Deus dá nozes a quem não tem dentes
Mas o que vem a ser isto!? Temos os actores Charton Heston e Jack Palance, os mesmos técnicos de efeitos especiais do "Blade Runner" e "Star Wars", biliões de ienes da TV pública NHK (a RTP, TVE, BBC japonesa), o escritor Takeshi Kawata (autor do livro que o filme adapta), ele próprio como produtor executivo no filme, temos tudo e mais um par de botas e eu pergunto que pouca vergonha de filme vem a ser este?
Esta é a segunda vez que me deparo com esta configuração num filme, e também a segunda vez que utilizo
Deus dá nozes a quem não tem dentes como título da minha crítica. O outro caso foi o filme luso-espanhol de 1972 com o título original de "A Noite do Terror Cego", co-produção entre a "Interfilme - Lisboa" e a "Plata Films S.A. - Madrid", onde o estado português facultou troços ferroviários e antigas locomotivas a vapor da CP, entre muitas outras ajudas.
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Sobre esse filme, escrevi em 2013
"Nunca um filme de "série B"/"Euro-trash" teve este leque luxuoso de meios à disposição, e o que é que ele faz? Ainda cai mais fundo e entra oficialmente da categoria de Exploitation, e muito mal feita com bonecas de esponja/cartão a simular uma mulher nua a ser cortada com uma espada, nem tive coragem de tirar um screenshot disso, nunca vi uma coisa tão mal feita."
Hmmm, já estará na altura de eu criar um vídeo com a mulher nua de mamas de cartão/esponja/esferovite a ser cortada com uma espada de um templário português, para denunciar o realizador Amando de Ossorio. Mas voltando ao filme presente "Solar Crisis"...
O caso aqui é ainda mais grave e eu tive de criar um precedente no formato do fórum DVD Mania, para o título do tópico, que como sabem tem o formato obrigatório de
Título (Ano) - Realizador(es). É que o realizador do filme é o "Zé da Adega" e eu não me sinto bem em criar um tópico de um filme, colocando "Zé da Adega" como realizador, pois qualquer português saberá que é um nome falso.
Alan Smithee (também Allen Smithee) é um pseudônimo oficial usado por cineastas que desejam destituir um projeto. Criado em 1968 e usado até que foi formalmente interrompido em 2000,[1] era o único pseudônimo usado pelos membros da Directors Guild of America (DGA) quando um diretor, insatisfeito com o produto final, provou que ele ou ela não conseguiu exercer controle criativo sobre a produção de um filme. O diretor também foi obrigado pelas regras da aliança a não discutir as circunstâncias que levaram ao movimento ou mesmo a reconhecer ser o diretor do projeto.
Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Alan_Smithee
Portanto, o público que viu o filme na década de 1990, estava interdito e impedido de saber quem foi o realizador, até os críticos de cinema como o próprio Roger Ebert, entravam no jogo e não revelavam ao público qual foi o realizador. Eu sou pessoalmente contra isso do realizador fugir com o rabo à seringa, perante o público (ele apenas enganava o público, pois qualquer produtor norte-americano descobriria logo qual foi o caramelo que realizou este filme). Felizmente estamos na era da Wikipedia, e já não é possível um realizador norte-americano (fenómeno exclusivo a esse país) intrujar o público dessa maneira. Eu sou a favor do pseudónimo literário (ou cinematográfico), que é outra coisa, mas isto do "Alan Smithee" eu sou contra, ainda bem que isso acabou no ano 2000. Para o meu precedente no DVD Mania, utilizei o formato da wikipedia, onde coloquei o nome falso do realizador, seguido de um parêntesis com o nome verdadeiro.
Mas afinal o que há de errado com este filme? Na minha opinião a culpa é do argumento/enredo que não presta para nada.
É que o filme tem bons actores, muito bons efeitos especiais, faz uma recriação muito rica e abrangente da Terra em 2050, isso em si uma proeza muito rara e difícil de concretizar na ficção científica, com um design forte quer em naves espaciais (exteriores e interiores) quer na superfície da Terra, no fundo o que estou a tentar explicar é que o filme combina cenas na Terra com cenas no espaço, como se fossem o "Blade Runner" + "Star Trek", juntos num só filme.
