Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
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Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
In http://maquinadeescrever.org/2015/05/23 ... -era-novo/Quando o Cinema era novo
A estreia de “Se eu Fosse Ladrão… Roubava” é acompanhada dos lançamentos, nas salas e em DVD, dos dois primeiros filmes de Paulo Rocha, em excecionais cópias restauradas. Uma nova oportunidade para (re)descobrir o início de um período marcante do cinema português.
São dois filmes que marcam o início do Cinema Novo e de uma revolução discreta no cinema português – cujos efeitos sentimos mais em 2015 do que naqueles (pouco) longínquos anos 60. São histórias de amor e conflitos sociais num país dividido entre a tradição e o progresso. Contudo, este díptico representa mais do que um simples “documento histórico” de uma época (ao contrário de tantos outros títulos da “Nova Vaga” portuguesa) e de um modo de pensar e de fazer cinema em Portugal, porque Os Verdes Anos e Mudar de Vida passaram o teste do tempo e continuam bem atuais. É caso para dizer que Paulo Rocha não morreu no sentido cultural e artístico do termo: hoje, a sua obra continua presente no imaginário nacional.
Os Verdes Anos (1963) é o filme de estreia de Paulo Rocha, e provavelmente, o seu mais celebrado junto do público e da crítica. Através de um retrato social de Lisboa e dos seus habitantes, que se confrontam com a lenta evolução urbana da capital, o cineasta conta uma imprevisível história de amor, ciúme e inveja, entre duas pessoas anónimas que tentam ganhar a vida, filmada em oposição aos diferentes lugares e recantos da cidade que são visitados. É inevitável falar da belíssima banda sonora de Carlos Paredes e de uma certa melancolia ao vermos esta Lisboa deprimida, negra, problemática e atrasada no tempo e no espaço.
Hoje, em Os Verdes Anos, podemos também constatar às mudanças que se deram, em mais de meio século, nas Avenidas Novas, na Avenida de Roma, entre aquilo que de bom e de mau tem o progresso. Um olhar triste, mas repleto de encanto e de alguma nostalgia, à “portugalidade” e à mentalidade cinzenta (que neste século XXI, em pouco ou nada parece ter sido alterada), com cenas inesquecíveis e que não se esgotam nos momentos da narrativa que desenvolvem a relação entre o casal de protagonistas. Uma bela obra prima do cinema português, cheia de rebeldia e de energia, inspirada e disposta a mostrar novas ideias e linguagens no grande ecrã.
Já Mudar de Vida (1966) tem um pendor neorrealista muito acentuado. Se bem que o retrato de Os Verdes Anos era por si só bastante realista, esta história de dúvida e miséria, situada no Furadouro e tendo como pano de fundo os pescadores e as suas famílias que, a todo o custo, tentam sobreviver, toca numa realidade bem mais difícil e complexa. Com uma dureza psicológica que se sente a cada instante e que não deixa ninguém indiferente, o filme divide-se entre as consequências do regresso de um pescador à sua terra, depois de ter combatido na Guerra Colonial, e a invasão do progresso a um pequeno núcleo social que não consegue (ou não quer) afastar-se do seu meio.
É de facto uma narrativa perturbante, a que se desenrola em Mudar de Vida. Por vezes os diálogos mais banais do filme sobrepõem-se contudo ao poder das imagens de características documentais captadas por Rocha, e que se misturam com a ficção de uma maneira muito subtil. O neorrealismo confunde-se com o “parlapiê” e os olhares e as emoções perdem-se entre algumas futilidades. No entanto, não deixa de ser por isso um grande e marcante filme , que se encontra nas subtilezas dos olhares sobre o trabalho dos pescadores, na dualidade psicológica instalada entre os dois protagonistas e o amor que, no passado, antes da guerra, os unia, e no poder do desenvolvimento industrial numa sociedade que, na opinião dos seus governantes, não deveria deixar de ser retrógrada e analfabeta, com perspetivas de sucesso limitadas à pobreza da sua comunidade.
