Alarvidades dos críticos de cinema

Discussão de filmes; a arte pela arte.

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rui sousa
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by rui sousa »

Samwise wrote:
Por seu turno, Luís Miguel Oliveira, um crítico do mesmo jornal, deita abaixo o filme de Cameron e desvaloriza a utilização do 3D como instrumento capaz de valorização estética.
Pois claro, é que o LMO pensa ao contrário desta opinião - para ele os óculos são um instrumento de desvalorização estética. :-))) E duvido que por estes dias já não haja mais um batalhão de opiniões que, desde 2009, também chegaram a essa conclusão.
Mas se o senhor Jean-Luc Godard fizer um filme abstracto, mal filmado, mal conseguido, mal dirigido, com cenas de pura abjecção visual, e que utilize o 3D... aí já é outra coisa... :mrgreen:

Vamos por os factos em cima da mesa: o realizador de um filme influencia, e muito, a forma como um crítico olha para um filme. É uma tendência especialmente europeia, e especialmente criada com a geração dos Cahiers, que elevaram realizadores a um estatuto intelectual que, antes, nunca tinham tido.

Outra coisa curiosa, que vi num comentário de um utilizador, justamente, feito no facebook do LMO, que faz uma comparação engraçada: O Ozu fez (quase) sempre o mesmo filme, quase todos os filmes se iniciam da mesma maneira, são filmados da mesma maneira, etc...

Ninguém critica-o de ser repetitivo, porque lá está, foi elevado a um estatuto.

Mas se o Scorsese fizer o Casino, "eh pá, é igual ao Goodfellas", e com o Lobo de Wall Street é a mesma coisa...

O status do realizador deveria influenciar tanto os críticos? Gosto é daqueles que não têm medo de deitar abaixo convenções... mas há tão poucos que se arriscam (e principalmente, são poucos os que se arriscam a criticar o cinema europeu, porque para o americano - e sobretudo para o cinema clássico - os detractores cresceram em massa, nem é por causa dos filmes, mas da ideia de "ui Hollywood é má e tal)...
paupau
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by paupau »

Concordo com o que dizes Rui, exceto nos exemplos. A utilizacao do 3D no Adeus a Linguagem e um passo a frente de todas as outras obras, e nao sao apenas os criticos que afirmaram isso. O tema e o conteudo podem ter passado ao lado da malta, mas o JLG e o diretor de fotografia inventaram umas tecnicas novas que ainda esta para se ver o alcance delas. Eu pessoalmente so aprecio Godard ate ao Weekend.
A ideia que Ozu fez sempre o mesmo filme filmado da mesma forma tambem e uma ideia errada , se bem que facil de perceber de onde surgiu. Percebe-se essencialmente no periodo do pos-guerra, porque antes era comedias de estudantes, comedias familiares, gangsters, etc, etc. Mesmo os ultimos filmes olhando com atencao, nao encaixam nessa ideia.
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Ludovico
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by Ludovico »

Samwise wrote:Ludovico, penso que não estou concordante contigo. :mrgreen:

Autoexaminando-me, cada vez mais me inclino para a solução: "vejo todos pelo mesmo prisma", sejam de autor ou não, sejam entretenimentos puros no-brainer, ou filmes "sérios", sejam musicais ou documentários, seja o que for. A bitola será sempre a mesma. O que não me impede de os contextualizar no seu devido lugar. Claro que há diferenças abismais entre um Padrinho e um American Pie - nada pode servir para os comparar... excepto o conceito de que são filmes, e exigem duas ou três horas da nossa atenção (ou sono :mrgreen: ) em frente a um ecrã, uma experiência que no final corresponderá a um certo grau de satisfação. Percebo a tua ideia de os separar por um conceito de valor, mas penso que a maneira como chegamos a esse valor pode ser semelhante.
Pois ainda bem que é discordante, na minha ótica :-) .
Uma coisa é ver muitos filmes sem paixão a outra é o seu contrário, isto é com paixão.
Há "filmes" e há "Cinema" consoante o tipo de pessoa que vê.
Uma coisa é ver o cinema sem exigência a outra é o seu contrário.
Só se pode comparar o que é comparável.
Para mim, há cinema de qualidade, de autor e filmes que não são, é simples.
Agora aqui, neste tópico, pensam em demasia, vão por caminhos sinuosos.
As coisas são bem mais simples do que as pintam.
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by elfaria »

