http://www.imdb.com/title/tt0038762/?ref_=nv_sr_1
Primeiro filme de Ford após o regresso da WWII, e nota-se, tematicamente é muito mais negro que o anterior Stagecoach e já surge algum desencanto que iria aumentar à medida que os anos passaram em obras posteriores. Embora tudo desemboque no tiroteio do OK Corral e seja talvez a adaptação mais famosa deste acontecimento, não é o cerne do filme nem o que mais interessa a Ford.
Este filme é uma junção de dois pólos: o Arquétipo e o Atípico. Há elementos chave que cunham a ferro o que deve ser um Western: o Monument Valley, o herói estóico de extrema retidão moral, a ação e por aí fora. O setting é de cortar a respiração e será este o filme que cria a associação de Ford a este local, mas apresenta ao mesmo tempo uma fotografia atípica saída de um noir, cheia de sombras simbólicas a ocultarem a cara das personagens. O céu e as ruas noturnas apresentam sempre uma espécie de névoa que dão um aspeto fantasmagórico à cidade.
Tematicamente, também é algo diferente do que se fazia na época. Não há índios, tirando o clímax e uma viagem de diligência não há a ação que associamos aos género. A partir de uma tragédia familiar, Ford explora como um punhado de homens doma o oeste selvagem, impondo a ordem que permite a chegada da civilização a um local tão isolado. Ao longo do filme, a cidade vai claramente crescendo e constantemente vemos autênticas procissões de pessoas a passar pelas ruas.
Algo que me pareceu raro foi assistir a personagens perfeitamente formadas e complexas sem conhecermos grandes pormenores e sem ser dedicado muito tempo a desenvolvê-las. Pouco conhecemos dos Clantons, dos Earp, da Clementine e Doc Holliday no fim. Há pouca backstory e exposição. É tudo transmitido com as motivações, ações e expressões faciais. Na abertura, quando os clantons conhecem o wyatt, ficamos a saber que pretendem roubar o gado apenas com um ligeiríssimo esgar do Walter Brennan
Ford também tentou fazer algo de diferente com o ritmo do filme: as suas cenas chave do filme são o solíloquo To be or no to be do Hamlet e um baile nas fundações da futura igreja, duas cenas que param completamente o filme durante vários minutos e são o tipo de momentos que fizeram com que o Zanuck andasse a mexer na montagem, bastardizando o filme.
Contudo, são o coração do filme, tal como a tarte no início do Shane, estes pequenos indícios de normalidade de vida familiar e de comunidade entre os tiroteios e os duelos.
Gostei particularmente como o ator ambulante passa a declamação ao Doc e ele começa: "(...) that undiscovered country...". Deixamos Shakespeare e estamos na América de Ford e desse mito que é construído perante os nossos olhos não queremos mais sair.
Depois de ver o theatrical cut, via a pre release, que dá um cheirinho de quais seriam as verdadeiras intenções de Ford. Quando fizeram a preview, já Zanuck teria cortado uns 30 min. Mesmo assim nesta forma aldrabada, continua a ser um filme fabuloso. Vale ver a pre release , que me pareceu superior, nem que seja no uso de ruído ambiente em cenas que na theatrical estão carregadas de música a martelar o sentido.
Lembrei-me logo do Shane ao ver este filme e lá o revi, outro filmão. E é impossível que o clímax não tenha influenciado o Leone.
. Da "Trilogia de Cavalaria", não tinha sido o que me impactou mais, mas nesta rodada encheu-me as medidas (para além de um grande Western, é uma "masterclass" de cinema e fotografia). Vamos ver a que sabem os outros dois... 