Há quem não o considere propriamente um filme português, dado ser uma produção luso-francesa de António da Cunha Telles e Les Filmes Number One (Paris) com o apoio finaceiro do Fundo do Cinema Nacional.
Realizado por Carlos Vilardebó, um luso-francês com significativa actividade na area documental este filme de 1965 foi a sua unica longa metragem de ficção, e apesar apesar de bem recebido em Cannes, comercialmente foi um total fracasso.
O filme, com uma fotografia primorosa de Augusto Cabrita (operador de camara), Acácio de Almeida e Elso Roque (assistentes) sob a direção de Jean Rabier conta uma historia de solidão e de amor passada no século XIX, numa ilha deserta do Atlântico, entre um jovem marinheiro francês (Pierre Clémenti), e Hunila (Amália Rodrigues) uma mulher que ali vivia completamente só, (apenas com vários cães por companhia) depois da morte do marido e do irmão com os quais se dedicava à caça de tartarugas marinhas para extração de óleo. Esta relação idílica e platónica acaba por ter fim quando um veleiro português (o Gazela) passa perto da ilha e Hunila decide partir de regresso ao mundo civilizado.
O argumento de Carlos Vilardebó, José Cardoso Pires, Raymond Bellour e Jeanne Vilardebó é baseado num conto de Herman Melville "The Encantadas, or Enchanted Isles" incluido na colectânea "The Piazza Tales" publicada em (1856).
Vilardebó que nasceu em Lisboa em 1926 estudou em Paris, e em 1946, estreou-se como co-realizador e trabalhou com Jacques Becker, René Chanas, Pierre Billon, Julien Duvivier, Jean Grémillon, e posteriormente com Agnès Varda. Em 1948, realizou sua primeira curta-metragem, Un dimanche. As suas obras mais conhecidas serão Le cirque de Calder, A Colher Egípcia (La petite cuillère) que ganhou a Palma de Ouro de curta-metragem em 1961, e As Ilhas Encantadas (Les Îles enchantées), sua única longa-metragem rodada em 1965. Apesar do insucesso deste seu único filme de ficção, Vilardebó voltaria ao documentarismo e manteve-se activo até 2004. Morreu em 2019 com 92 anos de idade em Rosellón (Aubais) uma localidade do sul de França onde viveu os últimos anos da sua vida dedicando-se à pintura a aguarela.
Este peculiar " As Ilhas Encantadas" vi-o pela primeira vez em cinema, numa sessão cultural na minha escola de 2º ciclo algures entre 1968/71 e apesar de muito jovem (e do aborrecimento geral dos meus colegas na sala) fiquei fascinado por este estranho objecto fílmico. Voltei a ve-lo recentemente com uma qualidade boa/razoável (DVD?) numa cópia de origem desconhecida ( da versão francesa?) e agora quase 50 anos depois foi uma experiência tão "interessante" que resolvi registá-la aqui no forum (tal como sei).
Esteve para ser exibido em Janeiro de 2021 na Cinemateca mas a sessão foi cancelada devido à grave situação de pandemia. A cópia em pelicula foi tratada (quimicamente) e segundo li encontra-se em muito boas condições. Penso que já terá sido digitalizada e aguarda-se (aguardo eu e alguns poucos milhares de fãs espalhados por todo o mundo) que seja editado em DVD pela Academia Portuguesa de Cinema mas na verdade não sei ao certo se faz parte dos filmes escolhidos.
