Mulholland Drive (2001) - David Lynch
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Re: Mulholland Drive (2001) - David Lynch
Comecei a ver. Continua imensamente sedutor, hipnótico e carregado de sequências de antologia - é uma a seguir à outra, dentro do melhor a que o Lynch nos habituou ao longo do tempo.
Ainda não li os vosso comentários e interpretações, mas assim a quente uma ideia: Hollywood é gerida pelo diabo.
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«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.
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Re: Mulholland Drive (2001) - David Lynch
Olá, Hélder
Vou então colocar aqui alguns apontamentos, rabiscados um pouco à pressa, na sequência do teu post. Sempre tudo em spoiler, claro.
Vou então colocar aqui alguns apontamentos, rabiscados um pouco à pressa, na sequência do teu post. Sempre tudo em spoiler, claro.
Re: Mulholland Drive (2001) - David Lynch
Terminada mais uma visualização (e algo me diz que a próxima vai ser muito em breve, depois da bateria estonteante de comentários que li vossos, e aos quais faço uma vénia - ou muitas!) - e a minha opinião reforça-se: absolutamente brilhante e devastador - continua no lugar cimeiro da minha lista de melhores filmes de 2000 para cá. Um sonho-pesadelo que é uma metáfora dolorosa para a realidade da vida que só podia ter saído das profundezas insondáveis da mente de Lynch (onde habitam demónios deformados - e determinados em deformar quem apanham pela frente) - uma espécie de imagem reflexa do Twin Peaks original, transfigurado e transposto para a grande metrópole de Los Angeles e para o modelo implacável e triturador do estrelato em Hollywood.
Concordo com as linhas gerais da vossa análise (e explicação da intriga), embora eu não tenha conseguido apanhar os detalhes todos que indicam (e são mesmo muitos), pelo que vou tornar a ver o filme com essas orientações em mente.
Só uma nota:
A referência ao Persona, para lá da relação-fascínio entre as duas mulheres, tem uma componente visual evidente, com sobreposição a determinada altura dos rostos delas através de um plano de alinhamento. Eu não tinha visto o Persona em 2001, quando este filme estreou, mas agora foi a obra que me veio mais à mente ao longo da visualização - esse e o Vertigo do Hitch.
Concordo com as linhas gerais da vossa análise (e explicação da intriga), embora eu não tenha conseguido apanhar os detalhes todos que indicam (e são mesmo muitos), pelo que vou tornar a ver o filme com essas orientações em mente.
Só uma nota:
A referência ao Persona, para lá da relação-fascínio entre as duas mulheres, tem uma componente visual evidente, com sobreposição a determinada altura dos rostos delas através de um plano de alinhamento. Eu não tinha visto o Persona em 2001, quando este filme estreou, mas agora foi a obra que me veio mais à mente ao longo da visualização - esse e o Vertigo do Hitch.
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK
Vou começar a comentar (aos poucos, e espaçademente) os vossos comentários.
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK
Caro José, estou apenas a dar um ponto de costura rápido nos teus excelentes apontamentos.
Agora uma questão para o Hélder...
É sem dúvida uma associação interessante *, mas fiquei com curiosidade em saber mais sobre que pontos de contacto te ocorreram - isto para lá da questão de um sonho, com demasiadas ligações à realidade, ocupar uma parte considerável do tempo narrativo nos dois filmes.Helder Fialho wrote: ↑July 26th, 2020, 3:23 am Influências do Lynch no Mulholland Drive: Para mim, noto imensas. Demasiadas para dizer aqui. O film noir, Hitchcock, o Wizard of Oz, o Persona do Bergman...
* - interessante porque, recuando mais para trás na carreira do Lynch, há esse objecto singular (como são todos dele, na verdade) chamado Wild at Heart, que evoca directamente o The Wizard of Oz em dois ou três momentos (a Lula de sapatos vermelhos a bater com calcanhares um no outro, e a fada boa que aparece ao Sailor mais para o final do filme, por exemplo)
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK
Samwise wrote: ↑July 30th, 2020, 2:48 pm
Agora uma questão para o Hélder...
