Film Noir - o Tópico

[Samwise]

Fazendo um resumo rápido dos últimos que vi, do melhor para o pior:

Pépé le Moko, de Julien Duvivier - é um exemplo maior da corrente do realismo poético francês (que precede o noir) e um grande filme sobre a liberdade, com uma daquelas paixões rasgadas, que mudam o sentido do mundo, e que só existem no cinema. É também um filme gangsters à antiga, em que o crime preenche e determina uma boa parte do enredo - e em que o "padrinho" local trava um braço de ferro "educado" e "honrado" com o chefe da polícia que o quer capturar. 9/10

The Letter, de William Wyler - Óptima adaptação de uma short-story de Somerset Maugham (um dos meus escritores favoritos) sobre um crime improvável, de contornos altamente invulgares, passado no início do século (XX) numa colónia inglesa em Singapura - não é um "Whodunit", porque sabemos desde o primeiro minuto quem matou, mas é um "Whydunit", em que a investigação do advogado de defesa vai trazer ao de cima revelações inesperadas. 8/10

He Walked by Night, de Alfred L. Werker e Anthony Mann - um "procedural noir" que serviu de inspiração a Jack Webb para desenvolver o seu Dragnet, e que é um filme bastante melhor do que a versão filme dessa série. Um departamento de polícia minucioso e competente persegue um criminoso também minucioso e competente. Fotografia com instensidades fortemente contrastadas a cargo de John Alton e um climax nos esgotos da cidade são aperitivos adicionais. 8/10

The Blue Lamp, Pool of London, Sapphire, The League of Gentlemen, Victim e All Night Long, todos de Basil Dearden
British noir - ou lá perto, na maior parte dos casos. São todos crime-movies diferentes mas partilham um ponto comum central: exploram com bem mais profundidade as raízes sociais dos seu protagonistas do que os filmes americanos da época. Parece ser um forte traço autoral neste realizador, e que precede o olhar mais intenso que a British New Wave viria a debruçar sobre algumas das grandes "questões sociais". Mas neste lote há de tudo - desde o divertimento mais desinteressado que é o The League of Gentlemen, passando por filmes de algum activisto como são o Victim (pelos direitos dos homossexuais num momento em que havia uma lei que criminalizava esses actos - foi um filme pioneiro e bastante corajoso dado o contexto) e o Sapphire (contra a descriminação racial, colocando a nu questões racistas de várias índoles) e a terminar no experimentalismo artístico e sofisticado que reúne Shakespeare e Jazz em All Night Long (que for adepto de Jazz, tem aqui muito para se entreter e deliciar, já que o filme intercala cenas do enredo propriamente dito com sequências de Jazz interpretadas por alguns grandes nomes da altura - e que participam no filme como actores...). Estão todos dentro da nota 8... mas cada um pelas suas razões.

[paupau]

Tirando o Pepe, não vi nenhum desses. Parecem bem interessantes, sobretudo o Dearden. A ver se ponho a vista nisso.

Vi o Gun Crazy do Joseph H. Lewis, que entra na minha lista de noir de topo, sobrrtudo pela realização e desempenhos.
Bart é o espelho da América, obcecado por armas desde tenra idade de forma algo insconsciente. O filme começa num flasback de tribunal a explicar que mesmo com essa obsessao, é incapaz de matar. Em adulto, acaba por arranjar emprego junto a uma espécie de Ann Oakly e acabam por enveredar pela vida de crime. Este filme também tem uma excelente femme fatale a manipular o nosso protqgonista algo fraco. Dois desempenhos excelentes!
Fui ver no imbd e são ambos atores com poucos créditos, uma pena face ao que fizeram neste filme.
Destaque para a realização, vistosa mas a.fazer sentido no contexto de cada cena, com ângulos estranhos e takes longos.
Além disso, tem cenas e apontamentos poéticos muito pouco usuais para um noor, com momentos mais saídos do Night of the Hunter do que do típico noir.

Enviado do meu SM-A510F através do Tapatalk

[Samwise]

Tirando o Pepe, não vi nenhum desses. Parecem bem interessantes, sobretudo o Dearden. A ver se ponho a vista nisso.