O filme foi rodado entre Abril e Junho de 1964 nas arribas da costa norte da Ilha de Porto Santo (e não nas Ilhas Selvagens como está escrito em alguns sítios) provavelmente algures entre Fonte da Areia e Praia das Salemas, isto devido ao acesso que permitia o trânsito de veículos da produção a partir do extremo da pista do aeroporto até junto da orla marítima, mas ao certo só mesmo Cunha Telles, o produtor, saberá. Um dos barcos a bordo do qual foram rodadas algumas cenas terá sido o NRP Creoula, um veleiro de quatro mastros, construído no início de 1937 nos estaleiros da CUF, em Lisboa, para a Parceria Geral das Pescarias, sendo em 1979 transformado em Navio de Treino de Mar (NTM) e posteriormente em 1987 colocado sob a tutela da Marinha de Guerra Portuguesa. Mas o importante veleiro que aparece nas cenas iniciais é nitidamente o conhecido Navio Escola NRP Sagres III que entrou ao serviço da Marinha Portuguesa em 1962 e cuja história é mais complexa. https://restosdecoleccao.blogspot.com/2 ... s.html?m=1
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Algumas imagens da rodagem feitas para uma reportagem da RTP >>> https://youtu.be/LWLlvTbIb9Y <<<
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Ficha técnica:
Realização:
Carlos Vilardebo
Assistentes de Realização:
Fernando Matos Silva
Zeni d' Ovar
Argumento, adaptação e diálogos:
Jeanne Vilardebo, Carlos Vilardebo, Raymond Bellour e
José Cardoso Pires na versão portuguesa (não creditado)
Baseado na obra de Herman Melville
"The Encantadas, or Enchanted Isles" incluido na colectânea "The Piazza Tales" publicada em (1856).
Uma produção de:
Les Films Number One e Produções Cunha Telles
Director de Produção:
António da Cunha Telles
Assistente de Produção:
David Quintans, Arsénio Costa, David Quintans e João Pestana
Chefe de Produção:
Maurice Frydland
Secretária de Produção:
Marie Joseph Frydland
Distribuição:
Mundial Filmes, Animatógrafo e SETEC (França)
Director de Fotografia:
Jean Rabier
Operador de Camara:
Augusto Cabrita
Assistentes de Imagem:
Acácio de Almeida e Elso Roque
Música Original:
Philippe Arthuys
Música (pré-existente):
Jean-Sébastien Bach
Execução Musical:
Vasco Barbosa
Guarda Roupa:
Jacques Schmidt
Caracterização:
Carmen Fantun
Montagem:
Sylvie Blanc
Electricistas:
Júlio Sequeira e Jorge Pardal
Iluminação:
Manuel Carlos da Silva
Maquinista:
Carlos Manuel da Silva
Fotógrafo de Cena:
Augusto Cabrita
Cenários: José Silvério Caires [Colaboração na Madeira] · Giovanni Camb [Arranjos Naturais]
Elenco:
Pierre Vaneck (Abrantes), Pierre Clémenti (Pierre), Amália Rodrigues (Hunila), António Polónio (Filipe), Jorge de Sousa Costa (Gonçalves), Guy Jacquet, João Guedes (Faial), João Florença (Jacinto), Cunha Marques, Ricardo Jorge, Jaime Santos 'Jaimery', Belarmino Fragoso, José de Castro e Varela Silva (voz off)
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Imagens da sequência inicial do filme
>>> https://youtu.be/QURpE4qiyiE <<<
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Pierre Clémenti o actor francês que contracena com Amália Rodrigues foi um dos mais requisitados do cinema underground europeu dos anos 60 e 70 e trabalhou também com realizadores como Buñuel, Bertolucci, Visconti e Pasolini. E Amália, tem aqui o seu melhor desempenho (não canta o fado) de toda a sua carreira como atriz (13 filmes), que pessoalmente considero espantoso.
Amália neste filme tem uma beleza rude que confere bastante autenticidade à sua personagem: uma mulher solitária, sofredora mas resiliente, com a pele tisnada pelo sol forte naquela ilha sem sombras.
Sobre a actuação de Amália neste filme duas opiniões:
«Quem a tenha visto entrar no barco, com solenidade, na sua primeira cena de As Ilhas Encantadas, quem se tenha impressionado com a beleza trágica da sua máscara, poderá compreender, de modo exemplar, como o cinema português tem administrado mal os seus valores, incapaz de descobrir em Amália Rodrigues, a cantora popular, Amália Rodrigues, a actriz cinematográfica de raras potencialidades, Amália Rodrigues, uma fabulous face de intensa fotogenia. Condenada às personagens estereotipadas de fadista, raro lhe foi dada oportunidade para deixar transparecer, no écran, aquele seu porte de cabeça erguida, aquela aristocracia de raça, que não se aprende, aquela figura que, no palco, ao cantar, se avoluma e tudo domina.»