Uma no cravo e outra na ferradura :mrgreen:

Bom é verdade os crítico existem, e os críticos escrevem mas... só os lê quem quiser (laPalice) :-))) pois ao contrário do que acontecia no tempo AI (antes da internet), hoje as fontes de informação são diversas e o acesso aos trailers e sinopses é extremamente fácil. Até mesmo sacar uma DVDSCR à borla para fazer a nossa própria “ante-estreia é facílimo” mau-) . Então porque não ignorar esses "realizadores frustrados” eh-) e assumir inteiramente a responsabilidade as nossas escolhas? No meu caso é porque disponho de pouco tempo livre e existe tanta “oferta” que necessito de orientação fiável para distinguir o trigo do joio antes de cometer o crime de gastar tempo (e o meu dinheiro) com coisas que que não merecem de todo e como ele (o tempo) é precioso para mim (oh precious my precious) parte das vezes "atiro a responsabilidade" para cima dos críticos mas se não corresponder ao meu gosto assumo que fui até lá com os meus próprios pés :mrgreen: . Agora querer que os críticos estejam (escrevam) em acordo com a nossa própria visão de determinada obra e se eles não o fizerem insinuar que são uns burros imbecis inúteis sinceramente :o !! E então será que eu só vejo filmes recomendados pela crítica? Não pois penso que os conselhos são para se escutar mas nem sempre para se seguir e se o fizesse ter-me-ia privado de cometer alguns pecados (cinéfilos) que me deram muito prazer pato-) . Contraditório? Nem por isso ...quando andava a aprender a conduzir tinha um instrutor ao meu lado a dizer-me o que fazer e para onde ir, hoje que já sei conduzir vou para onde quero mas tenho no meu carro um mapa ou um GPS e antes informei-me de fonte fidedigna que valia a pena lá ir... e assumo as minhas escolhas. (que raio de comparação esta Grr:-) )


Mas afinal qual deverá ser o papel de um crítico de cinema ?
O crítico deve ser, por paradoxal que pareça, um artista. Sim, antes confundir-se as fronteiras entre crítica e arte do que entre crítica e jornalismo. O crítico ideal é aquele que faz da obra de uma outra pessoa a matéria prima da sua própria criação artística. O bom crítico é aquele que cria uma segunda obra, que dialoga com a primeira. Deve pegar numa obra, colocá-la frente a frente com sua bagagem de conhecimentos sobre aquela área do saber (e de preferência, muitas outras áreas), e mais, frente a frente com sua experiência de vida, e a partir daí criar uma segunda forma de arte, que deriva sim da primeira, mas que deve ter vida própria. Uma boa crítica é como uma segunda ficção a partir daquela comentada. Ficção necessariamente comparativa, é verdade. O bom crítico consegue ligar aquela obra a tantas outras da mesma arte e da vida, buscar comparações as mais inesperadas, que é apenas natural e desejável que ele, a partir do seu olhar pessoal, crie significados que não existiam previamente. Em crítica não pode existir "erro", apenas falta de formação. Até porque o processo de criação artística é muito mais misterioso do que se supõe, e permite muitas “nuances”. O crítico não comenta, ele incrementa. Ele não deve "achar", ele vê. Uma boa crítica, quando lida, fomenta o prazer de uma obra, aumenta, dá novos horizontes, eleva. Pode, inclusive, provocar tanto prazer e descoberta no espectador quanto uma obra de arte original, única. O crítico não informa, ele forma. Ele não é jornalista, nem é repórter, pois o seu saber não busca uma existência momentânea efémera, mas sim a permanência. O seu trabalho dialoga com a obra, não recebe apenas dela o que foi filmado pois isso qualquer espectador pode fazer. E acima disso tudo, a sua análise pressupõe criatividade, a possibilidade de produzir pensamento, e não apenas reproduzir. Neste ponto pode estar a principal razão da alegada falência da crítica. Na oposição das noções de produzir e reproduzir. Colocado dentro da indústria cultural, o crítico perde seu habitat natural, pois ele não visa primariamente o consumo, mas a reflexão, a pesquisa, a investigação. Ele quer incentivar o público a demorar-se, a deliciar-se no consumo de uma obra artística, quando este próprio público parece estar, o qual está na sua maioria, interessado em rapidez, velocidade, excesso de informação, e falta de formação.
P.S.: Estou a pensar adquirir um filme de 2014 Les Temps des Aveux

