Dersu Uzala (1975) - Akira Kurosawa

[JoséMiguel]

Dersu Uzala
Aventura/Biografia/Drama (141 min)

Data de Estreia: Julho de 1975
Realização: Akira Kurosawa.
Argumento: Vladimir Arsenyev (livro), Akira Kurosawa e Yuri Nagibin.
Actores Principais: Maxim Munzuk e Yury Solomin.

Resumo:
Adaptação cinematográfica das memórias do capitão Vladimir Arsenyev, explorador e cartógrafo do extremo oriente, publicadas em 1923. A história, totalmente baseada num caso verídico, conta as aventuras e amizade partilhadas com o guia Dersu Uzala, um caçador da montanha, de etnia nanai, que é inicialmente visto como um selvagem primitivo, ignorante do "mundo civilizado", mas que mais tarde é admirado pela sua extrema bondade, inteligência e sabedoria. Dersu Uzala salva a vida ao capitão Arsenyey diversas vezes, que mais tarde o leva para viver em sua casa, na cidade, quando a visão de Dersu se deteora. Derso não entende a vida urbana, fica confuso com a noção de comprar água e lenha, e chega mesmo a ser preso por cortar uma árvore do jardim municipal.

IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0071411/

Dersu Uzala, realizado por Akira Kurosawa em 1975, é a segunda adaptação cinematográfica das memórias do capitão Vladimir Arsenyev. Trata-se de uma co-produção entre o Japão e a União Soviética, vencedora de 8 prémios internacionais, incluindo o óscar de melhor filme estrangeiro.

A abordagem cinematográfica é feita de forma credível e realista, com excelentes interpretações dos actores, em particular a de Maxim Munzuk, que interpreta a personagem carismática do caçador Dersu Uzala, de forma genial.


Fotografia do Capitão Vladimir Arsenyev, em 1917.

A história inicia-se em 1902, quando o capitão Vladimir, comanda um destacamento militar, com o objectivo de mapear uma região inóspita do extremo oriente. Uma noite os soldados acordam assustados com um barulho que julgam ser feito por um urso, mas que afinal era o caçador Dersu, que com toda a naturalidade se aquece na fogueira deles, acende o seu cachimbo, e numa mistura de russo e de um dialecto, numa espécie de "fala à indio", conta que ficou curioso em ver o rasto de outros homens numa zona tão profunda da montanha e quis investigar.

Dersu concorda em servir de guia, talvez por pena ou por instinto paternal, pois vê os soldados como crianças que irão morrer sem a ajuda dele. De início os soldados encaram Dersu como um eremita maluco e selvagem, mas aos poucos vão ganhando uma enorme admiração, respeito e amizade por ele, e apercebem-se do seu bom coração, inteligência e sabedoria.

A primeira parte do filme é uma história de aventura e sobrevivência, recheada pela sabedoria do velho caçador. Mais tarde Dersu começa a perder a visão, e já não consegue caçar para comer, desesperado aceita o convite do capitão Vladimir para ir viver em casa dele, na cidade, onde o filho do capitão vê o velho caçador como um herói, que lhe conta histórias de caça e sobrevivência, e que chama a criança de "capitãozinho".

Numa mentalidade que faz lembrar o filme "Crocodilo Dundee", Dersu fica muito deprimido e triste com a civilização, não entende que se tenha de pagar a água e lenha, pois diz que o rio está cheio de água boa e o jardim municipal está cheio de boas árvores para cortar.

Recomendo fortemente este filme.


Fotografia de 1908, com Dersu à direita.

Imagens do filme:

Links.

Este filme é disponibilizado gratuitamente, via streaming pelos estúdios Mosfilm, com legendas em inglês:

Site da Mosfilm
Canal da Mosfilm no you tube 1ª parte
Canal da Mosfilm no you tube 2ª parte

[siroco]

Um dos meus filmes favoritos!

Vi no cinema há muuuitos anos e mais recentemente comprei-o online de uma editora russa, juntamente com o excelente Idi i Smotri.

Boa critica fez-me ficar com vontade de o voltar a rever.

[paupau]

O ultimo dos filmes principais do Kurosawa que me faltam ver, nao me interessam muito os primeiros de todos nem os dois ou tres ultimos, ja ha uns anos que estou para o ver, vou aguardar pelo blu ray, que ao que parece sai para o ano. Pelo que li em cima parece ser interessante.

[elfaria]

Um magnifico filme sobre a amizade. Pena é a miserável edição DVD. Aguardo ansiosamente uma boa edição em Blu-ray mas não parece muito provável. Se souberem alguma novidade avisem pois sou fã e está na lista dos meus 10 melhores filmes.

[paupau]

A kino video julgo que ja confirmou para 2013, e sao region free os titulos desta editora normalmente. Nunca comprei o dvd pois as reviews realmente dizem que e do piorio.