Pavão dos Santos, «Amália e o cinema: fados desencontrados», Sete, Lisboa, 27 de Fevereiro de 1980
«Se o cinema português não fosse o que é, perdido no oito da pobreza criadora ou no oitenta do excesso intelectual, talvez Amália Rodrigues fosse hoje a grande intérprete de que sempre necessitou. […]. O rosto de Amália, a sua beleza morena, o dramatismo e a sinceridade da sua expressão, o seu jeito de ser natural, acima de tudo, compõem uma figura que na tela ultrapassa a fotogenia pelo lado do encanto emotivo que a presença humana suscita.»
Luís de Pina, «Amália – um rosto para o cinema», O Dia, Lisboa, 7 de Julho de 1980.
Pierre Vaneck (o actor que desempenha o papel do imediato Manuel Abrantes) era filho de um general belga e nasceu em 1931 em Lang Son, na Indochina Francesa. Passou a maior parte de sua infância na cidade de Antuérpia, antes de se mudar para Paris para estudar medicina.Mas depressa abandona esse curso para se dedicar à representação. Frequenta então o curso de René Simon e depois entra para o Conservatório para a classe de Henri Rollan. Estreia-se na peça "Les Trois Mousquetaires" baseada no romance de Alexandre Dumas, em 1952, antes de causar sensação no cinema em 1954 no filme "Marianne de ma jeunesse", de Julien Duvivier. Passa então a alternar a sua actividade no cinema, na televisão e nos palcos. Filma sob a direção de Sacha Guitry "Si Paris nous était conté", ou ainda de Jules Dassin em "Celui qui doit mourir" e na televisão, em séries fantásticas como "La caméra explore le temps" ou "Aux frontières du possible" assim como em "Fabien Cosma" ao lado de Louis-Karim Nébati. No teatro, responde a Fabrice Luchini e Pierre Arditi durante a criação de "Arte", peça de Yasmina Reza. Morre em 31 de janeiro de 2010 após uma cirurgia cardíaca. Era casado com Sophie Becker, filha do diretor Jacques Becker e irmã de Jean Becker.
Rodou três filmes em Portugal: Em 1962 "Vacances portugaises" de Pierre Kast (no Porto Santo), aonde regressa em 1965 para filmar " As Ilhas encantadas" e finalmente volta ao nosso país em 1978 para a rodagem de "Le Soleil en Face" (novamente sob a direção de Pierre Kast), que tem como cenário a bela praia algarvia de Cabanas.
Foto de Vaneck e sua mulher na praia de Cabanas em 1978
O resultado do esforço feito para produzir este raro filme.
"O fim do projecto de produção de Cunha Telles terá começado logo com a produção de As Ilhas Encantadas (1965, Carlos Vilardebó): apesar de financiamento externo, o filme teve um orçamento elevado e os resultados de bilheteira em Portugal e França foram desastrosos.
A recepção crítica também foi bastante negativa: “(...)
Na altura teve críticas tremendas, então em Portugal foi completamente vaiado, a começar pelo António-Pedro [Vasconcelos] que o 'apedrejou' de todas as maneiras possíveis e imaginárias.“
As Ilhas Encantadas estreou em Março de 1965 noTivoli, em Lisboa e permaneceu apenas a primeira semana em exibição, somando somente 19 sessões.
Segundo o Relatório do Fundo do Cinema Nacional, que cobriu o período entre Março de 1965 e Novembro de 1965, somou como total de receitas de bilheteira uns modestos 58.983$70, correspondendo 57.715$60 (97,85%) às salas de Lisboa e 1.268$10 (2,15%) às salas do Porto"
in "O Novo Cinema Português" de Paulo Cunha (Setembro de 2014)
Legenda das fotos
Em cima à esquerda duas fotos das Ilhas de Porto Santo e Madeira vistas do mar, à direita o actor francês Pierre Vaneck, em baixo à esquerda Amália num momento de pausa das filmagens e à direita um aspecto das arribas escarpadas da costa norte da ilha bem diferente do lado oposto onde se situa a belíssima praia de areia fina com cerca de 9 km de comprimento e desde há 3 décadas com muito turismo. Em 1965 quando o filme foi rodado a ilha não tinha recursos de água potável que tinha que ser transportada da Madeira em navios tanque e armazenada em cisternas. O aeroporto tinha sido inaugurado em 1960 com uma pista de 2000m, uma pequena areogare e escasso tráfego aéreo. Nessa altura havia pouquíssimas estradas pelo que a logística da rodagem terá sido bastante complicada.