do qual as críticas que li até agora são desfavoráveis mas eu vou vê-lo na mesma teimoso-)
ah a crítica... a crítica já não é o que era como?-)
JoséMiguel
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by JoséMiguel »

No meio de tudo isto, gostaria de fazer um elogio sentido ao Samwise, que tem a capacidade de defender com uma lógica e inteligência impecável, as opiniões críticas menos populares. yes-)

A nível dos meus gostos meramente pessoais, discordo com uma enormidade de coisas que os críticos old school portugas escreviam, que já vem da época de quando eu ainda era criança, e coloco o crítico Mourinha nesse saco, pois não gosto nada do que ele escreve e provavelmente nunca irei gostar.

Mas eu reconheço que não tive razão nos comentários que escrevi, e embora nao agrade à maioria do pessoal, existe público que justifica o ordenado dos Mourinhas e afins.

Isto é um bocado como aqueles filmes manhosos que apresento aqui no fórum. Eu acho os filmes bestiais, pelos motivos A ou B, mas muitas das vezes sei que a única pessoa que irá ler o meu texto será um gajo estrangeiro que traduzirá com o Google Chrome, do meu português para a língua dele, como o caso deste filme vietnamita, em que apareceu logo um cinéfilo estrangeiro a identificar o filme no meu canal do You Tube, ao passo que devo ser o único portuga que viu o filme:



Os comentários mais recentes aqui da malta estão a deixar o Samwise isolado a nível de gostos pessoais, mas ele tem razão no que diz e na forma como expõe os argumentos. Concretamente ele gosta dos floreados linguísticos dos críticos com formação em letras (antiga área D), que eu ataquei injustamente, e pelo que estou a ver a maioria do pessoal se calhar também não gosta. Eu normalmente só me passo com a malta da área de letras quando eles tentam impingir os conhecimentos da especialização deles como sendo cultura geral, estilo quem foi o "Che Guevara" e merdas afins de que eu nunca ouvi falar quando estava na área de ciências e aprendia as leis da Física.

A malta da área de letras às vezes esquece-se que fugiu para letras por incapacidade ou desinteresse na matemática, biologia, química, etc. e por isso tenta impôr os conhecimentos especiais de História e Letras como sendo cultura geral, que não são cultura geral nenhuma e são apenas a especialização deles, enquanto os outros alunos estudavam genética, física, química, etc.

