Voltemos à nossa conversa, José Miguel.
A pergunta com que terminei lá mais atrás a intervenção sobre o
Shutter Island, em mais sobre os dois textos de Jorge Mourinha, não era, como podes imaginar inocente - queria saber se costumas ler de forma regular a crítica (e, se afirmativo, que nomes e em que espaços) para perceber a forma como estarias a relativizar e a ajuizar as "críticas" deste profissional. A tua resposta não me surpreende, antes confirma a minha suspeita: não lês quase nada de crítica profissional ou textos/ensaios acadêmicos, e o pouco que lês nests áreas é aleatório, a reboque da informação que alguém, também aleatoriamente, colocou em artigos da wiki.
E, sem conheceres nada do mundo da crítica profissional, nem sobre como funcionam as suas manifestações e publicações por essa Internet fora, decidiste dar tau-tau no Jorge pelo mau serviço que presta, ainda por cima recebendo ele dinheiro para escrever aquelas maldades.
/um aparte: continuo a concordar que o texto sobre o
Maleficent é muito pobrezito.
Estarei sempre em defesa das tuas opiniões, mesmo que contrárias à minha, quando manifestas um desagrado em relação às tuas expectativas, como fizeste nesta segunda intervenção, ao apontares as razões pelas quais consideras péssimo o (1º) texto sobre o
Shutter Island, mas não posso concordar quando apontas esse mesmo texto como sendo um mau/péssimo exemplo de crítica - nota que separei os termos "texto" e "crítica", legitimando e respeitando ao tua opinião sobre o que leste.
O que eu penso, muito resumidamente, é que há uma infinidade de abordagens ao modo como se escrevem críticas, uma infinidade de estilos, uma infinidade níveis intelectuais e de capacidades de expressão, uma infinidade de modelos editoriais em que essas abordagens encontram depois pouso, e ainda uma infinidade de públicos para os ler, pelo que a ideia de bater num crítico porque este não escreve de acordo como o modelo que nós idealizamos está fundamentalmente errada. Ou seja, vale mais procurar um modelo adequado àquilo que esperamos - como tu fizeste com o Ebert (ainda que ele te tenha "enganado" depois com esse texto mais "informativo"
)
Isto para dizer que o Mourinha não escreve para comunicar o eventual "conteúdo informativo" sobre o que se poderá encontrar dentro de um filme (para isso há as sinopses), nem está preocupado como o facto do leitor poder ainda não ter visto o mesmo. Não é essa a abordagem dele - nem dos outros críticos do Público. O que eles fazem é partilhar reflexões e pensamentos próprios sobre o que acabaram de ver - para um público que esteja adaptado ao seu modelo de escrita e dentro dos seus patamares culturais de conhecimento. É essa parte por acaso que me interessa a mim. Mais do que as estrelas que dá ou o rumo da história, importa-me percepcionar outras formas diferentes da minha de assimilar o que viram, importa-me ver "através de outros olhos", de preferência com um pouco de arte à mistura.
A propósito da pluralidade de formas de abordar de forma crítica um filme, deixo-te um conjunto de textos relativos a um outro filme o
Escape from LA, de John Carpenter. Não quero que vás a correr ver o filme para depois poderes comentar (até porque penso que o irias destestar), mas é apenas para ilustrar o princípio da adaptação ideial entre autor e leitor. Destes textos todos, importa-me a abordagem iluminada do Benárd da Costa (a primeira). Os outros são-me relativamente indiferentes. A do Ebert é a última.
Crítica 1
Crítica 2
Crítica 3
Crítica 4
Crítica 5
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Quanto à linguagem utilizada, não concordo muito com a tua análise ao parágrafo em questão, nem, neste caso, à "beleza literária da prosa", já que o texto e o excerto que escolheste me parecem bastante simples e directos.
"Scorsese filma como se houvesse sempre um detalhe inexplicavelmente fora do sítio, como se tudo isto fosse uma enorme alucinação, uma mistificação onde nunca sabemos o que é verdade e o que é mentira, sublinhada pela opressão da cenografia de Dante Ferretti e pela magnífica escolha de compositores contemporâneos feita por Robbie Robertson para a banda-sonora.
E essa mistificação faz parte do jogo de Scorsese, brincando com a arte do cinema como se nunca tivesse feito outra coisa na vida (e, na realidade, nunca fez)."
Isto para mim é atirar areia para os olhos, é preciso esta confusão toda para explicar que o Scorcese inseriu falhas de continuidade para simular "glitches" da realidade?
Não é uma questão de "ser preciso esta confusão toda", é apenas a maneira de escrever do Mourinha, que, já agora, me parece bem mais perceptível para o "leitor comum" do que a tua frase ("o Scorcese inseriu falhas de continuidade para simular "glitches" da realidade?"
).
Samwise, eu pessoalmente até concordo com o que escreveste no parágrafo que citei, embora eu dê menos relevo ao domínio literário, mas discordo que neste exemplo o Mourinha cumpra a descrição que fizeste, pois tu explicaste que o domínio literário ajuda a clarificar a transmissão de ideias, e eu acho que o Mourinha utiliza-o para atirar areia para os olhos e dificultar a transmissão das ideias dele.
Achas que o Mourinha utiliza a linguagem para "atirar areia para os olhos" dos leitores, deliberadamente complicando os textos? Sinceramente, parece-me uma ideia algo absurda. Por que razão faria ele isso?
Não será antes que escreve para determinado público que está habituado a esse modo de tratamento estilístico/linguístico?
Em relação à tua dúvida se eu acompanho críticos, o que se passa é que eu utilizo muito o wikipédia (versão inglesa do texto), em certos casos eles citam e incluem links para críticas profissionais de diversos autores e eu às vezes vou espreitar. Até agora apenas o Ebert me chamou a atenção, por acaso só hoje andei a espreitar o site oficial, mantido pela equipa dele que continua a escrever críticas, gostava de sugerir a crítica do Aliens (1986) porque sempre me intrigou como se faria uma crítica profissional a esse filme (estava à espera que o Rui Sousa se chegasse à frente, mas ele ainda só vai no 1º filme).
Fico agradado com o teu esforço de pesquisa; tirou-me pelo menos uma dúvida de cima - uma que tinha a ver com o teu eventual desdém acerca de toda a crítica profissional. Afinal trata-se apenas de encontrares críticos que vão de encontro às tuas expectativas - e que é também o que eu faço.
(Já segui o Ebert com mais atenção, mas neste momento sinto-me puxado para outros lados um pouco mais desafiadores das convenções)
Rui, aguardamos a tua crítica ao
Aliens.
Para terminar eu admito que fui bruto e exagerado quando critiquei de forma destrutiva (e nada construtiva) a crítica que o Mourinha fez ao filme da Disney.
Mas ele é um profissional pago para escrever críticas, e aparentemente nós temos de pagar para as ler, e nestes moldes eu sou mais duro e exigente, mas confesso que exagerei um bocado.
Correcção: tendo nós opção de escolha, apenas temos de pagar para ler aquilo de que gostamos. De outra forma é que seria de "lhes bater"!!!