Atenção: MUITOS SPOILERS
No inverno de 1944, nas Ardenas belgas, um pequeno destacamento de oito soldados americanos chega a um castelo perto de Bastogne com a missão de impedir que os alemães em contra ofensiva o retomassem. Nesta fortaleza secular, vivem um conde e sua jovem esposa cercados por inúmeras e valiosas obras de arte. O major que comanda as tropas está disposto a aguentar o iminente ataque inimigo até ao limite, enquanto o seu capitão, um historiador de arte, gostaria de proteger o bastião e seu precioso conteúdo ...
Castle Keep (1969) Sidney Pollack https://www.imdb.com/title/tt0064137/?ref_=ttfc_fc_tt
Dizer que Castle Keep é um mau filme de guerra seria uma inverdade; na realidade será essencialmente, em minha modesta opinião, um filme de autor(?) (baseado no romance de William Eastlake) acerca do pesadelo da guerra e do seu impacto emocional sobre os intervenientes directos, soldados e civis . Remetendo-o para a época (1969) projecta uma visão anti belicista muito diferente dos típicos filmes sobre a WWII que nessa altura foram feitos (The Dirty Dozen, Where Eagle's Dare, The Great Escape, Battle of Bulge. The Longest Day) visão essa talvez influenciada pela perspectiva de Polack (e eventualmente de Lancaster) sobre a guerra que então os USA travavam no Vietname! Terá isto algum sentido? fazer um filme sobre a WWII indexado à actualidade americana de então? bom para alguns sim... A componente algo bizarra quer a nível dos diálogos quer a nível de algumas sequências e considerando a distância de 10 anos que os separam não será muito diversa da que Coppola imprimiu ao seu fantástico Apocalipse Now cujo o argumento inicial terá sido originalmente concebido por John Milius no final da década de 1960 . Havia a vontade mas ainda não existiam "condições" para se abordar o "pântano" do Vietname... e mesmo Coppola em 1978 (3 anos após o fim da guerra ) não conseguiu qualquer apoio das forças armadas americanas para realizar o seu filme! resumindo, ambos os cineastas de maneiras algo diferentes e com algum surrealismo retratam a insanidade humana perante esse flagelo!
E afinal no essencial, é este um bom filme ou nem por isso? uma resposta directa de sim ou não, é-me difícil de dar. O que posso dizer é que eu gosto, e gosto porque me identifico com a forma como retrata a guerra, a qual quase nem parece ser o assunto principal mas sim algo "circundante" e que se vai aproximando desse microcosmos de Maldorais, aqui mostrada (a guerra) como um absurdo e irracional e não como mera oportunidade para actos heróicos. A cena do diálogo (e o entendimento) entre o jovem tenente americano que toca flauta na floresta e o soldado "inimigo" oculto nos arbustos é exemplo disso mesmo ... e o desfecho desse episódio algo trágico-poético, consumado pelo sargento (Peter Falk) que abate impiedosamente o alemão, sargento esse que antes tinha demonstrado tanta humanidade para com a família do padeiro desaparecido... dizendo simplesmente para o camarada espantado que tinha agido assim porque era essa a sua missão (matar soldados alemães)... mostra que os "combatentes" serão pessoas pacíficas na sua génese e são motivados para o combate pelos "falcões" militares que servem os líderes ideológicos .
O filme em todo o seu onirismo / surrealismo tem na sua concepção algo de intemporal e será essa a sua grande qualidade artística como peça cinematográfica que alguns acham underrated, injustiçada no seu real valor...
...do traileronce upon a time there was a war was it yesterday or was it tomorrow
A batalha das Ardenas (ou do Bulge) e sobretudo o contra-ataque alemão a Bastogne https://pt.wikipedia.org/wiki/Cerco_de_Bastogne terá sido um dos momentos mais confusos da avançada aliada sobre Berlim no fim da WWII e é um pouco esse caos terrível que é muito próximo em tempo/local do filme, que transparece na obra e que confunde muita gente que o viu (e o detestou... " que merd@ é esta afinal com o BL duro e "letal" num castelo, a fornicar uma condessa de 22 anos, a cavalgar pelos bosques e a lutar renhidamente contra o inimigo num torreão bem ao estilo de Pike Bishop no final apocalíptico do TWB...)
