Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Discussão de filmes; a arte pela arte.

Moderators: waltsouza, mansildv

lud81
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 5428
Joined: March 16th, 2001, 6:56 pm
Location: Portugal

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by lud81 »

O CGI no filme do PJ já era notório (no mau sentido) logo quando saiu. Sofre do mesmo mal que o Return of the King, que também tem mau CGI quando comparado com os outros dois LOTR.
Image
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Samwise »

Tem piada que a versão de 33 também faz ponto de honra em mostrar de forma proeminente os grandes (nos dois sentidos) efeitos especiais - não só do Kong, mas dos animais pré-históricos que povoam aquela parte da ilha que ficou presa no tempo. Hoje em dia é quase penoso assistir a tais demonstrações "tecnologia de ponta" em motion-capture, e com truques de sobreposição de imagem para criar as escalas pretendidas, mas imagino que tenham aterrorizado muita gente nos cinemas.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Samwise »

Terminei o primeiro King Kong. Excelente. Merece o estatuto que ainda tem hoje em dia. O filme é muito interessante de muitos pontos de vista, e para lá do "simples filme de monstros gigantes" (que é o que ele é pela base).
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Samwise »

O King Kong de 1933 surpreendeu-me desta vez quase logo desde início, porque identifiquei desde cedo duas narrativas paralelas distintas: aquilo que se passa à superfície, a trama, aquilo que é visual, os diálogos, etc, que é basicamente o modelo narrativo convencional em três etapas de que o Ricardo fala no post do Sorcerer (setup / conflito / resolução); e temos depois "what lies beneath" - a camada de baixo, aquilo que não vemos, mas que joga constantemente com o nosso inconsciente (sub-consciente?), e que nos transporta para os locais mais escuros e assustadores da nossa psique.

Não alheio a isto tudo deve ter sido o facto de a ideia original, as raízes para a história, terem surgido a um dos produtores/realizadores através de um pesadelo: um gorila gigante a aterrorizar Nova Iorque (fonte: wiki).

Consigo já ter uma ideia do porquê de não ter gostado da versão do Jackson, daquilo que me lembro, porque se por um lado se parece o mesmo filme à superfície, a camada de baixo não é a mesma, e não tem praticamente peso ou relevância.

O King Kong é um filme de monstros com alguma acção/aventura, e com um romance de amor algo ingénuo enfiado pelo meio, isto na camada de cima, mas é também um poderoso filme de terror que joga deliberadamente, e de forma muito directa, com alguns dos nossos medos primários, não só de criança mas também de adulto, e com uma componente sexual bem gritante (uso o termo gritante num duplo sentido, pois há o literal - a Fay Wray farta-se de berrar nas sequências mais temíveis e é uma das primeiras "Scream Queens" do cinema - e há o figurado).

Na parte do "setup" o que temos é uma viagem de barco até uma ilha "uncharted", que não está nos mapas, que está rodeada por uma névoa espessa e onde vive uma tribo indígena, com nenhumas ligações à "civilização". Isto corresponde em paralelo, e logo de forma directa, a uma viagem ao nosso inconsciente, aquele que desconhecemos, mas que julgamos que pode não ser lá muito "simpático".

Ora, nessa ilha há uma barreira, um muro gigantesco com uns portões gigantescos, que separa a vila indígena da parte da selva (mais uma vez, há um sentido alegórico para o muro - aquilo que separa a nossa civilidade, a ordem social que conhecemos, daquilo que é desconhecido e tenebroso, e há um portão que de vez em quando se abre para deixar escapar coisas entre os dois lados). Quando a expedição ocidental chega à ilha, os indígenas estão num ritual: preparam-se para fazer uma oferenda ao "Deus Kong". Uma rapariga está a ser preparada como sacrifício. Por esta altura ainda não sabemos quem é o Kong nem por que razão os indígenas estão a fazer aquilo, mas ficamos logo com a ideia de que o muro está ali para os proteger de algo muito terrível, que eles têm de aplacar de tempos a tempos. Os indígenas, por sua vez, ao verem a expedição de intrusos da civilização, trancam olhares de fascínio na heroína da história. A personagem da Fay Wray é uma mulher branca e loira, que contrasta com a pele mais escura dos indígenas. Logo na hora, o chefe da tribo faz uma oferta pela mulher branca. A expedição recusa naturalmente o pedido e regressa cautelosamente ao navio. As intenções adivinham-se: a mulher branca deve substituir a mulher indígena na oferenda ao Deus Kong.

Entramos no segundo acto, a parte do "conflito".

