Excessivo, barroco, transgressivo, devastador à passagem da câmara (não deixa nada de pé), e fulgurante até ao último sopro das suas personagens (e que personagens!),
Babylon vai necessariamente dividir opiniões---a matéria prima de que é constituído abarca tanto o pó celestial que os anjos carregam nas asas (há mesmo um vislumbre do paraíso no topo daquela montanha mágica onde todos se reúnem de noite para "celebrar" e prestar culto aos "deuses") como os parasitas que habitam o intestino de paquidermes. É um filme onde o Cinema e Vida se cruzam num salão de deboche e aí se libertam de roupagens e preconceitos e se fundem viscosa e organicamente. Mais do que uma "carta de amor" ao cinema, é
também uma "carta de luxúria" ao cinema, que mesmo no pós-coito tem energia abundante para jubilar com a carne arranhada nos corpos dos intervenientes.
É um projecto megalómano e imensamente ambicioso de Chazelle (porque não é só a enormidade dos espaços, a quantidade infinita de "peças" a moverem-se nos cenários ou os travellings vertiginosos da câmara, são as temáticas em jogo, as camadas artísticas, as camadas de planos de perspectiva, etc---muitas camadas, muitas "colisões", muitas pontas para seguir...), mas parece ter atingido uma parte significativa dos seus objectivos. Mesmo com todos os excessos e desequilíbrios, tem sequências inesquecíveis. Cita os clássicos ***, re-filma-os, sobrepõe-se a eles, e deixa uma queimadura intencional, uma marca de autor inequívoca. Lá para o fim há algo mesmo único, que não quero revelar nem descrever - é para ser vivido.
Babylon é também uma referência a essa "megalópolis" histórica, e uma alegoria que equipara o Cinema e os seus protagonistas a divindades, estrelas maiores do que a Vida---até na ideia de imortalidade que alimentam. Começa por parecer "apenas" um culto desvairado e hedónico, com "pequenos" sacrifícios" à mistura, e termina numa contaminação orgânica, vital - da essência das coisas - em que a eternidade atingível (é inevitável)... mas por um preço.
Vénias às interpretações dos três principas, Margot Robbie, Brad Pitt e Diego Calva - mas sem esquecer a excelência dos secundários e ... dos figurantes.
Se puderem, vejam no cinema. Não é todos os anos que aparece um projecto assim. Primeiro grande filme do ano.
*** - Singing in the Rain, Sunset Boulevard, Persona, estes, pelo menos.