O meu ódio de estimação pelos críticos de cinema profissionais portugueses (da velha guarda) já vem dos meus tempos de estudante e está infelizmente demasiado recalcado, mas adoro os textos do Rui Sousa, que é das áreas de Letras, porque o Rui não é um desses velhos marretas prepotentes e arrogantes. Da mesma forma gosto muito de ler os comentários lógicos do Samwise, que me fazem sentir envergonhado... Ao contrário dos professores anormais de Filosofia e Português que tive no Secundário, os meus professores universitários de ciências já diziam que "quando o aluno tem razão, temos de dar razão a ele", quando eu questionava as sebentas e afins. :mrgreen:

Para concluir, eu nada tenho contra o pessoal de letras, por exemplo o meu falecido pai estudou Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa, e ele era um grande cinéfilo, infelizmente já muito velhinho para vir aqui ao DVD Mania comentar, mas ele gostava de ler os comentarios em inglês no You Tube, aos clips de filmes antigos da onda dele (Cinema Negro, Westerns, etc,)

Só não podem é tentar impingir a especialização deles como "cultura geral", em detrimento do conhecimento dos médicos, engenheiros e cientistas, porque aí eu ofendo-me valentemente e ponho as garras de fora como os gatos assanhados fazem. Grr:-)

Felizmente o Samwise defende bem o seu nicho de gostos pessoais, de forma lógica e correcta, sem cometer as gaffes dos meus professores manhosos de Filosofia e Português do ensino secundário. Por isso o Samwise merece todo o meu respeito por ter sido capaz de demonstrar de forma lógica, que eu estava errado. yes-)

Peço desculpa por este desabafo pessoal... oops:)
rui sousa
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by rui sousa »

paupau wrote:Concordo com o que dizes Rui, exceto nos exemplos. A utilizacao do 3D no Adeus a Linguagem e um passo a frente de todas as outras obras, e nao sao apenas os criticos que afirmaram isso. O tema e o conteudo podem ter passado ao lado da malta, mas o JLG e o diretor de fotografia inventaram umas tecnicas novas que ainda esta para se ver o alcance delas. Eu pessoalmente so aprecio Godard ate ao Weekend.
A ideia que Ozu fez sempre o mesmo filme filmado da mesma forma tambem e uma ideia errada , se bem que facil de perceber de onde surgiu. Percebe-se essencialmente no periodo do pos-guerra, porque antes era comedias de estudantes, comedias familiares, gangsters, etc, etc. Mesmo os ultimos filmes olhando com atencao, nao encaixam nessa ideia.
Utilizei os exemplos mais banais de que me lembrei, e não disse que concordava com eles... vi três dos últimos filmes do Ozu no Verão, quando passaram no Nimas. Adorei todos, mas... se trocares os minutos iniciais de cada um deles, os filmes não mudam! As intros são muito semelhantes, os planos utilizados (as chaminés, a roupa a secar, etc)... é repetitivo? É. Mas não é por isso que é mau. No entanto, se algum realizador não abençoado pela crítica fizer isso... é um sacrilégio! :mrgreen:
paupau
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by paupau »

Eu proprio confundo varios dos dos filmes finais, tal a depuracao da formula! Mas um bom exemplo e comparar o I was born, but... Com o Bom Dia, que e quase um remake. As semelhancas ficam quase pelo Chishu Ryu. O ritmo, a montagem, os movimentos de camara sao muito distintos. O mais antigo nao corresponde ao estilo que associamos ao Ozu.
O motivo da "revolta" dos miudos tambem muda: mo original deve-se a mudanca da imagem que tem do pai quando o veem subserviente face ao patrao, todo venias junto ao carro. No bom dia tem a ver com a compra de uma televisao. O materialismo do pos guerra em forca.
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Samwise
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by Samwise »

José Miguel, para além de um agradecimento sentido, nem sem bem o que hei-de dizer depois dessa tua mensagem :oops: :oops: :oops: .

Caso único! Em não sei quantos anos de "debate na Internet", creio que nunca obtive uma resposta como a tua, ao mesmo tempo demonstrativa de que entendeu a mensagem que tentei transmitir, humilde na forma como a aceita, e por fim fundamentando as razões que levam as nossas perspectivas a serem tão diferentes. Reconhecendo o meu lado, fizeste-me entender o teu lado também. Li com atenção e percebi - percebi sobretudo a questão do "ódio de estimação" e a forma como este pode surgir. salut-) yes-) salut-) yes-) (não há aqui um smile a fazer uma vénia :mrgreen: ). Como um "verdadeiro matemático" (não quero nem debater este conceito :lol: ), mudaste a forma como olhavas para a "equação" sem mudares a tua "maneira de ser".