No caso do Dearden vale bem a pena fazer a volta a estas obras pela sequência cronológica, não só para ver o que vai evoluindo e sendo "reciclado" de uns filmes para os outros (há ideias, maneirismos de enredo e actores que são recorrentes), como para perceber as mudanças sociais que se notam na sociedade inlgesa ao longo desses quase 20 anos. Alguns destes filmes foram lançados pela Criterion, mas creio que vale a pena "perder tempo" e vê-los todos - o Pool of London, por exemplo, não está na Criterion e é o que mais se aproxima dos noir americanos.

https://www.criterion.com/search#stq=dearden

Vi o Gun Crazy do Joseph H. Lewis, que entra na minha lista de noir de topo, sobrrtudo pela realização e desempenhos.
Bart é o espelho da América, obcecado por armas desde tenra idade de forma algo insconsciente. O filme começa num flasback de tribunal a explicar que mesmo com essa obsessao, é incapaz de matar. Em adulto, acaba por arranjar emprego junto a uma espécie de Ann Oakly e acabam por enveredar pela vida de crime. Este filme também tem uma excelente femme fatale a manipular o nosso protqgonista algo fraco. Dois desempenhos excelentes!
Fui ver no imbd e são ambos atores com poucos créditos, uma pena face ao que fizeram neste filme.
Destaque para a realização, vistosa mas a.fazer sentido no contexto de cada cena, com ângulos estranhos e takes longos.
Além disso, tem cenas e apontamentos poéticos muito pouco usuais para um noor, com momentos mais saídos do Night of the Hunter do que do típico noir.

Não é à toa que esta menina é a figura de capa da minha edição do "Film Noir" da Taschen.

E o realizador Joseph H. Lewis é outro dos pesos pesados muito reconhecidos dentro do género. Acho que todos os que vi dele gostei bastante, mas é um dos nomes que vou passar em revista nesta volta...

[rui sousa]

Tenho de encontrar o livro sobre a censura do cinema em Portugal, do Lauro António, porque me lembro de se dedicarem muitas linhas ao caso do "Victim" - que ou foi proibidíssimo ou cortadíssimo.

[Samwise]

Tenho de encontrar o livro sobre a censura do cinema em Portugal, do Lauro António, porque me lembro de se dedicarem muitas linhas ao caso do "Victim" - que ou foi proibidíssimo ou cortadíssimo.

O filme é de 1961 e a data que consta no imdb para o lançamento em Portugal é esta: "6 February 2010 - (Cinemateca Portuguesa)"


EDIT:

Encontrei um artigo na net sobre esse livro do Lauro António, onde consta o seguinte a propósito do Victim:

«Considero indecoroso admitir sequer a possibilidade de aprovar esta miséria desta fita cujo argumento consiste em proteger a homossexualidade. Isto lembra-me que um deputado no parlamento de Inglaterra propôs que se legalizasse o matrimónio de homossexuais entre si. Esta peça é conduzida no sentido de humanizar a lei, de maneira que ela reconheça que ser homossexual não é mais do que um desequilíbrio emocional, quer dizer, nem sequer é moralmente condenável! Protesto contra a pouca vergonha do produtor que tem a desculpa de ser inglês com o vício nacional. Mas protesto ainda mais contra a imprudência e desvergonha do importador. A propaganda da pretendida lei é manifesta.» (o censor: Cortez Pinto, 2/1/1962)

fonte: http://ratocine.blogspot.com/2011/10/ci ... tugal.html

[Samwise]

The Letter, de William Wyler - Óptima adaptação de uma short-story de Somerset Maugham (um dos meus escritores favoritos) sobre um crime improvável, de contornos altamente invulgares, passado no início do século (XX) numa colónia inglesa em Singapura - não é um "Whodunit", porque sabemos desde o primeiro minuto quem matou, mas é um "Whydunit", em que a investigação do advogado de defesa vai trazer ao de cima revelações inesperadas. 8/10

Ainda a propósito da censura em Hollywood nesses tempos, tenho estado a ler a short-story do Maugham de onde esta versão foi adaptada - e adaptada com grande proximidade e fidelidade em relação ao material original (havendo partes do texto e diálogos que estão no filme) - e deparei-me com uma palavra que foi "maquilhada" de uma para a outra versão: "rape" no texto passou a "make love" no filme (nos filmes, já agora, porque também está assim no remake de 1947 - "The Unfaithful").

O argumento que leva ao crime, tal como contado pela mulher que cometeu o assassinato, é o de que a vítima a tinha tentado violar (a expressão exacta é "He tried to rape me, and I shot him."), mas no filme trocaram a expressão para "tentado fazer amor" com ela.