Durante a noite, ao abrigo da escuridão, os indígenas remam até ao navio e raptam a mulher, sendo que após chegarem à ilha retoma de imediato o ritual da oferenda, desta feita com a nova sacrificada. Abrem finalmente os portões e, do lado de lá, antes da vegetação da selva, podemos observar um pequeno altar de sacrifício, onde a mulher será amarrada e aguardará a chegada do ... algo. Os tambores da cerimónia alertam entretanto tripulação do navio, que dá pela falta de Fay e organiza de imediato uma expedição de salvamento.

Kong entra em cena.

Um gorila gigantesco, com uma dentadura afiada e mortífera sempre visível, irrompe por entre as árvores da selva. Um plano de proximidade enquadra a cara do gorila a aproximar-se do altar - entra-nos pelo ecrã adentro - a visão é aterradora. Fay grita o que pode e o que não pode. Os indígenas observam do alto da muralha. Kong remove com precisão as amarras de Fay, agarra com uma mão a mulher que desmaia, analisa com curiosidade a oferta que agora possui, e regressa pelo mesmo caminho por onde chegou. A expedição de salvamento chega a tempo de ver o gorila a afastar-se e rapidamente decidem dividir o grupo. Metade dos homens segue no encalço do gorila, a outra metade permanece junto ao portão, para garantir que os indígenas não os trancam do lado da selva.

Image

Image

Aqui somos confrontados com um dos nossos medos mais primários: os monstros que não conhecemos mas que desde tenra idade nos assustam em pesadelos. O desconhecido dá lugar a algo muito palpável, na forma de gorila gigante, negro, peludo, com uma dentadura temível. Um animal de que não podemos escapar, e que não temos maneira de matar. Mais à frente esta questão da fuga impossível perante um destino violento vai manifestar-se de forma mais intensa nos planos em que Kong segura Fay na mão. Mas aí há outros medos que se intrometem pelo meio - e não apenas o de se ser comido vivo ou ser esmagado por um monstro gigantesco...

A expedição entra na selva no encalço do monstro, e ao entrar na selva entra também num "mundo perdido" que remonta à pré-história da humanidade, quando viviam os dinossauros - mais um passo atrás na civilização, mas um passo em frente em direcção ao desconhecido e à nossa primitividade. Esta parte do enredo faz lembrar as obras de Conan Doyle (O Mundo Perdido) e Julio Verne (Viagem ao Centro da Terra). Os homens são atacados por um Estegossauro (que adormecem com uma granada de gás e matam com tiros), enquanto Kong batalha um Tiranossauro (uma batalha de monstros, para todos os efeitos, que Kong ganha com alguma dificuldade). Os efeitos especiais nesta parte do filme fazem-se notar com mais espectacularidade - e de facto, para a época, o impacto sobre o público deve ter sido grande - seria talvez o equivalente ao Jurassic Park dos nossos dias, mais o factor surpresa por ser a primeira fita a mostrar bestas desta magnitude a batalhar, e em posição de ameaçar o homem.

Kong entretanto descobre que o grupo de homens o anda a seguir e atira-os abaixo do tronco que utilizam para atravessar um precipício (só sobrevive o par romântico de Fay, que continua a seguir Kong). Depois volta a pegar em Fay e leva-a para o seu covil, que é no topo de uma montanha (haha) e de onde pode ter uma vista privilegiada sobre o resto da selva. Daí King - rei da selva - daquela selva, e topo da cadeia alimentar. Ainda terá de se defrontar com uma espécie de lagarto aquático e com um Pteranodon - rei em terra, na água e no ar. É no seu covil que poderá finalmente apreciar e desfrutar da dádiva dos indígenas.

Chegamos então a uma das sequências chave do filme, e uma que respeita a premissa que inicia a história (de uma profecia árabe: "O monstro contemplou a face da bela e deteve-se de a matar. E daí em diante ficou condenado."): Kong pega em Fay e o que faz? Primeiro ponto importante: não a come. Será mais ou menos evidente que foi esse o destino de todas as "oferendas" anteriores. Mas desta vez ele tem em seu poder algo diferente. A rapariga não só tem outra cor, mas tem mais "camandas de pele" a cobrir a primeira - e é para aqui que Kong intrigado dirige as atenções. Do ponto de vista da mulher, temos a tal situação de vivência dos medos mais primitivos. Tem a mão de Kong em seu redor - uma mão que a pode facilmente esmagar a qualquer momento, e tem a boca e os dentes do monstro a poucos metros de distância, um destino que noutras circunstância seria certo. Pior, não pode fugir, está completamente indefesa perante um monstro aterrador. Mas Kong não a esmaga nem a come. Começa antes a acariciá-la com o dedo, e com esse movimento vai retirando as peças de roupa a Fay. Não quero sequer imaginar o que um entendido nos temas de Freud possa dizer sobre esta situação, mas posso sugerir que nada disto é inocente - do ponto de vista das alusões sexuais, o comparativo será, a um nível mais simples, sexo com animais (algo da magnitude do quadro "The Dream of the Fisherman's Wife", por exemplo). É importante também referir que, nesta primeira versão da história, em momento algum a mulher sente qualquer segurança, cumplicidade, empatia ou "amizade" perante o monstro. Não estando a sofrer dor física, está no entanto sempre no limite do medo suportável, desmaiando até várias vezes. Kong não chega a conseguir despi-la toda porque entretanto é distraído pelos barulhos do homem que os seguiu até ali. Surge também nesta altura o Pteranodon, que tenta levar Fay consigo. Kong batalha com o ser alado, e o homem aproveita para salvar e fugir com Fay. Kong, enfurecido persegue-os através da floresta.