A propósito dos "críticos de cinema", e em jeito de resumo, identifico 3 razões fundamentais que levam muitas pessoas a odiarem tal profissão:

1 - O principal é ... "o gosto". As pessoas em geral (e penso que ainda não conheci um exemplo que difira) gostam de obter confirmações externas para os gostos que têm. Há um conforto emocional imediato quando ouvimos alguém que nos é próximo confirmar que também tem esse gosto. Pelo contrário, quando há uma clivagem de opiniões, a nossa reação mais instintiva é desvalorizar a opinião contrária, não lhe ligar importância, e muitas vezes nem sequer ouvir as justificações para essas diferenças de gosto - valem a pena para quê? Para nos chatearmos? No contexto da crítica, um "mau crítico" começa por ser aquele que "não vê as evidências" e "ataca" algo que para nós é "sagrado", "inquestionável". Quando saímos de um filme e nos sentimos "em estado de graça" quanto ao deslumbramento que nos proporcionou, qual é a reacção imediata ao vermos uma bola preta na avaliação de um crítico? Todos sabemos qual é! "Criticos de merda!" "E ainda por cima combinaram todos uns com os outros!" O post do elfaria sobre o Avatar é o exemplo cabal: como é possível que um crítico deite abaixo "uma das mais importantes obras cinematográficas do ano?" questionava-se o autor. Não lhe interessaram as razões, interessou apenas que o crítico não tivesse apreciado o Avatar (nem a "mais-valia" do 3D). A ideia do crítico que escreve exclusivamente para nos agradar, para nos "fazer festinhas" no ego, dizendo-nos aquilo que já sabemos e confirmando aquilo de que gostamos, parece de certa forma prevalecer sobre aquilo a que próprio termo - "crítico" - alude.

2 - Nível cultural e estilo do texto. De outra forma, a ignorância do leitor face à intelectualidade do texto. As pessoas sentem-se insultadas com textos que não conseguem ler, que não entendem. Ao "descobrirem" a sua própria ignorância - ao sentirem-se burros - , recusam-se a reconhecer que aquele texto não foi escrito para elas e decidem atacar quem o escreveu. Não quero associar a esta questão qualquer ideia de culpa, nem para um lado, nem para o outro (o leitor não tem culpa de não perceber, e o escritor não tem culpa de estar naquele patamar cultural/intelectual), quero apenas expôr uma evidência. Num exemplo extremo, é como pôr além com o 9º ano de escolaridade, habituado a ler a Maria todas as semanas, a tentar decifrar um texto do Vasco Graça Moura. De quem é a culpa? Há uma culpa? Há apenas uma desadequação entre autor é público alvo. Da mesma forma, quando os leitores descobrem que não entenderam este ou aquele significado oculto na meta-narrativa de um filme, sentem-se burros, sentem-se insultados por alguém que se arroga a ter conhecimentos de cinema suficientes para fornecer "uma explicação". Um pedante, por outras palavras. Esquecem-se que um crítico não pretende ter "mais razão do que eles", nem invadir a sua área de "autoridade" sobre o assunto, está apenas a exprimir a sua opinião própria. A nível pessoal, não sei quantas vezes descobri através de textos críticos a minha própria burrice, mas em vez de ficar irritado, fico antes bastante contente por poder contar com tais reflexões, tais interpretações, que me abrem a mim janelas para outros mundos, perspectivas novas, ideias complementares, dentro do meu pensamento. Sempre olhei para a crítica interpretativa com interesse, não com desdém ou ressabiamento. Neste contexto, poder contar com uma opinião diferente da nossa - mesmo quando é contrária, mesmo quando é intelectualmente superior, às vezes de forma esmagadora - é um previlégio, não um ataque pessoal.