É sem dúvida uma associação interessante *, mas fiquei com curiosidade em saber mais sobre que pontos de contacto te ocorreram - isto para lá da questão de um sonho, com demasiadas ligações à realidade, ocupar uma parte considerável do tempo narrativo nos dois filmes.Helder Fialho wrote: ↑July 26th, 2020, 3:23 am Influências do Lynch no Mulholland Drive: Para mim, noto imensas. Demasiadas para dizer aqui. O film noir, Hitchcock, o Wizard of Oz, o Persona do Bergman...
* - interessante porque, recuando mais para trás na carreira do Lynch, há esse objecto singular (como são todos dele, na verdade) chamado Wild at Heart, que evoca directamente o The Wizard of Oz em dois ou três momentos (a Lula de sapatos vermelhos a bater com calcanhares um no outro, e a fada boa que aparece ao Sailor mais para o final do filme, por exemplo)
Não percebi. Pontos de contacto dentro do Wizard of Oz ou outros pontos de contacto para além do film noir, Hitchcock, Wizard of Oz e o Persona?
Precisamente. O Wizard of Oz (livro e filme) tem sido uma inspiração, uma influência e uma referência em praticamente tudo na cultura americana, em vários filmes, séries e livros. Está ligado a um dos temas principais da cultura popular nos Estados Unidos que é a viagem. A viagem em busca de algo que querem atingir. Esse algo, no final, pode ser e pode não ser aquilo que as personagens têm a certeza que é no início e durante a viagem mas o mais importante na narrativa é a viagem, o percurso e todas as peripécias que se passam durante a viagem, as outras personagens com que se cruzam, as relações que se estabelecem entre elas durante o caminho, etc.
Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK
Desculpa, Hélder, não me exprimi devidamente. Estava a referir-me a influêcias do The Wizard of Oz no Mulholland Dr.Helder Fialho wrote: ↑July 30th, 2020, 11:34 pm Não percebi. Pontos de contacto dentro do Wizard of Oz ou outros pontos de contacto para além do film noir, Hitchcock, Wizard of Oz e o Persona?
Não sei já quando foi última vez que vi o Wizard, mas a memória que tenho dele é difusa, para lá dos traços gerais. Lembro-me da aventura se passar num sonho, e de haver várias personagens que partilhavam sonho e realidade - e é esse o ponto de contacto que para me parece notório em relação ao Mulholland Dr.. Do livro lembro-me ainda menos - ou mesmo nada em acrescento ao que me lembro do filme...
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Re: Mulholland Drive (2001) - David Lynch
E é possível, de facto. Foi muito bem observado da tua parte.
Claro, que estupidez a minha! Nem sequer sabemos o nome da senhora. A tia Ruth é essa, é.
2- Sim, nisso da cor rosa choque referia-me às espreguiçadeiras junto à piscina do Adam, bem como à caixa de jóias que ele suja com a tinta daquela cor como forma repentina de retaliação pela humilhação que acabara de viver. Há depois um plano que percorre algumas ruas da cidade onde vemos uma mancha rosa choque na estrada também. O Lynch deu um conjunto de pistas, sim; inclusive o meu DVD, que na altura saiu com o Jornal Público, tem lá escondido um total de 10 pistas que ajudam a decifrar o filme. Admito que não me ajudaram grande coisa, daí tender a concordar contigo quando dizes que o que são pistas para o Lynch não significa automaticamente que sejam pistas para o espectador, mas pronto;
Exacto.
