Adam Resurrected (2008) - Paul Schrader

[Shivers]

Estreia esta semana o novo filme de Paul Schrader, uma visão diferente dos traumas do holocausto com uma fantástica interpretação de Jeff Goldblum.

Adam Renascido

A estranha história de Adam Stein, um homem que viveu o drama de ser judeu na Alemanha nazi e sobreviveu aos traumas dos campos de concentração. A sua mente ficou afectada e agora está internado num hospital psiquiátrico, onde o tentam reconduzir a uma existência o mais normal possível para quem viveu os horrores do Holocausto. Mas Adam não é um homem vulgar nem um doente comum. O seu cérebro é demasiado inteligente para confundir os seus médicos e perceber o que está para além da realidade.

[Samwise]

https://www.imdb.com/title/tt0479341/
https://en.wikipedia.org/wiki/Adam_Resurrected

É um mistério para mim o porquê de este filme ser tão desconhecido e de certa forma tão maltratado pelo público em geral. Talvez que obras mais mediáticas, directas, e de simples assimilação como (o nome mais sonante) Schindler's List (quer do ponto de vista da percepção, quer do ponto de vista da facilidade com que nos penetram nos sentidos) tenham drenado a nossa exigência, vontade e sensibilidade para projectos mais elaboradas e sobretudo mais complexas na fomulação da dor colectiva (e da culpa individual, particular a cada sobrevivente) que o Holocausto e a sua herança originaram.

Eu tinha uma vaga noção de que este filme existia (lembro-me da imagem do cartaz nos cinemas), mas desconhecia por completo o seu conteúdo. Sinto-me de alguma forma gratificado pelo facto de ter vindo dar com ele por via da revisitação das obras de Paul Schrader. Foi um absoluta surpresa - apanhou-me desprevenido; as breves sinopses que tinha lido não me podiam ter preparado para o abismo emocional e para a abordagem distanciada de todas as formatações que já foram encenadas mil vezes e mil vezes repisadas sobre as particularidades da "dor judaica".

Sei que grande parte do valor deste filme provém do material original, um romance de Yoram Kaniuk que aparentemente não tem tradução para português, mas o Schrader agarra com firmeza o material e tem aqui um dos grandes filmes da sua carreira (porventura aquele que é mais injustiçado e esquecido), e o Jeff Goldblum, um actor nem sempre percebido e aproveitado da melhor maneira, tem certamente a sua melhor interpretação.

Embora por vezes algumas soluções narrativas me pareçam simplistas e fáceis face ao que o material exigiria em determinados contextos - merecendo um maior tempo e insistência em redor de cada micro-desfecho, e um maior envolvimento de algumas personagens - não creio que o filme, nem a sua agonizante e devastadora abordagem à memória do Holocausto, saiam beliscados por isso. É uma obra-prima imperfeita, e merece da minha parte uma nota 10 sem contemplações. É provável que no livro encontre os devidos desenvolvimentos para as matérias que vejo abordadas com alguma brevidade no filme.

Ninzabo, vê este filme, que és capas de gostar. Passou provavelmente fora do teu radar devido à nota baixa que tem no imdb...

[nimzabo]

Ou do RT, que é ainda pior...
Posso espreitar embora nós por vezes tenhamos gostos diferentes.

[Samwise]

Posso espreitar embora nós por vezes tenhamos gostos diferentes.

Sim, estou a contar com isso. Sei que a probabilidade de gostares tanto deste filme quanto eu gostei é diminuta, mas também sei que aprecias obras que se colocam fora das formulações habituais de Hollywood e que não torces o nariz à partida a "filmes estrangeiros" (não americanos, isto é). Para além disso, é um filme bastante "invulgar" - o tipo de coisa que não se vê por aí todos os dias... nem todos os anos... nem todas as décadas...

[nimzabo]

Vai ter um preço - veres o Winter on Fire

[Samwise]

Vai ter um preço - veres o Winter on Fire

It's a deal! Não conhecia.

Por que razão escolheste esse em concreto?

[nimzabo]

Já to recomendei antes.
Gosto muito, já vi umas duas ou três vezes talvez.
E tem também uma ligação, ainda que ténue, com o doc do doping russo, que sei que viste.

[Samwise]

Já to recomendei antes.
Gosto muito, já vi umas duas ou três vezes talvez.
E tem também uma ligação, ainda que ténue, com o doc do doping russo, que sei que viste.