3 - O estatuto de "ser crítico". O estatuto conferido por terceiros a essas pessoas que são "Críticos", em conjunto com o facto de estarem numa posição de alcance social massificado, confere imediatamente ao crítico um poder de opinião muito maior. É inegável. Quem não concorda com a opinião de um crítico, ou, no imediato, com o seu gosto (ao olhar apenas para as etrelas) não tem meios para transmitir a sua opinião da mesma forma que o crítico - porque não se encontra reconhecida/mandatada por ninguém, e porque não tem um suporte que seja lido por tanta gente que o respeita - como por exemplo um jornal. Há logo uma situação de impotência e injustiça associadas a esta ideia (mais a mais: "ele recebem dinheiro para estarem ali"). Resulta na negação do estatuto do crítico: "essa pessoa não é crítico nenhum, é alguém que manda uma patacoadas, geralmente em sentido contrário ao do espectador, só para mostrar que é esperto!" Pior de tudo, "apenas posso responder na caixinha de texto dos comentários, mas podem ter a certeza de que vou escrever todos os insultos de que me lembre!" Ninguém gosta de se sentir diminuido, em desvantagem para tecer opiniões. Os críticos acabam por vezes por ser os escapes para a frustração da voz que ninguém ouve.

Resultados: indignação, irracionalismo, intolerência, e a generalização de toda uma série de princípios que estão errados logo no fundamento.

Peço desculpa se vos aborreci - penso que às vezes começo-me a repetir em demasia - mas quis fazer um resumo dos principais motivos que me levam a mim a zangar com quem se zanga com "a crítica". O José Miguel teve uma participação espectacular a este nível, e estar-lhe-ei eternamente grato por me ter dado a oportunidade de responder desta forma.
Last edited by Samwise on January 25th, 2015, 3:38 pm, edited 5 times in total.
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by Samwise »

Ludovico wrote: Uma coisa é ver muitos filmes sem paixão a outra é o seu contrário, isto é com paixão.
Há "filmes" e há "Cinema" consoante o tipo de pessoa que vê.
Uma coisa é ver o cinema sem exigência a outra é o seu contrário.
Só se pode comparar o que é comparável.
Para mim, há cinema de qualidade, de autor e filmes que não são, é simples.
A este respeito, totalmente concordante. Uma coisa é gostar de ver filmes, outra é gostar de cinema. Gostar filmes apenas pressupõe o interesse superficial da satisfação imediata do "enquanto". Gostar de cinema é viver com o cinema de forma constante - nas alturas em que não se está a olhar para o ecrã. A linha, para mim, é o culto e o reconhecimento do "realizador/autor" (Rui Sousa, estamos a falar do mesmo assunto que abordaste). Quem se interessa por cinema começa a querer saber para além da visualização de um filme - a seguir este ou aquele nome, a identificar estilos, e a comparar incessantemente as experiências de visualização entre elas, a vibrar com as formas conceptuais que ordenam a estrutura da Arte em si. Mesmo sem chegar à questão da "obsessão", creio que a "paixão" de que falas é isto - e isto é cinefilia (com maior ou menor grau de intensidade). Quem gosta de cinema não consegue antingir uma certa vertente de felicidade se não estiver na companhia continuada dos filmes por que se interessa.

Mas (há sempre um mas... :-))) ) isso não invalida que um cinéfilo não possa ter a sua escolha/opinião pessoal e incompreensível para os outros. Acho difícil que um cinéfilo escolha uma Academia de Polícia para figurar num top ten em detrimento de um Godfather, de facto, mas não acho nada complicado que ele tenha olhado e avaliado ambos com o mesmo sentido crítico - aliás, se calhar uma coisa é consequência da outra.
Agora aqui, neste tópico, pensam em demasia, vão por caminhos sinuosos.
As coisas são bem mais simples do que as pintam.
As coisas têm a complexidade que lhes quisermos dar. Concordo que por vezes não vale a pena "pensar em demasia", porque perdemos o sentido ao interesse principal, mas por outro lado é interessante dissecar as razões que levam as opiniões a serem como são. Há muito para aprender com o estudo dos comportamentos sociais - e a Internet é um campo de trabalho fascinante. :-)
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by Samwise »