A Cinemateca Portuguesa desenvolveu um restauro de 2K sobre esta dupla de clássicos, num resultado final em que também foram incluídas as cenas cortadas pela censura no lançamento original dos filmes. Um trabalho aprofundado que foi supervisionado, no início, pelo próprio Paulo Rocha, e que, depois da sua morte, foi terminado por Pedro Costa, admirador confesso do trabalho do realizador. A qualidade de imagem e som atingidos merecem destaque: são poucas as ocasiões em que, no cinema português, nos deparamos com um trabalho de preservação de características semelhantes às grandes “ressurreições” de filmes em alta definição que são feitas no resto do mundo (como é o caso do trabalho da Cineteca di Bologna e da Janus Films). Os espectadores poderão ver, ou rever, nas salas e em DVD, estes dois magníficos filmes nas melhores condições possíveis.
Os Verdes Anos e Mudar de Vida são um lançamento da Midas Filmes, tanto nos cinemas como na edição em DVD.
Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Vi o Verdes Anos que comprei com o Público, filme belíssimo. Um produto do seu tempo e ao mesmo tempo intemporal. Fez-me lembrar claramente o Cinema Italiano da época, principalmente dois relativamente desconhecidos do Ermanno Olmi: Il Posto e Il Fidanzati (Os Noivos), cujos temas aparecem aqui também e com sensibilidades muito parecidas: jovens que vem da província para a cidade para o primeiro emprego e que rapidamente descobrem que basicamente aquela nova realidade será inescapável para o resto das suas vidas e por outro lado os primeiros amores, com sequências quase decalcadas a papel químico como o baile entre o grupo de amigos.
A solidão também é um ponto importante da narrativa. Não raras vezes, vemos o jovem casal a caminhar por ruas absolutamente desertas, na alienação que é possível sentir mesmo no meio de uma multidão (Antonioni?).
E contudo, este filme só podia ser português, desde a banda sonora do Carlos Paredes a vários pormenores que vão aparecendo aqui e ali. É ainda um filme corajoso por algumas coisas que mostra, principalmente nas desigualdades sociais da época entre os mais abastados e os mais desfavorecidos de forma (neo)realista.
Um marco, um dos melhores filmes portugueses de sempre, numa edição com qualidade técnica absolutamente de topo, um restauro magnífico. Única pecha: faltam legendas portuguesas, como já é costume.
A solidão também é um ponto importante da narrativa. Não raras vezes, vemos o jovem casal a caminhar por ruas absolutamente desertas, na alienação que é possível sentir mesmo no meio de uma multidão (Antonioni?).
E contudo, este filme só podia ser português, desde a banda sonora do Carlos Paredes a vários pormenores que vão aparecendo aqui e ali. É ainda um filme corajoso por algumas coisas que mostra, principalmente nas desigualdades sociais da época entre os mais abastados e os mais desfavorecidos de forma (neo)realista.
Um marco, um dos melhores filmes portugueses de sempre, numa edição com qualidade técnica absolutamente de topo, um restauro magnífico. Única pecha: faltam legendas portuguesas, como já é costume.
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Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Vi hoje à venda na FNAC do Chiado Os Verdes Anos e ia caindo para o lado, pois o texto de apresentação é um spoiler brutal que pelo menos a mim, me tirou logo a vontade de ver o filme.
Não sei quem escreveu o texto, mas é algo que acho de uma completa falta de senso. Se não fosse o spoiler, penso que tinha comprado o filme, que está muito barato, sobretudo depois de ler o que aqui foi escrito. Mas assim... não.
Confesso que tinha bastante interesse em ver este filme, não pela história mas pela oportunidade de ver Lisboa no tempo em que o filme foi feito. Mas com o tal spoiler, a minha vontade desapareceu.

Confesso que tinha bastante interesse em ver este filme, não pela história mas pela oportunidade de ver Lisboa no tempo em que o filme foi feito. Mas com o tal spoiler, a minha vontade desapareceu.
Cabeças


Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Não foste o único. Muitas foram as queixas que recebi na livraria/papelaria onde trabalho, e foi algo que também a mim me fez confusão... mas vale a pena ver na mesma. 

Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Para além da música intemporal e inesquecível de Carlos Paredes (e do tema que tem o título do filme), pouco ou nada sei acerca d'Os Verdes Anos, e agora com este tópico fiquei com súbita vontade de o ver (Rui Sousa, és pior do que uma campanha de marketing bem afinada...
).
Portanto, o que devo fazer é comprar o DVD e não ler nada do que vem escrito na capa/contracapa antes de o ver, certo?




Portanto, o que devo fazer é comprar o DVD e não ler nada do que vem escrito na capa/contracapa antes de o ver, certo?
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.
