Samwise wrote: ↑June 12th, 2018, 11:54 am
Mansildv, não preferes que seja eu a criar estes posts, em vez de serem citações tuas? Não me importo de fazer isso.
Apagas estes dois últimos (três, a contar com este) posts, e eu recrio o conteúdo, transferindo-o do outro tópico para este.
Só estava a tentar compilar tudo no mesmo tópico, mas tudo bem, vou apagar!
mansildv wrote: ↑May 19th, 2018, 7:23 pm
... e se puderes vê o seu filme de estreia, o Bottle Rocket, é simples mas vale a pena
Completei a Primeira Etapa do "projecto WA" ( ) com a visualização do seu magnífico filme de estreia.
Compreendo perfeitamente as razões que o tornaram na altura (e tornam ainda hoje) um produto polarizador, gerando apreciações extremas para um lado e para o outro (o Anderson refere numa entrevista que na sessão de estreia "oficial", havia grupos de espectadores a saírem da sala durante a projecção). Entretanto, com o passar do tempo e com a sua ascensão ao mundo dos "grandes realizadores", o filme tornou-se numa obra de culto.
Este deve ser uma das melhores primeiras obras realizadas por um cineasta de relevo. Acho que ele nunca mais conseguiu nada de tão cristalino, puro, espontâneo e "honesto" na fórmula de representação da inocência das suas personagens, e na sua postura perante a vida, o mundo e "os amigos".
Este filme é um diamante em bruto - ao mesmo tempo um salto de gigante em relação à curta que o antecedeu (e que lhe serviu de génese), e um projecto embrionário onde encontramos referências a muitas características futuras definidoras do seu cinema, ainda que aqui sem aquele polimento lustroso e tecnicamente muito apurado.
Nunca gostei muito do Owen Wilson enquanto actor (acho-o limitado e bastante "canastrão", misto de "good looks" & "lots of bullshit"), mas neste filme está adequadíssimo ao papel (sendo que ele também escreveu o argumento em conjunto com o Anderson).
É uma comédia bastante divertida (para quem gostar deste tipo de humor, obviamente), com diálogos e situações delirantes, e um punhado de sequências que deveriam figurar na história do cinema pela forma como retratam as relações e as emoções humanas (algo que penso que já esteja assegurado, dado o estatuto do Anderson neste momento) - e que é, basicamente, pelo ponto de vista de uma criança. As 3 personagens centrais são adultas, mas têm a mentalidade de crianças, literalmente. A forma como abordam a vida e como se comportam perante o futuro incerto parte sempre desta base (muita inocência e um completo estado de ignorância face aos mecanismos que regem o mundo dos adultos, muita bondade/benevolência/alegria, um espírito de aventura e um optimismo desmesurados que levam por sua vez à elaboração de planos mirabolantes e irrealistas, uma adoração por gadgets e ferramentas - que cumprem a função de brinquedos, muita fé/crença nas qualidades próprias e nas força da amizade para as levar a cabo, e uma resiliência e coragem inabaláveis face às adversidades, e alterações súbitas do estado de espírito que variam entre birras repentinas e um esquecimento completo logo a seguir). Esta assimilação "inocente" do mundo por parte das personagens-criança (em que as crianças que surgem nos filmes são frequentemente mais maduros e inteligentes do que estes adultos-criança) é outra vincada marca de autor do Anderson ao longo da sua filmografia. Há um outro Anderson de grande relevo no cinema contemporâneo, o Paul Thomas, que também lançou uma primeira obra imponente em 1996, e se quisermos fazer uma comparação marota entre dos dois, podemos dizer que enquanto um brinca com bonecos Playmobil, o outro dedica-se à exploração de poços de pretróleo...
O filme aborda várias temáticas - a amizade, o amor, os valores de família, a passagem à idade adulta (que neste caso não chega a ocorrer, porque eles permanecem crianças no final da viagem ) - num vago contexto de crime. Eles são auto-aprendizes de assaltantes (rookies que sonham com "o grande assalto"), começam por roubar a casa da mãe de um deles para praticarem, e a partir daí tentam golpes cada vez maiores.