JoséMiguel wrote: Isto é um bocado como aqueles filmes manhosos que apresento aqui no fórum. Eu acho os filmes bestiais, pelos motivos A ou B, mas muitas das vezes sei que a única pessoa que irá ler o meu texto será um gajo estrangeiro que traduzirá com o Google Chrome, do meu português para a língua dele, como o caso deste filme vietnamita, em que apareceu logo um cinéfilo estrangeiro a identificar o filme no meu canal do You Tube, ao passo que devo ser o único portuga que viu o filme:


José Miguel, por acaso já viste o Apocalypse Now? (peço desculpa, mas não me lembro se já falaste dele). Isto tem a ver com uma sequência famosa - talvez a mais famosa do filme todo - em que um esquadrão de helicópteros ataca uma aldeia vietrnamita ao som de Wagner. Queria saber a tua intepretação sobre o seu significado, e sobre a ténue linha que separa a glorificação da ideia belicista sobre a guerra e o seu exacto oposto - a crítica ao uso da força.

Este trecho que colocaste é interessantíssimo, por várias razões...
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by Ludovico »

Samwise wrote:
Ludovico wrote: Uma coisa é ver muitos filmes sem paixão a outra é o seu contrário, isto é com paixão.
Há "filmes" e há "Cinema" consoante o tipo de pessoa que vê.
Uma coisa é ver o cinema sem exigência a outra é o seu contrário.
Só se pode comparar o que é comparável.
Para mim, há cinema de qualidade, de autor e filmes que não são, é simples.
A este respeito, totalmente concordante. Uma coisa é gostar de ver filmes, outra é gostar de cinema. Gostar filmes apenas pressupõe o interesse superficial da satisfação imediata do "enquanto". Gostar de cinema é viver com o cinema de forma constante - nas alturas em que não se está a olhar para o ecrã. A linha, para mim, é o culto e o reconhecimento do "realizador/autor" (Rui Sousa, estamos a falar do mesmo assunto que abordaste). Quem se interessa por cinema começa a querer saber para além da visualização de um filme - a seguir este ou aquele nome, a identificar estilos, e a comparar incessantemente as experiências de visualização entre elas, a vibrar com as formas conceptuais que ordenam a estrutura da Arte em si. Mesmo sem chegar à questão da "obsessão", creio que a "paixão" de que falas é isto - e isto é cinefilia (com maior ou menor grau de intensidade). Quem gosta de cinema não consegue antingir uma certa vertente de felicidade se não estiver na companhia continuada dos filmes por que se interessa.

Mas (há sempre um mas... :-))) ) isso não invalida que um cinéfilo não possa ter a sua escolha/opinião pessoal e incompreensível para os outros. Acho difícil que um cinéfilo escolha uma Academia de Polícia para figurar num top ten em detrimento de um Godfather, de facto, mas não acho nada complicado que ele tenha olhado e avaliado ambos com o mesmo sentido crítico - aliás, se calhar uma coisa é consequência da outra.
Agora aqui, neste tópico, pensam em demasia, vão por caminhos sinuosos.
As coisas são bem mais simples do que as pintam.
As coisas têm a complexidade que lhes quisermos dar. Concordo que por vezes não vale a pena "pensar em demasia", porque perdemos o sentido ao interesse principal, mas por outro lado é interessante dissecar as razões que levam as opiniões a serem como são. Há muito para aprender com o estudo dos comportamentos sociais - e a Internet é um campo de trabalho fascinante. :-)
Concordo naturalmente yes-) .
Agora vão duas "heresias":
Há 2 chamados "clássicos" filmes de autor que não sendo maus andam lá perto :mrgreen: .
"Casablanca" é, para mim, um filme unicamente razoável. Na América, o filme é elogiadíssimo, na minha opinião é de um academismo primário, sensaborão.
O outro é "Pulp Fiction". Este aqui, nem sei como o definir, um falhanço de Tarantino de todo o tamanho. É um filme com um conteúdo, a meu ver, fraco.
Claro que tenho outros exemplos mas estes são os mais flagrantes. Já sei que são heresias. Mas não ficaria bem se não os mencionasse.
Em contrapartida, gostei muito do "Casei com uma Feiticeira", "Wild Wild West", "Terapia de Amor", "Rapida e Mortal" e muitos outros que são arrasados em muitos lados da internet.
Eu sei que são "escolhas incompreensíveis" mas são as minhas :-)))
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by Samwise »

