americana, assente nos pilares definidos por algumas das suas personalidades fundadoras, com o Benjamim Franklin à cabeça. Acompanha o nascimento e a luta pela conquista de um lugar no mercado de um jornal de bairro (numa rua "mítica" para o sector jornaleiro), minúsculo ao início, mas com um propósito claro e bem definido, cheio de ideias, e sobretudo cheio de ideais a defender, e que combate o domínio de outras publicações mais poderosas pela via da palavra e da criatividade de uma equipa talentosa, cheia de nervo e garra.
Confesso que posso estar a ser positivamente influenciado pelos tópicos abordados, pelos quais nutro um interesse particular, mas também me parece evidente que o filme é uma "carta de amor" que parte de dento, do íntimo do seu realizador - o Fuller trabalhou num jornal -, algo que o levou a investir pessoalmente no filme para poder manter o controlo criativo.
Não sei bem por que razão está conotado como "filme noir" (não vislumbro quaisquer elementos característicos, nem por proximidade pela via dos actos criminosos que às tantas tomam conta da narrativa), mas isso não importa para nada - o que importa é que é um filme memorável, que parece ter ficado algo esquecido no tempo - e que por todas e mais alguma razões não merece desaparecer do radar.
10/10


"Amor à primeira visualização". Uma grande-pequena pérola sobre a importância da imprensa livre e sobre o seu papel determinante na formação de valores na sociedade americana, assente nos pilares definidos por algumas das suas personalidades fundadoras, com o Benjamim Franklin à cabeça. Acompanha o nascimento e a luta pela conquista de um lugar no mercado de um jornal de bairro (numa rua "mítica" para o sector jornaleiro), minúsculo ao início, mas com um propósito claro e bem definido, cheio de ideias, e sobretudo cheio de ideais a defender, e que combate o domínio de outras publicações mais poderosas pela via da palavra e da criatividade de uma equipa talentosa, cheia de nervo e garra.
Confesso que posso estar a ser positivamente influenciado pelos tópicos abordados, pelos quais nutro um interesse particular, mas também me parece evidente que o filme é uma "carta de amor" que parte de dento, do íntimo do seu realizador - o Fuller trabalhou num jornal -, algo que o levou a investir pessoalmente no filme para poder manter o controlo criativo.
Não sei bem por que razão está conotado como "filme noir" (não vislumbro quaisquer elementos característicos, nem por proximidade pela via dos actos criminosos que às tantas tomam conta da narrativa), mas isso não importa para nada - o que importa é que é um filme memorável, que parece ter ficado algo esquecido no tempo - e que por todas e mais alguma razões não merece desaparecer do radar.
10/10
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Re: Film Noir - o Tópico
"Noir", as in "neo-noir".

Until the End of the World - o "ultimate road-movie" que tens uns pózitos de noir, e que faz as suas personagens viajarem por todos os cantos do mundo - até por Lisboa, por quem o realizador parece ter-se apaixonado. Anos mais tarde colocaria os Madredeus numa "fita de encomenda", mas neste filme "contenta-se" com Amália Rodrigues, que dá dois dedos de conversa ao par William Hurt/Solveig Dommartin dentro de um eléctrico.
"So... what's in the bag?"


Until the End of the World - o "ultimate road-movie" que tens uns pózitos de noir, e que faz as suas personagens viajarem por todos os cantos do mundo - até por Lisboa, por quem o realizador parece ter-se apaixonado. Anos mais tarde colocaria os Madredeus numa "fita de encomenda", mas neste filme "contenta-se" com Amália Rodrigues, que dá dois dedos de conversa ao par William Hurt/Solveig Dommartin dentro de um eléctrico.
"So... what's in the bag?"


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Re: Film Noir - o Tópico
Vi isto publicitado mas ignoro se é novo ou se é uma reedição
https://www.taschen.com/pages/en/catalo ... m_noir.htm
https://www.taschen.com/pages/en/catalo ... m_noir.htm
Re: Film Noir - o Tópico
Reedição.nimzabo wrote: June 17th, 2022, 5:48 pm Vi isto publicitado mas ignoro se é novo ou se é uma reedição
https://www.taschen.com/pages/en/catalo ... m_noir.htm

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Re: Film Noir - o Tópico
Bill Pullman and Patricia Arquette, sobre a participação no Lost Highway:
https://www.theguardian.com/culture/202 ... st-highway
https://www.theguardian.com/culture/202 ... st-highway
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