Pandora da Cunha Telles, filha de António da Cunha Telles e uma das produtoras/es deste país com mais trabalhos no currículo (a par de Paulo Branco) não lamenta que o pai tenha produzido As Ilhas Encantadas e refereriu-se numa entrevista recente a esta obra como sendo um belo filme.
Leituras diversas
A maldição das “Ilhas Encantadas” por Jorge Mourinha in jornal "Público" Julho de 2011
Sobre este filme esquecido e maldito escreveu Paul-Louis Martin na prestigiada revista "Cahiers du Cinéma " nº180, de Julho de 1966 ( pp. 71-72) um texto de duas páginas com sugestivo titulo «L’océan des rêves» . (tradução livre resumida) texto original em francês no link https://amaliarodriguescentenario.wordp ... gues-1966/
O arquivo dos Cahiers com as páginas
https://archive.org/details/CahiersDuCi ... 9/mode/2up
Leonor Areal in "Cinema Português, um país imaginado" Vol. 1, página 402. Edições 70, Lisboa 2011
A sua novidade vem sobretudo de uma apropriação plástica da linguagem cinematográfica, numa história onde as escassas personagens — isoladas nessa ilha e ocupadas com as tarefas de subsistência estrita — poucas palavras trocam. O filme centra-se na figura e na fisionomia escultórica de Amália Rodrigues, que aqui não canta nem quase fala, mas vive por gestos e movimentos corporais que só por si desenham uma ocupação do espaço e uma erótica telúrica e essencial. Ela é a mulher que fica só, depois de mortos o marido e o irmão na pesca da tartaruga. O filme está construído como um desdobrável de vários flashbacks, nos quais surgem outros personagens — viajantes dos mares. Nesta excursão fora do tempo histórico, a apropriação da obra de Melville — e dos trajos vestidos pelos marinheiros ingleses de passagem — serve apenas de pretexto para uma investigação pessoal que, em vez de refletir um tempo histórico suposto, representa, sim, uma espécie de humanidade essencial ou primavera através dos gestos da sobrevivência: a pesca da tartaruga, a transformação das matérias, o engenho técnico e civilizacional, e a manifestação de um erotismo independente de qualquer categoria social ou moral. A atenção central à figura feminina, cheia de força e sensualidade própria, é também uma novidade no contexto português uma cantora que não canta, e apenas a sua fisionomia fala como herança intemporal. Como bem disse Tiago Baptista, o filme revela «o talento de Vilardebó como realizador capaz de construir a enorme carga dramática e psicológica de uma situação e de uma personagem a partir dos mais pequenos detalhes e do quase imobilismo de um corpo» Vilardebó explora sobretudo uma aproximação entre o que é cinema e o que é vida — num ensaio formal sobre o cinema enquanto expressão e revelação da vida, que tem uma perícia inegável e um interesse estético único. A câmara, muito hábil e com uma mise-en-scène de olhar clássico, dá-nos planos longos conduzidos pela gestualidade e grandes planos sustentados nos olhares — tão expressivos quanto as palavras que não são ditas. A plasticidade — que nasce no gosto da paisagem, dos objetos, dos corpos — encontra os ritmos que modelam o tempo de um universo remoto e improvável, para o qual o realizador encontra a atenção justa e os significantes precisos. Deste filme simultaneamente formalista e telúrico pode até dizer-se que é um filme de matéria: a matéria da expressão, aqui tornada matéria da vida, faz a fusão do sensorial com o conceptual cinematográfico. O isolamento humano total tem ecos filosóficos. Um filme quase sem palavras — contado como uma vivência — que propõe uma fenomenologia do cinema.
Uma curiosidade sobre o talento de Agusto Cabrita
Texto de Francisco Simões no Jornal da Madeira em 12/02/2022
"A vida de Augusto Cabrita era uma constante de estética, de sagesse e de mensagens e sons que se colavam nas películas dos seus filmes e fotografias.