Sim, eu também nunca dei muita importância às 10 pistas do Lynch. Uma das coisas que o Lynch sabe fazer muito bem é brincar com os nossos cérebros. Ele sabe como chamar a atenção das pessoas e ele sabia perfeitamente que toda a gente iria querer descodificar o Mulholland Drive. Ele afirmou que não vai dizer o que pretendeu com a história e o significado do filme. E não há problema nenhum nisso (embora eu, no fundo, gostasse de saber ). O Kubrick também sempre se recusou a dizer o que significava o 2001: A Space Odyssey e, em especial, o que significa a cena final. Ele preferia que cada pessoa tirasse as suas próprias conclusões e retirasse dali a sua interpretação e com o Lynch é a mesma coisa. O Lynch não faria uma coisa que o colocasse em contradição. Por isso, acho que ele inventou as 10 pistas para, de forma propositada, falar muito e não dizer nada. Num dos extras da edição da Criterion do Mulholland Drive, o Justin Theroux, que fez o papel do Adam, diz que, quando ele foi a Cannes com o Lynch e os outros actores, a dada altura o Lynch chamou toda a gente e disse "oiçam, estes c****** (auto-censurei-me ) destes jornalistas vão tentar fazer com que vocês lhes digam qual é a história do filme e eu não quero que vocês façam isso.". Mesmo se reparares em entrevistas que o Lynch deu em 2001 a propósito do Mulholland Drive, os jornalistas faziam-lhe perguntas sobre o filme e as respostas que ele dá são sempre na base de "andar à volta" do assunto. É de propósito. Ele nunca fala directamente sobre o filme.
3- Quando digo que é conveniente a Rita encontrar-se amnésica é no sentido de, no Sonho, a Betty ser a pessoa de poder naquela relação. Ao menos ali, e ao contrário da Realidade, é ela quem comanda as coisas, quem toma todas as decisões importantes e quem controla a narrativa do próprio Sonho. Junto a si tem uma Rita que, por estar amnésica, se encontra dependente, numa posição de fragilidade, que aceita tudo sem qualquer questionamento. Isto é um bálsamo para a Betty, ter a Rita completamente disponível só para si, sem discórdias nem recriminações, nem pretendentes a circundar... No Sonho, tudo corre de feição a Betty: é uma pessoa espectacular, cheia de virtudes, impoluta e radiosa (que veste cores claras e sempre bem maquilhada e penteada), uma actriz fora de série com um futuro promissor e que encontra uma mulher por quem se interessa e pela qual é correspondida. A Betty é uma verdadeira Mary Sue!;
Ah, sim. Concordo absolutamente.
4- A personagem da Louise é importantíssima, a breve aparição dela ajuda e muito a ir juntado umas pecinhas aqui e acolá;
Completamente.
5- Sim, quanto à audição, quem a fez na Realidade foi a Camilla. Mas, no Sonho, a Diane atribui a si mesma a hipótese de ser ela a brilhar enquanto intérprete de imenso talento. Porque na Realidade, a Diane achava que merecia ter tantas ou mais hipóteses de consideração do que a Camilla enquanto actriz. Ela achava, no fundo, que a Camilla não tinha vingado só pelo seu talento. Tanto que, no Sonho, tenta justificar a escolha da "outra" Camilla Rhodes loura para o papel principal no filme do Adam como tendo sido devido à interferência da Máfia e não pelo seu real talento artístico. Quando a Betty sai da sala, a equipa de casting fica a comentar que foi uma audição fantástica, e o actor que fez a cena com a Betty admite que foi ainda melhor do que com a morena que lá tinha estado (= Camilla na vida Real). Basicamente, o que quero dizer é que no Sonho, até em termos profissionais, a Diane quer brilhar à força toda, mesmo que não tenha sido isso que tenha acontecido na Realidade. Após sair da audição, a Betty ainda passa pelo set rapidamente e troca os olhares com o Adam; até aqui, ela faz de si mesma o objecto de atenção, quando na verdade sabemos que o realizador só teve sempre olhinhos para a Camilla;
Claro! Eu não estava a perceber. Estava a pensar só na audição em que as actrizes fazem playback da Sixteen Reasons da Connie Stevens e da I've Told Every Little Star e esqueci-me da outra audição em que a Betty contracena com o outro actor. Exactamente, eu também acho isso. E ela sente claramente também inveja da Camilla.