Ludovico wrote: Concordo naturalmente yes-) .
Agora vão duas "heresias":
Há 2 chamados "clássicos" filmes de autor que não sendo maus andam lá perto :mrgreen: .
"Casablanca" é, para mim, um filme unicamente razoável. Na América, o filme é elogiadíssimo, na minha opinião é de um academismo primário, sensaborão.
O outro é "Pulp Fiction". Este aqui, nem sei como o definir, um falhanço de Tarantino de todo o tamanho. É um filme com um conteúdo, a meu ver, fraco.
Claro que tenho outros exemplos mas estes são os mais flagrantes. Já sei que são heresias. Mas não ficaria bem se não os mencionasse.
Em contrapartida, gostei muito do "Casei com uma Feiticeira", "Wild Wild West", "Terapia de Amor", "Rapida e Mortal" e muitos outros que são arrasados em muitos lados da internet.
Eu sei que são "escolhas incompreensíveis" mas são as minhas :-)))
:mrgreen: yes-)

E com isto já arranjei outro texto que pretendo transcrever para aqui a propósito do Casablanca... :wink: (e que explica os contextos casuais e coincidentes que à sua estreia ajudaram a torná-lo mítico). Em todo o caso, e minha opinão sobre o dito é... dividida. Há coisas de que gosto muito no filme (sobretudo a ideia subjacente à do própio cinema - é um filme que transborda essa essência), e outras em que fico como tu: académico, ilustrativo, de papelão...
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by No Angel »

Eu gosto do Casablanca, mas eu adoro romances, por isso e normal :lol:

Um dos filmes romanticos que me falta ver e o The English Patient, ja ando pra ver a algum tempo.
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by Cabeças »

No Angel wrote:Eu gosto do Casablanca, mas eu adoro romances, por isso e normal :lol:

Um dos filmes romanticos que me falta ver e o The English Patient, ja ando pra ver a algum tempo.
Infelizmente, é na minha opinião mais um drama do que um romance... ok, é um romance, mas a meu ver não faz ninguém sentir-se bem...
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No Angel
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Re: Alarvidades dos críticos de cinema

Post by No Angel »

Cabeças wrote:
No Angel wrote:Eu gosto do Casablanca, mas eu adoro romances, por isso e normal :lol:

Um dos filmes romanticos que me falta ver e o The English Patient, ja ando pra ver a algum tempo.
Infelizmente, é na minha opinião mais um drama do que um romance... ok, é um romance, mas a meu ver não faz ninguém sentir-se bem...
Grande parte dos grandes romances sao tambem dramas, isso ja e normal :lol:

Que me lembre: Gone With The Wind (mais ou menos, na verdade eles nunca estao apaixonados ao mesmo tempo), Casablanca, Titanic, Boys Dont Cry, Shakespeare in Love, Brokeback Mountain, Bridges of Madison County, The Notebook...

Claro que ha outros generos no Romance, nomeadamente as comedias romanticas, mas quando penso nos grandes romances, penso nos romances dramaticos...
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