Para mim é um 10 directo, com todas as imperfeições e superfícies rugosas incluídas (fazem parte do encantamento e da pureza...). Não me espanta que o Scorsese o tenha considerado com um dos 10 melhores filmes dos anos 90. Em boa altura decidi pegar na filmografia do Wes Anderson - porque não tinha ligado nenhuma a este filme anteriormente.
--- Notas adicionais
- O "master schemer" Racional (Owen) vs o Emotivo e impulsivo (Luke)
- O mundo é um caos e necessita de ser "racionalizado", através de regras estruturantes e planeamento minucioso
- Traços de Road Movie / Heist movie (o golpe final é o mais divertido e desastrado falhanço da história do cinema)
- Vida = sequência encadeada de jogos e brincadeiras.
- Não interessa o sucesso dos projectos, interessa viver a experiência (o "sacrifício" final é uma prova)
- Bottle Rocket = pirotecnia - diversão, liberdade, rebeldia, "joi de vivre" contagiante
- As armas são brinquedos - eles não medem as consequências. Compram as maiores e mais barulhentas porque "é giro". Não medem, ou não sabem medir as consequências de nada - arriscam em demasia, e arriscam com entusiasmo.
- Inversão de mentalidades: crianças vs adultos (até os mais velhos - a personagem do Caan recebe-os com uma brincadeira infantil)
- Losers/falhados, inúteis
- Obra sobre a inocência, mas tem um lado negro perturbante (familia disfuncional, armas, bullying, espancamentos)
--- Noah Baumbach entrevista Wes Anderson - conversa sobre o Bottle Rocket:
--- UM ARTIGO assinado por Martin Scorsese sobre este filme
e UM ARTIGO assinado por James L. Brooks contando um pouco da história "behind the scenes"...
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.
«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death
Durante a captura dos primeiros fotogramas deparei-me com um pormenor engraçado. Não tinha dado conta quando vi o filme, mas a determinada altura, e por breves segundos, vê-se um quadro com uma fotografia do Comandante Jacques Cousteau numa parede.
Uns anos mais tarde, a personagem interpretada pelo Bill Murray no filme The Life Aquatic with Steve Zissou é fortemente inspirada no Cousteau, e no filme seguinte, o Rushmore, há um livro escrito pelo Comandante que desempenha um papel importante na narrativa, bem como uma fixação de uma das personagens por peixes e temas marinhos...
Mais alguns fotogramas:
Duas marcas de autor, ainda muito ao de leve: a compulsão por "fazer planos", e os enquadramentos "de cima", focando objectos do dia-a-dia, neste caso um caderno anotado, com caligrafia alinhada e colorida. A caligrafia vai se objecto de muitas abordagens futuras, e funciona como uma componente reveladora do carácter na construção psicológica de personagens.
Irmãos na vida real, amigos inseparáveis no filme, onde compõem uma família "não-biológica".
Testando armas, para utilizar em futuros assaltos, como meio de intimidação. Na verdade, são crianças a brincar. As armas são uma fonte de fascínio.
Outra marca de autor: a geometria urbana e os compartimentos - o apuramento da estética visual vai tornar este aspecto como central.
Romance looms..
I wish you happiness
Uma discussão sobre regras quebradas leva a uma cena de pancadaria dentro do bar.
Parting brothers after lines crossed.
Mais um brinquedo.
A equipa e a fatiota para o assalto final. As cores - outra marca de autor que será explorada até quase ao delírio na obra futura.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.
«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death
Aproveitei a iniciativa do samwise* e resolvi rever o filme de estreia do Wes Anderson
É um filme fabuloso, muito melhor do que me lembrava, com os todos os ingredientes que marcam a sua obra! Adorei rever este filme
* já agora, parabéns pela publicação sobre este filme, está excelente
Estava a olhar para as imagens e a pensar que há irmãos semelhantes a esses no The Royal Tenenbaums, um mais emotivo e um mais racional, mas aí há também uma irmã...
E outra coisa: as armas. O gozo pelas armas parece atingir o zénite da violência no The Life Aquatic, com os combates armados entre tripulantes e piratas, algo que de certa forma corta com as abordagens mais soft dos filme anteriores.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.
«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death