Por falar em sagesse recordo as fotografias de filmes como: As Ilhas Encantadas do cineasta Carlos Vpilardebó, Belarmino, o extraordinário filme de Fernando Lopes ou de Hans Christian Andersen, Uma história de Trens, onde o dinamarquês explorava toda a sensibilidade artística do nosso fotógrafo, ou ainda a Catedral da Angústia do nosso comum amigo António Vitorino d'Almeida.
A propósito do magnífico Belarmino, recordo a visita entusiasmante que Francis Ford Coppola fez a Lisboa para ver as imagens e com o intuito de convidar Augusto Cabrita para trabalhar com ele em Hollywood. Augusto e eu levamo-lo ao Barreiro e na pequena Tasca do Compadre obsequiou-o com uns bivalves à Bulhão Pato, poeta do século XIX só conhecido pelos seus dotes gastronómicos e não tanto pela sua poesia, também ele de Almada/Porto Brandão, e com um saboroso vinho branco de Azeitão namorávamos todos o Tejo, Lisboa e Santa Engrácia. Nesse momento Augusto Cabrita respondia a Francis Ford Coppola: não posso ir contigo para Hollywood, preciso estar aqui a namorar Lisboa.
https://www.jm-madeira.pt/opinioes/ver/ ... permanente
(O resumo deste filme mais idiota que já li está numa página, imagine-se só, da RTP. https://www.rtp.pt/programa/tv/p26041
Há uma folha da Cinemateca sobre o filme com uma descrição correcta.
Um resumo:
O filme foi registado em película Agfacolor de 35 mm e não em Kodachrome como é referido no comentário do IMDb. O sistema Agfa (alemão) tem uma gama de cor menos vibrante que o sistema americano, digamos que mais equibrado, mais natural, segundo o meu ponto de vista, que isto da cor é algo bastante relativo ( e complexo)
Vilardebó constrói um filme inspirado, com diversas influências (Herman Melville, a Nouvelle Vague e os documentários onde foi bem sucedido) e tendo em conta o pequeno/médio budget ( pelos padrões europeus) de que dispunha para o concretizar, a meu ver, escolheu bem o cenário, os actores, e eventualmente os restantes colaboradores a avaliar pelo que se vê na tela. O seu insucesso dever-se-á ao facto de estilisticamente se afastar bastante do cinema comercial desses tempos, por Amália que não exibe ali o talento que a tornou mundialmente famosa, tendo um papel meramente dramático, ou pelo recurso à voz off, mas principalmente pelo ritmo lento que contrasta com o do Moby Dick dirigido por John Huston (com algumas cenas também rodadas nas costas da Madeira 10 anos antes) com os filmes de grande sucesso comercial dirigidos por Phillipe de Broca por esses tempos (Cartouche, L'Homme du Rio, Les tribulations d'un Chinois en Chine...) ou dos "spaghetti western" que enchiam de público as salas europeias. É nitidamente um filme de autor com todas as virtudes e defeitos que tal implica. Gosta-se ou não se gosta, e eu sou dos que assumidamente gosta. Apesar de não haver fado na sua BSO ele, na sua significação como destino está de certo modo presente não tanto pela participação do ícone mundial desse tipo estilo único de música mas pelos diálogos pausados, pela paisagem desolada, pela história de sofrimento e solidão e até pela saudade do velho marinheiro que, já retirado da navegação recorda a história que viveu (ou sonhou?).
Obs:
A cena em travelling de Hunila a caminhar pelo ao pequeno estaleiro de extração de óleo ao som das cigarras fez-me lembrar uma cena do filme de Sergio Leone, Once Upon A Time In The West, passada no rancho de Brett McBain e a figura de Hunila com o seu xaile aos ombros recordou-me de certo modo a personagem de Jill McBain, ambas mulheres fortes e sobreviventes.
No início do filme o Imediato do Gazela (Pierre Vaneck) envelhecido procura uma gravura das Ilhas para mostrar a um convidado e ao passar no corredor da casa a câmara mostra um mapa da ilha da Madeira na parede.