«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death
Câmara Subjectiva
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Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Yep, mais um aqui que caiu nesse engodo. E vejam os dois do Olmi! Dois ovnis que batem forte.
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Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
No dia 2 de Agosto sai o Mudar de Vida com o Público. Boa notícia, só via o pack a venda. Desta já não leio a contracapa.
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Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Também vou comprar (já comprei anteriormente o Verdes Anos, e como já o tinha visto, não me afetou o spoiler, como ao Cabeças...).
Na fnac é estranho, só está o pack à venda, não estão os filmes individualmente à venda, acho eu...

Na fnac é estranho, só está o pack à venda, não estão os filmes individualmente à venda, acho eu...
Na baliza Jackson, defesa com Scorsese, Coppola, Spielberg e Eastwood. No meio campo, Ridley Scott, Wes Anderson, Pollack e Carpenter. Avançados, Woody, e solto nas alas Tarkovsky. Suplentes: Bunuel, Fellini, Kurosawa, Visconti, Antonioni, Lynch e Burton.
Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Estratégia de marketing, Gaspar. Só devem colocar à venda em separado depois da promo do Público terminar. A Fnac tem muitas artimanhas, e como nos últimos tempos tenho ido lá mais do que o habitual (e também porque comecei a entender o sistema de distribuição dos produtos ao trabalhar numa livraria), tenho desvendado algumas...
Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Mais uma bela surpresa este filme, que acaba quase como ser um contraponto ao Verdes anos, ao tratar as mesmas temáticas com uma abordagem diferente, mas mantendo a mesma sensibilidade. Deixamos o ambiente urbano e a alienação para uma comunidade piscatória do norte do país, pelo que o filme tem uma abordagem mais neorealista. Acompanhamos Adelino, acabado de regressar do Ultramar, na sua procura de (re)adaptação às mudanças do Furadouro e a sua relação com Júlia (Maria Barroso), relação tornada impossível por Raimundo, irmão de Adelino.
A filmagem em estilo documental é um dos pontos fortes do filme, com o retratar de um modo de vida perdido em pouco tempo e a serem mostradas em detalhe diversas técnicas de pesca artesanal, tudo ainda trabalho braçal e quanto muito com a ajuda de uma junta de bois. Algumas das imagens mais impactantes são simplesmente os figurantes a arrastar redes ou a remar.
Ao mesmo tempo, surgem pequenos apontamentos surreais na narrativa, como a visualização de um poço de uma perspetiva diferente do normal, fruto da erosão costeira que já aqui aparece, qual Espada de Démocles, a arrasar casas enquanto os donos esperam uma vaga "lá na urbanização nova". Estes apontamentos criam contudo um problema: até que ponto aquele estilo de vida foi encenado para o filme ou se realmente ainda existia como o vemos retratado (grande parte será real penso)
Mas ao mesmo tempo o filme tem umas texturas tão fabulosas que quase parece mesmo um documentário! Basta ver a casa onde as personagens habitam. Ainda há casas do género reconstruídas e reconvertidas por exemplo na Apúlia, mas aqui temos uma no seu "estado natural". A magnífica qualidade da imagem torna quase palpável aquelas pedras e aquelas tábuas. E de resto, tantas imagens magníficas: uma casa à Days of Heaven empoleirada numa duna, o nevoeiro, as salinas e seus canais...
Como filme de vertente neorealista, é mais social do que o Verdes Anos. O drama que as personagens atravessam é inserido nos costumes daquela comunidade, entrecortado por bailaricos de S. João e pelo quotidiano muito duro daquela gente. Gostei como a dança do baile serve como premonição do clímax
Num filme claramente influenciado pelo Strombolli do Rossellini, parece-me haver por parte de Paulo Rocha um esforço por mostrar que já existia algum progresso e alguma mudança de mentalidades no nosso país. Quando Adelino abraça Júlia no pinhal em frente à sobrinha, não há nenhuma sequência em que Raimundo é chamado de "cornuto" por todos os outros. É possível um mínimo de contato social sem que os rumores disparem, algo impossível na pequena ilha de Strombolli.
Mais evidente ainda é toda a sequência dos testes para admissão a um emprego, totalmente desfasada daquele público alvo.
Num filme de contrapontos, outro salta à vista: a forma como a experiência do Ultramar de Adelino é vista pelos outros, numa subtil denúncia do realizador (não esperem nada estilo Nascido a 4 de Julho). Os colegas de trabalho apenas se interessam como eram as africanas, toda a a experiência da guerra é digna no máximo de escárnio.