A propósito das cenas da Máfia de Hollywood, uma curiosidade: o homem do estúdio que cospe o café expresso é o próprio Angelo Badalamenti. O Lynch achou que ele podia fazer aquele papel. Ele riu-se, disse que não sabia representar mas o Lynch disse-lhe que era um papel muito simples e ele acabou por aceitar. E o presidente do estúdio, equiparado a um Padrinho da Máfia, o Mr. Roque... tão poderoso que nem os executivos do estúdio podem estar junto dele. Só podem falar com ele através do comunicador no vidro. Mais uma vez, a crítica acertada e impiedosa do Lynch ao sistema de Hollywood. Através de mecanismos do surrealismo, ele vai lançando as bombas. E as cortinas, sempre as cortinas... é uma das coisas frequentes no Lynch, cortinas vermelhas.
8- A caixa azul e a chave são, quanto a mim, signos com significados muito específicos. A caixa corresponde mais ou menos ao dispositivo Hitchcokiano de MacGuffin (um objecto que faz avançar a narrativa apesar de poder não ter uma importância demasiado significativa no interior da mesma); no entanto, aqui, é um objecto ao qual a Diane atribui inconscientemente o significado de Sonho: está presente neste, embora revestido de outro significado para não perturbar a narrativa onírica, lembrando a Sonhadora, quer ela queira ou não, que aquilo é apenas um Sonho. A caixa, após aberta, faz terminar abruptamente essa narrativa onírica e traz o Sonhador de volta à Realidade. O que é que abre a caixa, acaba o Sonho e traz a Realidade de volta? Uma chave azul, cujo significado é o de um homicídio ter sido realizado. A chave é a representação realista e determinista de que a felicidade com a Camilla nunca poderá acontecer, dê por onde der, já que esta se encontra morta. O sonho de uma vida em conjunto está exterminado, para todo o sempre... O casal de idosos a sair da caixa azul para atormentar a Diane corresponde, a meu ver, à ideia de que as pessoas (quer sejam família ou jurados no concurso de dança) que lhe possibilitaram ir atrás de uma vida de sonho em Hollywood foram, sem querer, as mesmas que acabaram por lhe estender uma passadeira vermelha em direcção ao seu pior pesadelo - na cabeça atormentada da Diane, os idosos foram os agentes de uma mudança positiva na vida dela e voltam, no final, de forma macabra, para uma qualquer hipótese de "correcção/castigo", quando a jovem desemboca num patamar super destrutivo que eles nunca anteciparam e que nunca aprovariam;
Ahhhhh... faz muito sentido... e o casal de idosos também! Ao ler o que disseste, fez-me lembrar uma cena que me deixou um bocado desconfiado e na qual nunca tinha dado a devida atenção nas vezes anteriores em que revi o filme.
9- O sem-abrigo (cuja cena atrás do diner me aterroriza sempre, por mais vezes que veja o filme) tipifico-o como sendo a face mais negra, escondida e horrenda da nossa personalidade. Aquela faceta que todos temos, quer queiramos admitir ou não, e que pode vir à tona, sabe-se lá quando, perante um qualquer "gatilho" emocional extremo. Ele é a parte da Diane que vem à superfície no final e que ali permanece (depois dela ter perdido a inocência e a candura iniciais e se ter revelado uma mulher frustrada, maléfica, despeitada e rancorosa, que pagou inclusive para lhe matarem o grande amor da vida dela!), que agarra a caixa com malícia e como que a dizer "Eu, sim, sou real, sou quem tu és na verdade e estou aqui a "manusear" a tua projecção onírica, a fantasia que criaste para te enganares a ti própria";
É horrível... e depois a música do Angelo Badalamenti que acompanha toda essa cena até o sem-abrigo aparecer, argh... . Acho que vou começar a passar essa cena à frente só para não o ver. Talvez seja isso, sim... Sim,
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK
Não faz mal. A influência do Wizard of Oz no Mulholland Drive está presente, desde logo, no facto de que, no Mulholland Drive, tal como no Wizard of Oz, a esmagadora maioria do tempo do filme é passado num sonho. A diferença está em que o Victor Fleming fez com que o espectador percebesse que as cenas no Kansas correspondem à realidade e as cenas em Oz correspondem ao sonho ao ter filmado as cenas no Kansas a preto e branco e depois posteriormente coloridas a sépia e as cenas em Oz a cores em Technicolor. O Lynch não fez nada disso. Para além disso, há algumas semelhanças entre a Betty (só a Betty, não a Diane) e a Dorothy: na inocência, no deslumbramento total quando ela chega a Hollywood e o deslumbramento quando a Dorothy entra na Land of Oz. Quer a Betty / Diane, quer a Dorothy são provenientes de zonas pequenas rurais / semi-rurais, comparadas com a imensidão da Land of Oz e de Los Angeles e o fascínio delas ao chegarem é ainda maior precisamente por estarem habituadas a e virem de meios pequenos. No caso da Diane / Betty, a pequena cidade de Deep River em Ontario no Canadá e no caso da Dorothy um Kansas que, à data do livro (1900), ainda era um Kansas predominantemente rural num Midwest americano de vastas pradarias e terras de cultivo.