Estou a dizer mal do filme e acabo de escrever o parágrafo anterior com fortes elogios!? Mas o que se passa aqui?
Tentarei explicar usando o exemplo já citado d'"A Noite do Terror Cego". Eu também posso elogiar a excelente cinematografia (digna de um filme vencedor de Oscar) a bordo da locomotiva a vapor da CP, mas "A Noite do Terror Cego" possui um enredo imbecil que insulta a minha inteligência. Reparem bem que a "A Noite do Terror Cego" é apenas conhecido nos círculos de amantes de Exploitation, não sendo considerado por ninguém nenhuma obra suprema da 7ª Arte. E isso porquê? O filme luso-espanhol até está tecnicamente bem feito e é dez vezes superior a filmes como o conceituado "Guess Who's Coming to Dinner" do Stanley Kramer, do ponto de vista cinematográfico e técnico, mas o filme do Stanley Kramer tinha um bom argumento, quando uma produção por mais pobre que seja, tem um bom argumento (o melhor exemplo são os episódios da série Twilight Zone de 1959), já é digna de algum respeito.
Continuando este raciocínio irei falar agora do consultor científico do Solar Crisis, o Richard J. Terrile, que é para vermos a pouca vergonha do argumento do filme.
O Richard J. Terrile foi um dos cientistas envolvidos nas sondas Voyager que a NASA lançou nos anos 1970 (as sondas que levam o disco de ouro, com mensagens para extra-terrestres, preparado pelo Carl Sagan) e trabalha no Jet Propulsion Laboratory da NASA, em seguida está a reacção dele como consultor deste filme:
Scientist Richard J. Terrile served as a technical advisor for the film. He at first tried to convince the filmmakers to avoid sending a crew to the Sun, calling it unscientific. When it was explained to him that audience would demand such a plot point regardless of scientific accuracy, Terrile said he realized his job was to make impossible situations sound more plausible.[4]
Fonte:
https://en.wikipedia.org/wiki/Solar_Cri ... Production
Aqui está! "audience would demand such a plot point regardless of scientific accuracy". Mas que produtores de Hollywood são estes que presumem insultar a inteligência das audiências, e acham que os espectadores são ignorantes e atrasados mentais como eles?
Basta espreitarem os comentários das audiências no IMDB, que está lá a malta do Zé Povinho (sem nenhuns conhecimentos científicos em particular) a chamar de imbecil ao argumento do filme.
Mas calma, que o problema do enredo não está só na falha científica, se fosse assim eu também deixava de gostar das séries Stargate e Star Trek, que ainda são piores nesse campo. O problema é mesmo na história, por exemplo há um sujeito que é presidente de uma mega-corporação (o mau da fita) que quando quer matar alguém, primeiro fala com ele a bordo do seu avião, e depois manda aterrar o avião e largar a vítima no meio do deserto, quando a vítima sobrevive ele manda as forças especiais privadas matarem e torturarem toda a gente numa caça ao homem. De seguida surge outro personagem que ele também pretende matar e volta a fazer o mesmo, manda aterrar o avião no deserto e deixa o sujeito lá para morrer, mas que estupidez de enredo é este!?
A história do filme é absurda e uma trapalhada que não funciona, não se trata da famigerada fórmula cliché de que eu tanto critico no fórum, nem de um enredo juvenil, este caso é outro e trata-se simplesmente de um filme com um enredo estúpido.
Mas o filme merece uma espreitadela por parte dos fãs de ficção científica, enquanto uma curiosidade, nem que seja pelos bons efeitos especiais. É um filme mau, mas ao mesmo tempo curioso pelo aspecto de dar nozes a quem não tem dentes, para vermos como se deita a perder todos os bons meios colocados ao serviço do filme.
Nota: Encontrei estes screenshots na net, não foram tirados por mim.
