O Homem Tranquilo

Todos os assuntos relativos ao home cinema que não se enquadrem nos restantes fóruns.
Post Reply
dracula
Iniciado
Iniciado
Posts: 125
Joined: July 7th, 2006, 6:29 pm
Location: Ílhavo

O Homem Tranquilo

Post by dracula »

Tenho um DVD deste filme de John Ford, edição espanhola e que comprei recentemente. A imagem é horrorosa, do pior que tenho visto e o som não lhe fica atrás, mas em relação ao som já não estranho, é habitual os filme antigos em DVD terem um som medonho, parece que só há preocupação com a imagem e não sei a razão.
Pergunto aos prezados membros se alguém sabe onde posso encontrar um DVD deste filme com qualidade e com legendas em Português.
Se alguém souber fico-lhe muito grato.

PS - Peço desculpa se estou a escrever num lugar errado do fórum.
“Sempre faça o público sofrer tanto quanto possível.”
Alfred Hitchcock
rui sousa
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 4407
Joined: September 6th, 2008, 12:05 pm
Location: Lisboa
Contact:

Re: O Homem Tranquilo

Post by rui sousa »

dracula é a versão da cinedigital? Parece imagem de VHS? É a que eu tenho, custou 5 euros. Recentemente vi uma nova edição espanhola no ECI, por 11 euros, que diz estar restaurada... até pensei em comprar mas sinceramente tive medo de cair noutra esparrela... Este é daqueles casos em que a internet dá versões muito melhores. Já espreitei um rip do blu-ray e está fantástico, comparado com esta desgraça. Será que não dá para reclamar?
rui sousa
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 4407
Joined: September 6th, 2008, 12:05 pm
Location: Lisboa
Contact:

Re: O Homem Tranquilo

Post by rui sousa »

Aqui dá para ver a comparação entre a versão ranhosa editada em DVD por cá e em Espanha, e o filme na versão "restaurada" lançada em DVD/Blu-ray. E a qualidade do vídeo até tira alguma da diferença significativa entre versões...

dracula
Iniciado
Iniciado
Posts: 125
Joined: July 7th, 2006, 6:29 pm
Location: Ílhavo

Re: O Homem Tranquilo

Post by dracula »

Peço desculpa de só hoje responder.

A versão que eu tenho é de facto a da cinedigital e é mesmo um nojo, deve ser o pior DVD que eu vi até hoje e já estive para o por no lixo e se calhar vai mesmo, nunca fui capaz de ver o filme e é um daqueles filmes que eu adoro.

A versão do ECI não conheço e vou tentar saber alguma coisa sobre a qualidade e depois escrevo aqui o que souber.
“Sempre faça o público sofrer tanto quanto possível.”
Alfred Hitchcock
rui sousa
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 4407
Joined: September 6th, 2008, 12:05 pm
Location: Lisboa
Contact:

Re: O Homem Tranquilo

Post by rui sousa »

Obrigado dracula, é que sinceramente não quero arriscar outra vez sem saber bem qual é a qualidade do filme, porque o preço já é elevado, e a capa pode ser enganadora... :/
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: O Homem Tranquilo

Post by Samwise »

Image

John Ford é um nome que dificilmente passará despercebido aos amantes da 7ª Arte, mesmo àqueles que ainda não tenham visto qualquer dos seus filmes (enfatizo o "ainda", em jeito de sugestão, porque muitos títulos são amostras notáveis de uma certa forma de fazer Cinema que já não encontra paralelo nos dias de hoje, e seria uma pena deixá-los passar). Das suas mãos saíram alguns do mais célebres e celebrados Westerns de sempre, produzidos em Hollywood durante a idade de ouro do género, numa altura em que este era considerado um sinónimo cinematográfico de "Estados Unidos da América", pela estreita relação telúrica e mitológica que pôde ser estabelecida com o processo de conquista e fundação dos territórios interiores do oeste. O homem que um dia disse «My name is John Ford. I make westerns.» fez dos espaços inóspitos e das elevações rochosas de Monument Valley o seu lar espiritual e aí contextualizou toda uma família fordiana de personagens pitorescas, encabeçada dentro e fora do ecrã por outro nome indissociável do género: John Wayne - o actor que melhor corporizou o herói americano por si idealizado.

Ford deixou um legado de mais de uma centena(!) de filmes e influenciou alguns dos grandes cineastas contemporâneos, exemplos de Martin Scorsese, Clint Eastwood ou Steven Spielberg. Títulos como Stagecoach - A Cavalgada Heróica (1939), My Darling Clementine - A Paixão dos Fortes (1946), The Searchers - A Desaparecida (1956) e The Man Who Shot Liberty Valance - O Homem que Matou Liberty Valance (1962) encheram salas, entusiasmaram plateias e estabeleceram patamares referenciais de qualidade numa rara união de vozes entre crítica e público - e apesar de tudo (deste "tudo" que tanto representa), seria tristemente redutor remeter John Ford ao lugar de criador de filmes do oeste. Tão redutor quanto dizer que os Westerns são fitas de "índios e cowboys" que servem para entreter às matinés (algo que, não deixando de ser verdade, é apenas uma ínfima parcela da verdade).