Também o facto de que quase todas as personagens têm identidades diferentes no sonho, comparativamente com a realidade.
Vejo também alguns paralelismos entre Hollywood e a Emerald City. Hollywood é o destino da Betty (e foi o da Diane) que lhe vai dar tudo o que ela pretende. Emerald City é onde vive o Feiticeiro de Oz que faz com que alguém passe a ter uma característica de personalidade que não tem. A Betty acaba por ter também o mesmo mindset do leão, do espantalho e do homem de lata. Todos querem ir ver o Feiticeiro para ele lhes dar características de personalidade que os farão ser melhores e, quando o Feiticeiro, não faz nada disso, eles ficam desiludidos. No caso da Betty não é uma característica de personalidade mas a ânsia da busca é a mesma. A Betty vai a Hollywood para conseguir ser uma grande actriz. Hollywood está situada no topo de um monte. Emerald City está no topo de uma elevação também. O que está em cima, domina tudo o que está por baixo e a sua influência penetra em tudo à sua volta. Em Hollywood tudo é falso, tudo é uma ilusão, como aliás diz o MC no Club Silencio (nos créditos ele é referido como Mágico, o que aliás faz bastante sentido). Da mesma forma, tudo o que o Feiticeiro faz é mentira, é uma fraude. A começar logo por ele, o grande e poderoso feiticeiro de oz não é mais do que um homem a comandar uma máquina e a fazer vozes por detrás de uma cortina. Terá sido a história a origem da expressão "the man behind the curtain"? Hollywood também tem essa cortina muito bonita que passa a imagem de que tudo ali é perfeito e brilhante, as vidas dos actores, os Óscares. Mas não é bem assim... Há uma escuridão sempre presente por trás dos dourados e das jóias a brilhar (as cores preto e dourado, aliás, combinam bem)... os Harvey Weinsteins (ele não foi o único, houve muitos mais desde sempre em Hollywood), há o racismo e a discriminação (que sempre houve em Hollywood). O Lynch conhece Hollywood de gingeira. Conhece-os a todos... por isso é que ele se afastou de tudo aquilo. O cinema dele não tem nada a ver com a maior parte do cinema de Hollywood. Por isso é que ele ainda não ganhou nem ganhará nenhum Óscar, porque ele está fora do "sistema".
Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK
Uau, realmente, bem vistas as coisas, isto faz todo o sentido. Só vi o Inland Empire uma vez - e adorei -, e guardo na memória que também ia beber a algumas das referências do Wizard of Oz (ao que parece, David Lynch gosta muito dos subtextos que esse mítico filme encerra).Helder Fialho wrote: ↑August 4th, 2020, 8:23 pm
Não faz mal. A influência do Wizard of Oz no Mulholland Drive está presente, desde logo, no facto de que, no Mulholland Drive, tal como no Wizard of Oz, a esmagadora maioria do tempo do filme é passado num sonho. A diferença está em que o Victor Fleming fez com que o espectador percebesse que as cenas no Kansas correspondem à realidade e as cenas em Oz correspondem ao sonho ao ter filmado as cenas no Kansas a preto e branco e depois posteriormente coloridas a sépia e as cenas em Oz a cores em Technicolor. O Lynch não fez nada disso. Para além disso, há algumas semelhanças entre a Betty (só a Betty, não a Diane) e a Dorothy: na inocência, no deslumbramento total quando ela chega a Hollywood e o deslumbramento quando a Dorothy entra na Land of Oz. Quer a Betty / Diane, quer a Dorothy são provenientes de zonas pequenas rurais / semi-rurais, comparadas com a imensidão da Land of Oz e de Los Angeles e o fascínio delas ao chegarem é ainda maior precisamente por estarem habituadas a e virem de meios pequenos. No caso da Diane / Betty, a pequena cidade de Deep River em Ontario no Canadá e no caso da Dorothy um Kansas que, à data do livro (1900), ainda era um Kansas predominantemente rural num Midwest americano de vastas pradarias e terras de cultivo.
Também o facto de que quase todas as personagens têm identidades diferentes no sonho, comparativamente com a realidade.
Vejo também alguns paralelismos entre Hollywood e a Emerald City. Hollywood é o destino da Betty (e foi o da Diane) que lhe vai dar tudo o que ela pretende. Emerald City é onde vive o Feiticeiro de Oz que faz com que alguém passe a ter uma característica de personalidade que não tem. A Betty acaba por ter também o mesmo mindset do leão, do espantalho e do homem de lata. Todos querem ir ver o Feiticeiro para ele lhes dar características de personalidade que os farão ser melhores e, quando o Feiticeiro, não faz nada disso, eles ficam desiludidos. No caso da Betty não é uma característica de personalidade mas a ânsia da busca é a mesma. A Betty vai a Hollywood para conseguir ser uma grande actriz. Hollywood está situada no topo de um monte. Emerald City está no topo de uma elevação também. O que está em cima, domina tudo o que está por baixo e a sua influência penetra em tudo à sua volta. Em Hollywood tudo é falso, tudo é uma ilusão, como aliás diz o MC no Club Silencio (nos créditos ele é referido como Mágico, o que aliás faz bastante sentido). Da mesma forma, tudo o que o Feiticeiro faz é mentira, é uma fraude. A começar logo por ele, o grande e poderoso feiticeiro de oz não é mais do que um homem a comandar uma máquina e a fazer vozes por detrás de uma cortina. Terá sido a história a origem da expressão "the man behind the curtain"? Hollywood também tem essa cortina muito bonita que passa a imagem de que tudo ali é perfeito e brilhante, as vidas dos actores, os Óscares. Mas não é bem assim... Há uma escuridão sempre presente por trás dos dourados e das jóias a brilhar (as cores preto e dourado, aliás, combinam bem)... os Harvey Weinsteins (ele não foi o único, houve muitos mais desde sempre em Hollywood), há o racismo e a discriminação (que sempre houve em Hollywood). O Lynch conhece Hollywood de gingeira. Conhece-os a todos... por isso é que ele se afastou de tudo aquilo. O cinema dele não tem nada a ver com a maior parte do cinema de Hollywood. Por isso é que ele ainda não ganhou nem ganhará nenhum Óscar, porque ele está fora do "sistema".
Re: Mulholland Drive (2001) - David Lynch
Muito bom, Hélder.
Em relação ao "the man behind the curtain", e a olhando para o tipo que esta "nos bastidores" da reunião entre o realizador e os produtores, repararam que não há nenhum meio de comunicação visual lá para dentro? Ou seja, ele apenas recebe inputs via telefone (tem um headset), via intercomunicador, e via mensageiro. E no entanto parece ser omnisciente.
Em relação ao "the man behind the curtain", e a olhando para o tipo que esta "nos bastidores" da reunião entre o realizador e os produtores, repararam que não há nenhum meio de comunicação visual lá para dentro? Ou seja, ele apenas recebe inputs via telefone (tem um headset), via intercomunicador, e via mensageiro. E no entanto parece ser omnisciente.
