José wrote: ↑January 18th, 2020, 2:34 pm
technicolor wrote: ↑January 18th, 2020, 12:01 pm
Belissímo (e longo - 02:54:24 h) mas apenas, digo eu, para os indefectíveis de mestre Malick. 9/10
A análise demolidora de Eurico de Barros (crítico que muito prezo) em total desacordo com a minha avaliação:
Se “Uma Vida Escondida”, de Terrence Malick, fosse um livro em vez de um filme, era um calhamaço de 900 páginas, prolixo e filosofante; e se fosse um quadro, era um telão, pintado em estilo enfático e empolado. É que subtileza, recato, contenção, são palavras que não constam no vocabulário artístico do autor de “A Linha Invisível” e “A Árvore da Vida”, e “Uma Vida Escondida” vem confirmá-lo, embora a fita seja, das recentes de Malick, a menos vaga e indecifrável. O que não é dizer muito, já que o realizador continua na senda do cabotinismo, seja no gesto, seja no discurso, e a afetar a mesma pose de cineasta “espiritual”. Só que há mais espiritualidade num só plano de um filme de Dreyer, Bresson ou Olmi, do que nas três horas de “Uma Vida Escondida”.
Opinião diversa (inversa?) a de By A.O. Scott no
NYT
https://www.nytimes.com/2019/12/12/movi ... eview.html
Tal como eu escrevi, é só mesmo para alguns.
O crítico de cinema João Lopes teceu rasgados elogios a este filme. No site do RTP Cinemax é possível ler o que ele escreveu. Atribuiu-lhe 5 estrelas...
Obrigado José pela informação sobre a crítica do João Lopes, vou incluí-la aqui para que os eventuais interessados tenham acesso a diferentes perspectivas críticas sobre a mesma obra.
O génio de alguns grandes autores da história do cinema revela-se através da capacidade de aplicar modelos narrativos comuns, transfigurando-os e, num certo sentido, virando-os do avesso — o exemplo dos "thrillers" e melodramas de Alfred Hitchcock poderá ser uma boa referência. Outros parecem pertencer a um "género" sem mais autores: pelo menos desde "A Árvore da Vida" (2011), o americano Terrence Malick é um desses criadores solitários.
Escusado será dizer que "Uma Vida Escondida" ["A Hidden Life"], o filme que Malick apresentou na competição de Cannes/2019, prolonga essa dimensão singular — e tanto mais quanto a vibração intimista do mais pequeno gesto, do mais breve olhar, adquire no seu trabalho o peso de um acontecimento específico, ora carregado de mistério, ora abrindo para uma luz redentora.
Ainda assim, com uma diferença que está longe de ser secundária. Neste caso, Malick evoca uma personagem verídica: o austríaco Franz Jägerstätter (1907-1943), que entrou na história como um pacifista que, em plena Segunda Guerra Mundial, recusou integrar o exército nazi. Em boa verdade, isso não faz de "Uma Vida Escondida" um filme "mais" realista na trajectória do seu realizador. Implica, isso sim, um reforço da sua essencial dinâmica dramática. A saber: a celebração obsessiva das experiências individuais no interior das convulsões colectivas.
O filme esteve para se intitular "Radegund", nome da povoação das montanhas austríacas onde vive o protagonista, com a mulher, Franziska, e três filhas pequenas. O local é deslumbrante, por razões paisagísticas, sem dúvida, mas também porque Malick nos faz sentir um profundo e perturbante contraste — entre a sua energia vital e a codificação da violência (emocional e física) que prevalece no funcionamento da máquina militar de Adolf Hitler.
Será, talvez, importante sublinhar o facto de, uma vez mais, tudo isso acontecer no universo "malickeano" através de uma sábia gestão do trabalho dos actores, aqui com inevitável destaque para os intérpretes de Franz e Franziska, respectivamente August Diehl (vimo-lo, port exemplo, em "Sacanas sem Lei", de Quentin Tarantino) e Valerie Pachner ("Stefan Zweig: Adeus, Europa"). Malick é, em última instância, um cineasta do corpo, das suas configurações, desde os cenários mais secretos até aos espaços do domínio público — "Uma Vida Escondida" aí está, como uma das mais perfeitas expressões da sua visão.
João Lopes / Cinemax / RTP
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O cinema de Malick, com forte cunho de autor, ressurgiu após uma longa interrupção de 20 anos (de 1978 a 1998) , "renovado" e foi evoluindo para esta nova fase que divide opiniões, e de que uns gostam muito e outros nem por isso. É um cinema (poesia+vida) com uma forte componente contemplativa, pontilhado de pequenos apontamentos que conferem profundidade à "narrativa". A grande viragem terá acontecido com essa obra (prima) espantosa por vezes tão incompreendida que é
The Tree of Life. Malick é um artista com uma personalidade peculiar, arredio da ribalta, curiosamente um comportamento algo semelhante ao do saudoso Kubrick, (embora sejam cineastas com estilos/obras bem diferentes), e isso causa alguma rejeição. Mas este americano genial de origem libanesa (?) é (para mim) um dos cineastas que mais inovou a forma de fazer cinema nos últimos 15 anos (principalmente desde The New World) sem se apoiar demasiadamente na tecnologia. O seu trabalho tem algo de visceral/profundo que é frequentemente confundido com elitismo, logo pouco comercial, e que espantosamente vai conseguindo financiamento (e ainda bem digo eu). E este seu mais recente filme não foge à regra...
No filme em questão é interessante a forma como o nazismo chega da distante e cosmopolita Berlim (ou Viena?) a uma aldeia remota dos Alpes austríacos, um fenómeno de mobilização/alienação de duas nações com um desenvolvimento cultural acima da média europeia que eu nunca tinha tido oportunidade de conhecer a este nível tão básico da(s) sociedade (s). Nem esse isolamento o(s) protegeu ...e a igreja sempre presente, temerosa pela sua segurança e privilégios, conivente com a terrivel barbárie que estava a surgir. Na realidade acho que terão sido muito poucos os alemães e austríacos que não se deixaram levar por esse estranho fenómeno de
quasi catarse colectiva e não apoiaram Hitler, e a maior parte desses opositores terá abandonado o(s) país(es) para salvar a vida.
O dia a dia da família e da comunidade da aldeia ( a nível da riqueza de detalhes com que é mostrado) fez-me lembrar de algum modo o brilhante Die Andere Heimate de Edgar Reitz (2013) que aliás faz parte de um notável conjunto de filmes e séries com 53 horas e 25 minutos de duração na totalidade