É um pormenor, mas é revelador da malha apertada do Production Code.

[Samwise]

Acrescentei isto aos recursos no 1º post:

- Film Noir: Bringing Darkness to Light (documentário): https://www.youtube.com/watch?v=QNSG5Fc1r2c
- Los Angeles: City of Film Noir (documentário): https://www.youtube.com/watch?v=dqcfCDtiNP8

[rui sousa]

Era mesmo isso!

Esse livro é essencial, tem relatos fascinantes da censura - que de resto estão na Torre do Tombo, disponíveis para consulta. Um dia fui lá passar a tarde e li os relatórios de censura de alguns filmes do Billy Wilder, bem como a contra-resposta dos distribuidores.

[Samwise]

Mais uma "double dream feature", agora com o Gilda e o Laura, a que podia juntar o Framed, que em Portugal foi "convenientemente" traduzido para Paula, mas que não está no mesmo patamar dos outros dois - não está nem no mesmo campeonato!

Não tenho muito para dizer, alterar ou acrescentar à opinião que já vinha de trás: são dois títulos noir de topo que não envelhecem com a idade, e que agora vou deixar pacientemente que se afundem na minha memória para poder ter o prazer de os descobrir novamente daqui a uns anos, mesmo que num caso e noutro haja sequências particulares que depois de se terem apanhado a circular uma vez pelos nossos centros de prazer nunca mais se olvidam.

Um 10 a cada um.

[Samwise]

I Wake Up Screaming, de Bruce Humberstone ( wiki | imdb )

Muito bom "early noir", um whodunnit com uma estrutura narrativa sólida, construída a partir de flashbacks, uma galeria de personagens cativante (embora a determinada altura a ambiguidade de algumas dessas personagens comece a dissipar), boas interpretações, e um jogo de luz e sombras que podia bem servir de "catálogo de boas práticas" para noir, numa altura em que o termo era desconhecido e não se vislumbrava ainda a torrente avassaladora de títulos que os estúdios iriam colocar nas salas ao longo das duas décadas seguintes.

O título é algo espalhafatoso (e claramente "falso" tendo em conta o conteúdo do filme - há uma cena que se apróxima alegoricamente... mas não chega) mas creio que é uma obra obrigatória para quem é apreciador do género.

Acho que foi o primeiro filme que vi com a Betty Grable - objecto de uma das mais famosa fotografias pin-up da história.

8/10

[Samwise]

Mais uma "double dream-feature", desta feita centrada no actor Sterling Hayden e em dois grandes exemplos de heist/caper movies: The Asphalt Jungle (John Huston) e The Killing (Stanley Kubrick).

Já tinha visto ambos e não fiquei desiludido com a revisão, pelo contrário: reforçou a minha percepção sobre a excelência das peças.

Neste tipo de filmes há vários prazeres dados como adquiridos à partida, e que vão ser, expectavelmente, alvo do foco da câmara, pelo menos para mim: acompanhar a "engenharia" e o planeamento do roubo (quanto mais inexpugnável for a "fortazela" e o mais elevado o valor do saque, mais audacioso tem de ser o plano), acompanhar depois na prática a execução desse plano (corre sempre qualquer coisa mal), e ver no final o que sucede aos assaltantes (como tentam escapar à polícia, se são bem sucedidos ou não, se há "ajustes de contas", etc). Em cima disto, e talvez mais importante de tudo, é a forma como a relação entre as várias personalidades do bando é mostrada pelo realizador, e de que maneira essa relação tem impacto sobre o sucesso do plano.

Ora bem, estes dois exemplares do género marcam nota 10 em praticamente todos estes aspectos - e excedem-se em particular nessa delineação e exploração dos carácteres, egos e personalidades dos assaltantes.

Bottom line: imperdíveis para os apreciadores.

[paupau]

Só conheço o Killing, julgo que é o filme do Kubrick " one lean, mean, killing machine". Direto ao assunto sem perder tempo com coisas que não interessam. O Sterling Hayden é dos grandes malucos do cinema, o género de tipo que se pode ver uma entrevista de horas na boa, magnífico contador de histórias.

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[mansildv]

https://en.wikipedia.org/wiki/Murder_by_Contract

[Samwise]

Esse é um dos 50+ noir do livro da Taschen.

E um dos poucos que ainda me falta ver dessa lista.

[mansildv]

https://en.wikipedia.org/wiki/Green_for_Danger_(film)