O capitão historiador que tenta salvar o castelo e compara a arte à guerra numa palestra para entreter os soldados... absurdo? E os fascinantes personagens aristocráticos, o conde (Jean-Pierre Aumont) e a sua bela e melancólica sobrinha esposa (Astrid Heeren) ? nada a ver com o convencional filme de guerra, mas quer um quer a outra são fulcrais na história contada ... são personagens estranhos, amigáveis, mas distantes diria que oriundos de uma "bolha temporal"... que o próprio castelo perdido no meio da floresta belga parece configurar... mas não são os únicos, o Major Falconer um "ciclope" implacável com o inimigo mas generoso para com os seus soldados e terno para com a sua jovem amante monta um icónico cavalo branco e tenta inverter a debanda desorientada dos soldados aliados perante a investida alemã nas Ardenas (o último fôlego) e ao apelar à luta recebe uma significativa resposta de um dos soldados em retirada: "You're on a white horse and you want me to fight for a castle?!"
Enfim... uma obra complexa, algo exótica sem dúvida, com muitas nuances fantasiosas... e também algumas debilidades mas a meu ver pouco significativas...
A realização de Pollack (então com 35 anos) foi inovadora relativamente aos seus 4 filmes anteriores, seja por desejo de experimentar (influências do cinema europeu?) ou por necessidade de contornar as várias dificuldades/atribulações surgidas durante a rodagem na ex-Jugoslávia (um incêndio no dispendioso set do Castelo, a falta de neve natural imprescindível para recriar o ambiente da época das Ardenas...)
A música de Michel Legrand estilo lounge music é inócua, a fotografia de Henri Decaë é cuidada e por vezes bastante bela mesmo... Malcolm Cooke na montagem cumpre com brio.
Uma última palavra para o cast destacando o extraordinário trabalho dos principais actores; Burt Lancaster magnífico a liderar o elenco, Peter Falk fabuloso (enquanto os companheiros se dirigem ao bordel da vila ele, padeiro de profissão na vida civil tem uma outra escolha bem surpreendente), Jean-Pierre Aumont o altivo conde de Maldorais, Patrick O'Neal o capitão apaixonado por arte (e não só), Astrid Heeren (uma modelo alemã com uma curta carreira de actriz) no papel da jovem, fascinante e misteriosa condessa, Bruce Dern a dar vida ao alucinado Lt. Billy Byron Bix Mine e... obviamente o único personagem que ao longo da história mostra alguma lucidez e coerência, o soldado "aspirante a escritor" Allistair Benjamin desempenhado por Al Freeman, Jr. e também o único sobrevivente dos 8 iniciais por vontade do Major que o liberta das duas obrigações militares com duas condições: a de escrever a narrativa dos acontecimentos e a de salvar a jovem condessa grávida imaginem de quem?
Sobre a versão restaurada (em BD&DVD) da INDICATOR direi que está magnifica (mantiveram algum grão da película e ainda bem) e vem acompanha de um booklet de 36 páginas bem recheado . Num texto desse booklet chamou-me a atenção a seguinte frase acerca da promoção do filme:
E pronto foi o texto possível acerca deste estranho e fascinante cult movie amado por alguns e detestado (incompreendido?) por muitos dos amantes de filmes bélicos idos quiçá ao engano. Está na minha prateleira entre o Slaughterhouse-Five (1972) e o Mediterraneo (1991 ) e gosto de o rever de vez em quando, agora que já não tenho TCM ;)" Columbia's poster and trailer suggested an ordinary World War II action movie, thus potentially alienating audiences expecting straighforward entertainement while failing to attract viewers who might have been more receptive to the film anti-authoritarian humor and stylistic idiosyncrasies - precisely those viwers who flocked to see M*A*S*H the following year..."
o infeliz trailer