[JoséMiguel]

Infelizmente conheço muito mal os filmes do Akira Kurosawa, escrevi esta crítica no âmbito da inicitaiva dos estúdios Mosfilm oferecerem filmes em streaming, gratuitamente. Tenho vindo a conhecer os filmes da era soviética, e este filme é excelente na fotografia/câmera/técnica, muito à frente do cinema de Hollywood e Europa Ocidental (Países da NATO). Só pela técnica soviética de filmagens no terreno realistas, sem estúdio, valia a pena ver o filme, mas depois ainda temos a colaboração do Akira Kurosawa, acrescida a uma história verídica, documentada em livro, em 1ª mão pelo personagem principal.

Resta relembrar que ganhou Óscar de melhor filme estrangeiro, nada mau para um filme de 1975.

Recomendo este filme fortemente, devido a ser pouco conhecido, e tratar-se de uma precisosidade!

Não esquecer que coloquei os links oficiais do streaming...

[nimzabo]

Vi hoje

[paupau]

Que tal a copia? Ja do dcp 4k? Talvez o principal Kurosawa que me falta ver, agora so em blu.

[nimzabo]

Está no Nimas e é o melhor Kurosawa talvez. É muito boa a personagem.
A questão da qualidade de imagem parece-me secundária para o filme que é.

[paupau]

Durante uma decada so houve dvds para la de horriveis
Nao devo ir ao ninas a tempo, por isso venha o disco.

[Samwise]

Eu também gostei muito deste filme. Não lhe chamaria o melhor Kurosawa, mas está sem dúvida no "grupo da frente" (não sei é bem qual é o "grupo de trás"... ) Concordo com o Ninzabo a propósito da qualidade de imagem, pelo menos face à riqueza de conteúdo da narrativa e das personagens, mas por outro lado aquilo tem para lá paisagens arrebatadoras...

[technicolor]

Despois de ter lido ontem aqui o alerta do nimzabo de que estaria em exibição em Lisboa resolvi dar hoje "salto" ao Nimas para tentar ver este Dersu Uzala em boas condições já que a edição DVD que tenho (espanhola) não tem uma imagem lá muito boa. Estava à espera de encontrar 2 ou 3 pessoas na sala mas espantosamente estariam umas 10, só que a coisa não correu nada bem; 9 minutos após o início do filme a projecção parou, a sala ficou completamente às escuras durante uns 5 minutos e uma segunda tentativa de projecção duraria menos do que a primeira(talvez uns 5 minutos) após o que os espectadores foram avisados que devido a uma avaria no equipamento de projecção não seria possível prosseguir pelo que iriam proceder à devolução do dinheiro; e assim foi. Deu apenas par ver que a qualidade da cópia (desconheço se seria analógica ou digital) não era muito melhor que o DVD que tenho (talvez seja equivalente a uma pretensa versão pirata que por aí circulou e que alegadamente tem 720p) Da qualidade da versão estreada estreada em Portugal circa 1976 já não me recordo nem onde nem quando o terei visto (suponho que terá sido em Setúbal, por volta de 1977 (9 anos de idade) talvez no Luísa Todi mas não estou de todo certo). A edição BD está há muito prometida mas até hoje não se concretizou, ao que dizem por não estar disponível em boas condições quer o master que é propriedade da Mosfilm ou em alternativa uma ou mais cópias que permitissem o restauro da obra e uma nova digitalização com maior resolução do que a da versão DVD. Diz-se para aí, contudo, que isso não iria melhorar muito a qualidade de imagem do filme pois o mestre Kurosawa que na altura que se encontrava parado há alguns anos e foi convidado pelos soviéticos a realizar esta versão teria usado película soviética (Sovcolor, baseado no AGFA color alemão) rápida (com grão grosso ou maior?) o que lhe permitiria trabalhar em exterior só com luz natural... e como filmou em zonas remotas da sibéria por impossibilidade técnica teve que o fazer sem recurso a iluminação auxiliar (em 1975 não existiam camaras digitais de HD) daí que alguns fans do filme especulem que o filme é mesmo assim com uma imagem bela mas sem grande definição de detalhe pelo que uma edição Bd não se justifica. Será verdade? Bom mas voltando ao Nimas, o filme estará em exibição até dia 7 de Setembro, eu é que dificilmente voltarei a Lisboa para o ver.