Enfim, um retrato profundo, complexo e cheio de sensibilidade do nosso país, funciona quase como o outro lado do espelho em relação ao Verdes Anos e está também recheado de grandes momentos.
No lado técnico, este restauro deve ter sido mais difícil. Há pelo menos uma falha visual (quando Albertina corre) e três ou quatro estalidos ao longo do filme. Os diálogos também são menos percetíveis em alguns pontos.
A filmagem em estilo documental é um dos pontos fortes do filme, com o retratar de um modo de vida perdido em pouco tempo e a serem mostradas em detalhe diversas técnicas de pesca artesanal, tudo ainda trabalho braçal e quanto muito com a ajuda de uma junta de bois. Algumas das imagens mais impactantes são simplesmente os figurantes a arrastar redes ou a remar.
Ao mesmo tempo, surgem pequenos apontamentos surreais na narrativa, como a visualização de um poço de uma perspetiva diferente do normal, fruto da erosão costeira que já aqui aparece, qual Espada de Démocles, a arrasar casas enquanto os donos esperam uma vaga "lá na urbanização nova". Estes apontamentos criam contudo um problema: até que ponto aquele estilo de vida foi encenado para o filme ou se realmente ainda existia como o vemos retratado (grande parte será real penso)
Mas ao mesmo tempo o filme tem umas texturas tão fabulosas que quase parece mesmo um documentário! Basta ver a casa onde as personagens habitam. Ainda há casas do género reconstruídas e reconvertidas por exemplo na Apúlia, mas aqui temos uma no seu "estado natural". A magnífica qualidade da imagem torna quase palpável aquelas pedras e aquelas tábuas. E de resto, tantas imagens magníficas: uma casa à Days of Heaven empoleirada numa duna, o nevoeiro, as salinas e seus canais...
Como filme de vertente neorealista, é mais social do que o Verdes Anos. O drama que as personagens atravessam é inserido nos costumes daquela comunidade, entrecortado por bailaricos de S. João e pelo quotidiano muito duro daquela gente. Gostei como a dança do baile serve como premonição do clímax
Mais evidente ainda é toda a sequência dos testes para admissão a um emprego, totalmente desfasada daquele público alvo.
Num filme de contrapontos, outro salta à vista: a forma como a experiência do Ultramar de Adelino é vista pelos outros, numa subtil denúncia do realizador (não esperem nada estilo Nascido a 4 de Julho). Os colegas de trabalho apenas se interessam como eram as africanas, toda a a experiência da guerra é digna no máximo de escárnio.
Enfim, um retrato profundo, complexo e cheio de sensibilidade do nosso país, funciona quase como o outro lado do espelho em relação ao Verdes Anos e está também recheado de grandes momentos.
No lado técnico, este restauro deve ter sido mais difícil. Há pelo menos uma falha visual (quando Albertina corre) e três ou quatro estalidos ao longo do filme. Os diálogos também são menos percetíveis em alguns pontos.
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Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Rui, tinhas toda a razão...
Comprado este domingo co Público!!!!
Comprado este domingo co Público!!!!
Na baliza Jackson, defesa com Scorsese, Coppola, Spielberg e Eastwood. No meio campo, Ridley Scott, Wes Anderson, Pollack e Carpenter. Avançados, Woody, e solto nas alas Tarkovsky. Suplentes: Bunuel, Fellini, Kurosawa, Visconti, Antonioni, Lynch e Burton.
Re: Os Verdes Anos (1963) / Mudar de Vida (1966)
Cabeças, olha que o filme vale mesmo a pena, mesmo com essa situação lamentável do spoilerCabeças wrote: May 26th, 2015, 9:44 pm Vi hoje à venda na FNAC do Chiado Os Verdes Anos e ia caindo para o lado, pois o texto de apresentação é um spoiler brutal que pelo menos a mim, me tirou logo a vontade de ver o filme.Não sei quem escreveu o texto, mas é algo que acho de uma completa falta de senso. Se não fosse o spoiler, penso que tinha comprado o filme, que está muito barato, sobretudo depois de ler o que aqui foi escrito. Mas assim... não.
Confesso que tinha bastante interesse em ver este filme, não pela história mas pela oportunidade de ver Lisboa no tempo em que o filme foi feito. Mas com o tal spoiler, a minha vontade desapareceu.