Ok, não me lembrava. Vai ser dos próximos. Tenho apenas mais um filme do Schrader para ver (e fechar assim o "ciclo" que dediquei a ele) e esse entra logo a seguir.

[nimzabo]

Já vi e gostei bastante, por acaso.
Uma forma rebuscada de contar a experiência.
Compreendo que nem toda a gente goste mas para além da forma é tudo bastante razoável.
Obrigado.

[Samwise]

[nimzabo]

Ele fez o possível ou até mais do que o possível.
No comunismo do bloco de leste também havia uma espécie de sentimento de culpa (li em qualquer lado) por as pessoas não tomarem posições.
As pessoas defendem-se no que pode ser sentido pelos próprios e pelos outros como uma atitude cobarde.
A alternativa é perder a vida ou a liberdade ou pelo menos enfrentar consequências negativas.
Poderá até ser a atitude certa mas parece-me difícil alguém exigir que as pessoas se sacrifiquem pela verdade, quando se está mesmo a ver que o único resultado positivo é uma consciência tranquila, no caso da pessoa ficar viva. porque em termos de mudar a situação não adianta nada tomar uma qualquer posição.

[nimzabo]

Embora a questão de ter coragem em face de uma situação difícil poder acontecer a qualquer um em qualquer altura.

[Samwise]

Uma das vertentes do filme explora o sentimento de culpa - não exactamente por ter sobrevivido, mas por não ter conseguido salvar a familia. E depois levou com o golpe fatal e cruel da incompreensão por parte da outra filha, e nem teve hipótese de se justificar ou conciliar. A parte da visita (que termina no cemitério) foi uma das que me custou mais a ver - uma das cenas mais dolorosas e horríveis que vi no cinema, e não necessita de mostrar nenhuma violência física abertamente para ser insuportável.

Outra que achei muito forte foi ele a uivar à noite, depois da mulher e da filha mais nova terem ido para a câmara de gás...

[nimzabo]

Não sei se se justifica o esconderes o texto neste caso.

O filme tem várias bizarrias que combinam com algo tão sério como o holocausto e penso que é por isso que é menos apreciado.
As magias que ele fazia, pouco credíveis, a relação dele com o staff da instituição psiquiátrica, toda a cena dos comportamentos caninos, a atitude viva dele perante toda a gente dá um ar quase burlesco à coisa.
Mas também acho que vendo através de todo o fogo de vista o filme é bastante sério e até profundo.

Por vezes procuram-se formas artísticas ou rebuscadas de tratar assuntos sérios e nem sempre é feito com bom gosto ou a propósito ou com alguma profundidade.
E admito que possa ser essa a opinião de algumas pessoas que não gostaram do filme. Não é a minha.

Os filmes não têm nada a ver mas o 1º filme filme que vi este mês, o Land Imagined, também trata um assunto sério, o da absoluta falta de respeito em relação aos trabalhadores migrantes, de uma forma cinematográficamente bastante criativa e artística, mais do que este do Schrader. Contam a história de uma forma muito pouco óbvia e ao mesmo tempo isso constitui uma forma de realçar alguns aspectos.

O arrojo do Adam Resurrected é mais ao nível do argumento e ainda não disse mas concordo com o papelão do Jeff Goldblum.
É a alma do filme (e o filme é também sobre a alma da personagem).

[Samwise]

Vai ter um preço - veres o Winter on Fire

Não me esqueci. Esteve estes meses todos à espera de uma espreita em que me sentisse com tempo e disposição simultâneos, porque sabia - tinha mais ou menos noção que era coisa bastante distante de uma "pipocada".

Vi agora, e vale todos os elogios que lhe teceste. Sinto um bocadito de falta de um maior background sobre os principais intervenientes (dos dois lados da barricada), mas de resto penso que é um documentário imprescindível sobre a recente e actual situação na Europa de Leste, que se estende à Europa toda e ao mundo em geral. Acho que em lugar nenhum tinha visto sequências de guerra campal tão violentas e intensas como aquelas - pelo menos de forma assim concentrada e seguida. O facto de serem tem acrescenta-lhes um impacto muito maior.

É uma peça que coloca muitas questões - a muitos níveis. Cada vez acho mais que tivemos uma sorte inacreditável - pura sorte - em não ter havido violência a sério na nossa revolução.