[technicolor]

Como ainda ninguém tinha apagado este post duplicado resolvi (re)aproveitá-lo para inserir um texto de Luís Miguel Oliveira no "Público" sobre este filme tão sui generis ATENÇÂO que o texto pode conter alguns spoilers

A natureza é o sangue de Dersu Uzala

Se a carreira de Akira Kurosawa não terminou na década de 1970 tal se ficou a dever ao apoio inesperado dos grandes arqui-inimigos da Guerra Fria, URSS (primeiro, com Dersu Uzala) e Estados Unidos (depois, com Kagemusha – A Sombra do Guerreiro, pela acção de Spielberg e Lucas, admiradores do veterano cineasta japonês). Mas esteve mesmo por um triz, na sequência do estrondoso falhanço de Dodeskaden, no princípio dessa década, projecto em que Kurosawa investiu muito (material e espiritualmente) e perdeu ainda mais. O rombo nas suas finanças pessoais foi grande, mas o rombo na sua auto-estima ainda foi maior: estão documentadas uma depressão e uma tentativa de suicídio. E quando todas as portas do Japão se fechavam para ele, subitamente alvo da desconfiança de todas as produtoras japonesas, o seu prestígio internacional veio em seu socorro, na forma dum convite da Mosfilm, um dos principais estúdios da URSS.
Assim nasceu Dersu Uzala, o filme “soviético” de Kurosawa – em rigor uma co-produção, porque também houve capitais nipónicos envolvidos, mas uma obra integralmente rodada em estúdios e paisagens da URSS, na zona mais oriental do seu vasto território. Kurosawa só aceitou a proposta quando conseguiu garantias de que não ia filmar uma “encomenda” nem seria enredado nas muitas burocracias em que a política de produção soviética era fértil; e depois escolheu, ou aceitou de entre as sugestões que lhe fizeram, filmar a adaptação de um livro que o marcara em adolescente, Dersu Uzala, o relato autobiográfico de Valdimir Arsenyev das suas explorações da fronteira asiática da Rússia e do encontro com um velho nómada, em princípios do século XX.
Não é só por isto que Dersu Uzala”é, muito provavelmente, o mais singular de entre todos os filmes de Kurosawa. O seu território de eleição era o Japão feudal, frequentemente tomado como palco para exercícios em torno do tema do poder e dos seus teatros – de entre os grandes cineastas japoneses, Kurosawa era o mais shakespeareano. Não raras vezes essa predilecção temática resolvia-se numa tendência para a abstracção, bem patente nos seus mais célebres dos anos 80, Kagemusha ou Ran. Em Dersu Uzala essa tendência para a abstracção, ou para a exposição de uns quantos elementos temáticos essenciais, não está ausente: pode-se dizer, utilizando grandes palavras, que se trata quase de uma parábola sobre o inevitável conflito entre a civilização e a natureza. E isto sim, é relativamente singular em Kurosawa, tornando Dersu Uzala um filme bastante difícil de emparelhar dentro da sua obra. Talvez algumas das suas preocupações “ecológicas” sejam reflectidas num filme muito mais tardio, A Rapsódia de Agosto, já nos anos 90, dominado pelos efeitos das explosões das bombas atómicas sobre o Japão, mas revendo o filme agora, e sobretudo pensando na relação mística, quase mágica, entre o protagonista e a natureza (o episódio com o tigre, já na parte final, por exemplo), ocorre que a “herança” de Dersu Uzala se manifesta mais em certos filmes de Miyazaki, aqueles em que encontramos uma semelhante “animação” (com e sem jogo de palavras) da natureza.
E a natureza é, finalmente, o sangue de Dersu Uzala. Kurosawa filma as estepes e as taigas como se elas nunca tivessem sido filmadas, como se ele fosse também um “explorador”. E de “explorador”, ou de pioneiro, têm muito certas cenas, como aquela do vendaval em que Dersu e o oficial russo constroem um abrigo para o vento, numa respiração que Kurosawa faz sentir como a de um “tempo real”, e onde está tudo: a força da natureza, mas também a força dos homens, e a força do cinema, a fazer confluir tudo com um fôlego que podia ser griffithiano ou stroheimiano.
Evidentemente, não é um filme optimista: pode ser visto como uma longa preparação para o desaparecimento do velho Dersu, e do mundo que ele transporta, forçosamente sacrificado em nome da civilização e das regras que lhe são inerentes. E é por isso que o filme, depois de tanto tempo nas florestas e nas planícies, nunca parece tão estranho como naquele segmento final em que Dersu é trazido para a cidade, numa desambientação sempre perplexa. Os valores são outros e são-lhe incompreensíveis. O final do filme equivale a uma espécie de “morte da natureza”, a uma extinção de uma harmonia selvagem doravante impossível, num espelho do último grande ímpeto “colonizador” da viragem de XIX para XX, dado num tom tão elegíaco como fatalista.

[paupau]

Isso tera sido mesmo problemas da projecao pois tenho lido reviews que o restauro 4k esta espetacular. A Kino que tinha lancado o dvd ja disse que nao tem os direitos, que foram para a Criterion. E questao de esperar.

[technicolor]

Quero acreditar que tenhas razão paupau, pois gosto muito deste filme e uma edição decente é provavelmente a peça mais desejada na minha modesta colecção. E se for da Criterion, melhor ainda, mesmo que seja cara.

Como curiosidade deixo aqui o trailer que promove este reaparecimento do filme e que me parece ter boa qualidade de imagem (foi isso que me atraiu ao Nimas )



...dá para notar uma certa diferença...

Haja esperança e paciência