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Re: Mulholland Drive (2001) - David Lynch
Samwise wrote: ↑August 5th, 2020, 11:23 am Em relação ao "the man behind the curtain", e a olhando para o tipo que esta "nos bastidores" da reunião entre o realizador e os produtores, repararam que não há nenhum meio de comunicação visual lá para dentro? Ou seja, ele apenas recebe inputs via telefone (tem um headset), via intercomunicador, e via mensageiro. E no entanto parece ser omnisciente.
Sim, o Mr. Roque. Pois não. Ninguém pode entrar na sala onde ele está acompanhado por outra pessoa (guarda-costas, talvez) e até os produtores e os executivos do estúdio que trabalham para ele não podem falar com ele directamente. Só se podem aproximar até ao vidro e falar pelo intercomunicador. O facto de ele ser anão e estar numa cadeira de rodas ainda o torna mais perturbador. É um exagero, claro, mas, para mim, isso reforça a crítica impiedosa do Lynch aos Presidentes dos estúdios de Hollywood, os antigos e os actuais, que o Lynch compara de forma brilhante a Padrinhos da Máfia, como aliás ele coloca na pele e nas actuações de mafiosos todas as pessoas nas altas esferas de decisão de Hollywood. A personagem interpretada pelo Angelo Badalamenti (que bebe o café expresso) e o outro que está sentado ao lado e que, quando chega à reunião, não diz nada e manda simplesmente para o outro lado da mesa a foto da Camilla Rhodes (no sonho, com a foto da outra loira), eles são os intimidatórios irmãos Castigliane. Não poderia ser mais Godfather do que isto.
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Re: Mulholland Drive (2001) - David Lynch
"This is the girl"
PROCURA-SE
Diane Selwyn, também conhecida por Betty Elms
Camilla Rhodes, também conhecida por Rita
Foram vistas pela última vez algures entre Mulholland Drive e Hollywood e juntas no Clube Silêncio. Não há certeza absoluta.
"No es facil de entender..."
Se tiver alguma informação sobre o paradeiro destas duas mulheres, por favor informe as autoridades.
"The girl is still missing"
"Mulholland Drive... that's where I was going! Mulholland Drive..."
(sim, esta seria a minha ideia para um trailer comemorativo dos 20 anos do Mulholland Drive)
Porque sim, o Mulholland Drive faz 20 anos este ano! Muito obrigado David Lynch por ter criado uma obra-prima. Este Verão, que é a minha altura preferida do ano para ver Lynch, vou percorrer novamente em DVD o caminho para a perdição.
Acho piada a esta foto do Lynch entre a Laura Harring e a Naomi Watts, qual James Bond e as suas bond girls.
PROCURA-SE
Diane Selwyn, também conhecida por Betty Elms
Camilla Rhodes, também conhecida por Rita
Foram vistas pela última vez algures entre Mulholland Drive e Hollywood e juntas no Clube Silêncio. Não há certeza absoluta.
"No es facil de entender..."
Se tiver alguma informação sobre o paradeiro destas duas mulheres, por favor informe as autoridades.
"The girl is still missing"
"Mulholland Drive... that's where I was going! Mulholland Drive..."
(sim, esta seria a minha ideia para um trailer comemorativo dos 20 anos do Mulholland Drive)
Porque sim, o Mulholland Drive faz 20 anos este ano! Muito obrigado David Lynch por ter criado uma obra-prima. Este Verão, que é a minha altura preferida do ano para ver Lynch, vou percorrer novamente em DVD o caminho para a perdição.
Acho piada a esta foto do Lynch entre a Laura Harring e a Naomi Watts, qual James Bond e as suas bond girls.
Re: Mulholland Drive (2001) - David Lynch
Não nos podemos queixar: sempre que lhe apetece, David Lynch lá nos vai dando pistas - umas ajudam-nos, outras nem tanto. Mas esta é daquelas mais escondidas que sei lá eu o quê. Uma coisa é certa: o realizador é um metódico dos detalhes, dos pormenores milimétricos.