Como curiosidade adicional um link para um post sobre filmes rodados na Madeira num blog de um madeirense.
http://portugal-mundo.blogspot.com/2017 ... ira-2.html
Fotos do álbum pessoal de Amália tiradas durante a rodagem em Porto Santo, muito provavelmente por Augusto Cabrita, um dos grandes fotógrafos portugueses do século XX
E já agora uma pequena bio de António da Cunha Telles uma figura-chave deste ousado projecto e o grande impulsionador do chamado "Novo Cinema Português "
António Alexandre Cohen da Cunha Teles GOIH
nasceu no Funchal, Ilha da Madeira em 1935. Entre 1955 a 1960, estudou em Paris, obtendo os seguintes certificados:
- Certificado do I.D.H.E.C. Institut des Hautes Études Cinématographiques em Direção de Cinema e Produção .
- Certificado do Institut de Filmologie, Faculté de Lettres de l' Université de Paris (Sorbonne) .
- Certificado do Centro Audiovisual de l' École Normale Supérieur de St. Cloud.
Depois de regressar a Portugal em 1960, começou sua carreira como produtor com os seguintes filmes, inventando o " Novo Cinema Português " :
" Verdes Anos ", de Paulo Rocha;
" Belarmino " de Fernando Lopes ;
" O Crime da Aldeia Velha ", de Manuel Guimarães ;
"Como Ilhas Encantadas ", de Carlos Villardebó ;
" Catembe ", de Faria de Almeida;
" Domingo à Tarde ", de António Macedo ;
" O Trigo e o Joio ", de Manuel Guimarães ;
" Mudar de Vida ", de Paulo Rocha
E co- produzido :
" Vacances Portugaises ", de Pierre Kast ;
" Le Triangle Circulaire " por Pierre Kast ;
" La Peau Douce ", de François Truffaut .
Dirigido os seguintes filmes :
" O Cerco " , em 1969 ;
" Meus Amigos " , em 1974 ;
"Continuar a Viver" , em 1976 ;
"Vidas " em 1984 ;
"Pandora" , em 1992 ,
"Kiss me " em 2004.
Em 1979, tornou-se administrador do I.P.C. (Instituto de Cinema Português) .
De 1978 a 1982 foi Presidente do Conselho de Administração e Administrador da Tobis - Estúdios e Laboratórios portugueses.
Presidente do Português Motion Pictures Producers Association 1989-1993 .
Gerente de Animatógrafo ( Produção e Distribuição da Empresa ) e Filmes de Fundo ( Companhia de Produção ) .
Como produtor e co- produtor , Cunha Telles é responsável por mais de 200 títulos, entre os quais o único Oscar de Cinema Português História - " Belle Epoque ", de Fernando Trueba , 1993 Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Recomendo também a leitura deste interessante texto sobre as por vezes incríveis "peripécias" (desde vender a casa para financiar filmes até comprar película de sobras fora de prazo de validade para poder filmar) deste madeirense, no início da sua carreira de produtor e realizador para levar avante o seu sonho de produzir fitas neste Portugal de então, dominado por uma das últimas ditaduras europeias com um regime de censura que desencorajava os mais persistentes. Clicar em "Ler texto integral" para fazer download do PDF https://www.palavrasemovimento.com › ...PDF
António da Cunha Telles – as produções e as ilusões dos anos 1960
Este filme único de Vilardebó não será de todo uma obra consensual, antes pelo contrário, divide bastante as opiniões que existem sobre ele, mas é sem dúvida algo de único no cinema português e penso que estará na altura de finalmente lhe fazer justiça divulgando-o em formato home cinema numa edição decente dado que teve apenas uma edição VHS em venda directa da editora Imaginação (?) já há muito desaparecida do mercado. Tal contará certamente com o apoio das entidades culturais francesas (?)
E já agora que tal talvez voltar a programá-lo na Cinemateca (e porque nem todos vivem em Lisboa, porque não também na RTP2 ?)
A ficha do filme na página da MARFILMES empresa que será supostamente a detentora dos direitos de autor deste (e de outros filmes portugueses)
http://www.marfilmes.com/pt/ptclassicfi ... ntadas.htm
P.S.: Dada a escassez de informação fidedigna disponível sobre este filme, e a que encontrei para além de muito dispersa é por vezes contraditória, este texto na sua maior parte carece obviamente de confirmação/correção por pessoa avalizada para tal. Caso alguém com conhecimento sobre o tema por aqui passe e quiser corrigir ou comentar sinta-se livre de o fazer. Antecipadamente grato. L.M.