Morreu o realizador Terence Davies. Para mim, um dos melhores realizadores britânicos de sempre. Pouco conhecido entre nós - acho que nenhum dos seus filmes foi editado em Portugal - mas muito amado em Inglaterra, a sua obra, quase sempre muito autobiográfica, caracteriza-se pela dor, pelo êxtase e pelo tom elegíaco da mistura destes dois ingredientes, no contexto da Liverpool do pós-guerra - a Liverpool de Davies - particularmente dos anos 40 e 50 e, dentro dela, a classe operária, de onde Terence Davies vem; uma Liverpool industrial, feia, negra, poluída, todas as imagens que vêm à mente da Inglaterra vitoriana da Revolução Industrial mas ainda mais desolada e árida. Fazemos zoom aqui. A família; a família britânica da classe operária, com a figura tutelar de um pai; um pai dominador, irascível, verdadeiramente tirano e violento para com a própria família. Religião: fundamental na família. Pesadelo, desespero e, ainda assim, há meios de fuga e momentos de conforto e alegria no meio deste conjunto sombrio. Leonard Cohen cantava "there is a crack in everything / that's how the light gets in". o pub, a confraternização dos homens por entre pints de cerveja e as canções, as canções. Sempre as canções. Sing you sinners! A união. A resistência, talvez um pouco mais do que o mero "aguentar mais um dia" numa vida monótona, com poucas perspectivas de melhorar.
Desengane-se quem possa pensar que se trata de um neo-realismo tardio. Esse - e tardio também - já tinha acontecido em terras de Sua Majestade no crepúsculo dos anos 50 e durante a primeira metade dos anos 60. Terence Davies não se foca no lado político, como o seu compatriota Ken Loach. Davies vai pelo social; pela evocação de um tempo e de uma cidade. Cuiosamente, este é o título de um excelente documentário que fez em 2008: Of Time and the City.
Os primeiros trabalhos de Terence Davies são de 1983, o que adivinharia uma carreira longa, mas não. 8 longas-metragens, 5 curtas (a última lançada este ano) e um documentário. Obra breve para um cineasta que diz muito. O avassalador Distant Voices, Still Lives, de 1988 é um dos melhores e, talvez, o filme mais autobiográfico de todos os filmes de Terence Davies, mas há outros; todos muito bons. Há adaptações literárias também: The House of Mirth e Sunset Song que esteve quase para não se fazer, dada a extrema dificuldade que ele teve em assegurar financiamento. Benediction, de 2021, é o último filme. Estava a preparar um novo.
Faleceu durante o sono, após doença breve. Tinha 77 anos.
https://www.theguardian.com/film/2023/o ... dies-at-77
Terence Davies (1945-2023)
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Re: Terence Davies (1945-2023)
Que perda, caramba. Que descanse em paz.Helder Fialho wrote: ↑October 8th, 2023, 10:55 pm Morreu o realizador Terence Davies. Para mim, um dos melhores realizadores britânicos de sempre. Pouco conhecido entre nós - acho que nenhum dos seus filmes foi editado em Portugal - mas muito amado em Inglaterra, a sua obra, quase sempre muito autobiográfica, caracteriza-se pela dor, pelo êxtase e pelo tom elegíaco da mistura destes dois ingredientes, no contexto da Liverpool do pós-guerra - a Liverpool de Davies - particularmente dos anos 40 e 50 e, dentro dela, a classe operária, de onde Terence Davies vem; uma Liverpool industrial, feia, negra, poluída, todas as imagens que vêm à mente da Inglaterra vitoriana da Revolução Industrial mas ainda mais desolada e árida. Fazemos zoom aqui. A família; a família britânica da classe operária, com a figura tutelar de um pai; um pai dominador, irascível, verdadeiramente tirano e violento para com a própria família. Religião: fundamental na família. Pesadelo, desespero e, ainda assim, há meios de fuga e momentos de conforto e alegria no meio deste conjunto sombrio. Leonard Cohen cantava "there is a crack in everything / that's how the light gets in". o pub, a confraternização dos homens por entre pints de cerveja e as canções, as canções. Sempre as canções. Sing you sinners! A união. A resistência, talvez um pouco mais do que o mero "aguentar mais um dia" numa vida monótona, com poucas perspectivas de melhorar.
Desengane-se quem possa pensar que se trata de um neo-realismo tardio. Esse - e tardio também - já tinha acontecido em terras de Sua Majestade no crepúsculo dos anos 50 e durante a primeira metade dos anos 60. Terence Davies não se foca no lado político, como o seu compatriota Ken Loach. Davies vai pelo social; pela evocação de um tempo e de uma cidade. Cuiosamente, este é o título de um excelente documentário que fez em 2008: Of Time and the City.
Os primeiros trabalhos de Terence Davies são de 1983, o que adivinharia uma carreira longa, mas não. 8 longas-metragens, 5 curtas (a última lançada este ano) e um documentário. Obra breve para um cineasta que diz muito. O avassalador Distant Voices, Still Lives, de 1988 é um dos melhores e, talvez, o filme mais autobiográfico de todos os filmes de Terence Davies, mas há outros; todos muito bons. Há adaptações literárias também: The House of Mirth e Sunset Song que esteve quase para não se fazer, dada a extrema dificuldade que ele teve em assegurar financiamento. Benediction, de 2021, é o último filme. Estava a preparar um novo.
Faleceu durante o sono, após doença breve. Tinha 77 anos.
https://www.theguardian.com/film/2023/o ... dies-at-77
Tenho em DVD, em edições nacionais, os seus Aqueles Longos Dias e A Casa da Felicidade.
Amei o O Profundo Mar Azul.
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Re: Terence Davies (1945-2023)
Uma perda enorme...
Ah, então alguns filmes dele tiveram edição nacional! Não sabia. Boas escolhas, todas elas!
Re: Terence Davies (1945-2023)
Sim, tiveram edições nacionais. Gostaria de ter O Profundo Mar Azul, que sei que também foi editado cá em Portugal em DVD, mas não lhe consegui deitar as mãos. É um belo filme.Helder Fialho wrote: ↑October 12th, 2023, 10:49 pm
Uma perda enorme...
Ah, então alguns filmes dele tiveram edição nacional! Não sabia. Boas escolhas, todas elas!
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