Image

The Quiet Man - O Homem Tranquilo, porventura um dos seus filmes mais representativos, se é que podemos para este efeito destacar alguns no conjunto da sua obra, não é de todo um Western (pelo menos segundo a noção corrente que temos de um Western) mas o facto é que conserva um conjunto de características, qualidades e valores, que Ford vinha expondo, em jeito de continuidade, ao longo de obras anteriores - em Westerns, mais concretamente -, sendo que a mera transposição do cenário geográfico para fora do continente americano, bem como a substituição de armas de fogo por punhos cerrados, não alteram em nada o campo de trabalho de Ford. A sua arte transcende, neste sentido, qualquer ideia de catalogação por géneros, e é interessante apanhar pequenos gags que brincam com a situação (o momento em que Wayne atira para longe um chapéu de coco que o torna ridículo, como que a dizer "o chapéu que costumo usar é outro!"), ou que dão sequência e complementaridade a situações de outros filmes (ao feroz "Never apologize, mister, it's a sign of weakness." de She Wore a Yellow Ribbon - Os Dominadores, utilizado por Wayne num contexto hierárquico militar, sucede agora um humilde "Sorry", sussurado ao abrigo da intimidade conjugal - algo que não pode, porque não pode, ser uma simples coincidência).

Situado no interior rural irlandês dos anos 20, o filme conta a história de um homem atormentado por um dilema moral no qual não pode permanecer indefinidamente e de onde não pode sair sem sacrificar uma parte da sua dignidade - um território sentimental por excelência em que Ford se evidenciou. Ninguém soube estabelecer melhor do que Ford um ponto de equilíbrio - e uma ponte - entre o interior e o exterior emocionais, sobretudo no que respeita à contextualização dos papéis/valores sociais das personagens perante o espaço geográfico - entre o dentro e o fora do lar - entre aquilo que é pensado e aquilo que é representado - entre sensibilidade e virilidade/coragem - entre homens que se definem perante a família (e muito em concreto perante a mulher que amam) e que se afirmam depois perante outros homens. Ninguém utilizou melhor uma câmara para expor sentimentos e mostrar atitudes através daquilo que em sentido estrito pode ser chamado de mise-em-scène: a distribuição espacial e movimentação de personagens no cenário, o jogo de influências e complementaridades que estas estabelecem entre si e com o próprio o cenário, e mais o uso da luz e da cor para definir as tonalidades emocionais. Se A Desaparecida é, a partir logo da primeira sequência (magnífica), a quintissência do saber de Ford nesta matéria, O Homem Tranquilo não deixa de ser outro exemplo paradigmático, com a casa de família que Sean Thornton (John Wayne) vai de novo ocupar a tornar-se o epicentro nevrálgico da encenação.

Image

Tenho a clara noção de que quem não viu o filme e tentar fazer uma ideia daquilo que nele pode encontrar a partir deste texto, vai permanecer completamente equivocado. Apesar de uma componente dramática trágica algo acentuada, Ford equilibra o filme com uma dose ainda maior de humor (a fita está pejada de gags), sendo que, pelo meio, e de forma algo inusitada, consegue encaixar uma paixão em que a sexualidade latente e o desejo carnal são os factores dominantes. O humor físico e a virilidade da carne são de resto características que atravessam transversalmente a sua obra, mas não creio que tenham sido conjugados de forma tão subversiva noutros lados. É refrescante ver um filme dos anos 50 que, sem nada mostrar, e com uma segurança a toda a prova, dá lições de cinema ao suposto "realismo natural" que é a norma hoje em dia. Há duas ou três sequências que poderiam figurar sem que lhes fosse prestado especial favor nos tops de cenas mais eróticas que de vez em quando surgem na Internet. Talvez estejam de facto fora do seu tempo por tudo aquilo que deixam oculto, mas demonstram o carácter e a elegância de um grande realizador. O seu nome é...
Last edited by Samwise on November 18th, 2013, 11:18 am, edited 2 times in total.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: O Homem Tranquilo

Post by Samwise »

Ooops - acho que tenho de ajustar o tamanho das imagens... :oops:

---

Rui Sousa, fiquei na ideia de teres escrito um texto sobre este filme, mas não o consigo localizar. Estarei a fazer confusão?
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
siroco
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 3132
Joined: December 2nd, 2004, 7:40 pm
Location: Sintra

Re: O Homem Tranquilo

Post by siroco »

Grande filme!

O meu favorito do grande John Ford, apesar de não ser um western, que é maioritariamente o que ele fez, aliás é lendária a sua apresentação na comissão Mccarthy na época da caça às bruxas: "O meu nome é John Ford, faço westerns", formula algo redutora mas verdadeira. Curioso o facto de que apesar de republicano conservador não denunciou ninguém à referida comissão, ao contrário de um Elia Kazan que se chibou de todos e mais algum.

Merecida a homenagem que Spielberg lhe presta ao colocar o E.T. a aprender a beijar a ver o Homem Tranquilo.

5 *s salut-) salut-) salut-)
rui sousa
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 4407
Joined: September 6th, 2008, 12:05 pm
Location: Lisboa
Contact:

Re: O Homem Tranquilo

Post by rui sousa »

Grande texto Sam! Não, não escrevi porque ainda não o vi. Comentei aqui só o facto da edição portuguesa ter uma imagem péssima, tal como muitas das que existem em DVD por todo o mundo! :)
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: O Homem Tranquilo

Post by Samwise »

rui sousa wrote:Comentei aqui só o facto da edição portuguesa ter uma imagem péssima, tal como muitas das que existem em DVD por todo o mundo! :)
A versão que vi foi mesmo essa - alugada na Cineteka. :-(

Sucedeu que, depois de ver o filme, não fui capaz de me controlar e tive de ir espreitar, por vias travessas, a versão Blu-Ray restaurada e a diferença entre as duas é mesmo impressionante. Para o filmaço que é, diria que o crime neste caso compensa... Shhhhh :mrgreen:
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
Post Reply