Numa contagiante humanidade e na sua real interacção democrática com os rostos e as vozes da génese artística, Olhares Lugares é um grande documentário sobre a criação, e tudo aquilo que Beuys, artista e filme (também estreado esta semana), não é.
Trata-se também de um road movie alternadamente comovente e divertido, protagonizado por uma das melhores (e mais subestimadas durante décadas) cineastas da Nouvelle Vague, a quase nonagenária Agnès Varda, e o fotógrafo e street artist francês JR.
Varda sempre namorou o documentário, apesar da força emocional, disruptiva, das magníficas ficções Duas Horas da Vida de Uma Mulher (1962) e A Felicidade (1965). Sem Eira nem Beira (1985) reforçava o seu interesse pelas franjas anónimas e pobres do interior de França e, após a morte do marido, esse genial Jacques Demy, o olhar de Agnès concentrou-se cada vez mais nos olvidados, caso dos camponeses de Os Respigadores e a Respigadora, enquanto memória, biografia e preocupações sociais se fundiam numa incisiva gentileza.
Olhares Lugares é um passo natural neste percurso, com Varda e JR a fotografarem gente de aldeias, pastores, carteiros, mulheres de trabalhadores portuários, a força tranquila do país, para os reproduzirem nas paredes da nação. A forma como culmina a tentativa de reencontro com o demiurgo Jean-Luc Godard demonstra bem a filosofia prática e artística desta viagem: o que importa é o percurso, jamais o destino.
Crítica de Pedro Marta Santos/ Sábado
Para esta obra "crepuscular" de (e sobre) Varda (e JR) uma palavra apenas: Extraordinário!