Image

O par consegue chegar a tempo de atravessar o portão e dá-se nesta altura um segundo confronto entre Kong e os homens (corpo de expedição e nativos em conjunto), que tentam desesperadamente aguentar os portões contra a investida do gorila. É nesta altura também que podemos ver várias situações de esmagamento e de mastigamento (Kong pega em vários humanos, trinca-os e larga-os de seguida). O grupo de salvação consegue no entanto deter e adormecer o monstro com outra granada de gás. O líder do grupo, e o homem que organizou a expedição, um produtor/relizador de cinema, sabia ao que vinha, e levar o animal de volta para Nova Iorque, que não era bem parte dos planos iniciais, é o cenário que agora propõe à tripulação. Objectivo: exibir o monstro na Broadway (algo que é em si uma meta-auto-referência ao próprio filme e uma reverência humorística ao mundo do show-bizz). End of part II.

Chegamos à terceira parte, a "resolução" do que para trás foi erguido pela história, e ao clímax do filme (e que clímax!!!). Kong é trazido para Nova Iorque e preparado para ser a principal atracção num espectáculo da Broadway. Devidamente preso por correntes de aço, é exibido na noite de estreia perante uma plateia composta pela socialite da altura como "a oitava maravilhada do mundo" (que é até o subtítulo do filme). Portanto, o agente do caos, a materialização de um dos nossos maiores pesadelos é trazida à superfície, pensando que o podemos controlar através do engenho humano. Big Mistake! Em palco, Kong é submetido a uma sessão de fotografias, e a sucessão de flashes enraivece-o a um ponto em que arranja forças para se soltar. A multidão foge em pânico, e Kong sai para a rua novamente atrás de Fay e semeia o caos na cidade.

O que se segue, nestes minutos finais de fita que culminam com a escalada do icónico Empire State Building, é narrativa que ficou impressa a tinta de ouro na história do cinema. São em absoluto algumas das imagens mais marcantes que entram no nosso consciente cultural colectivo quando falamos no poder visionário, criativo e concretizador do Cinema. Talvez que hoje em dia, sujeitos a um constante massacre áudio-visual, estejamos anestesiados perante as imagens de Kong no topo do edifício, a travar uma batalha desigual contra um esquadrão de caças voadores. O rei da selva subiu ao edifício mais alto da cidade, tal com teria subido à montanha mais alta da selva, para reclamar o seu domínio. E por breves momentos Kong foi o Rei de Nova Iorque.

Imaginem o impacto deste final em 1933, quando o mundo girava a "menos rotações", e quando a consciência do cinema ainda não sabia o que era um "Block Buster" - uma expressão que encaixa como uma luva neste gorila gigante (literalmente a partir tudo nos minutos finais de filme) e nesta obra maior da 7ª arte, muito anos antes de Spielberg ter realizado o seu filme de monstros que é considerado oficialmente o primeiro "Block Buster". Spielberg que aliás deve ter gostado tanto de King Kong que aproveita o segundo capítulo de Jurassic Park para também trazer um outro King, desta feita da família dos Tiranossauros, a passear na cidade.

FIM
(desculpem o "testamento", mas fui organizando ideias à medida que ia escrevendo, e então tive de deitar tudo cá para fora. Ainda falta colocar algumas imagens... :mrgreen: )
Last edited by Samwise on December 14th, 2018, 1:21 pm, edited 13 times in total.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
Lorde X
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 2064
Joined: September 19th, 2003, 1:27 pm
Location: Moonbase Alpha

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Lorde X »

Samwise wrote: December 13th, 2018, 2:40 pm Terminei o primeiro King Kong. Excelente. Merece o estatuto que ainda tem hoje em dia. O filme é muito interessante de muitos pontos de vista, e para lá do "simples filme de monstros gigantes" (que é o que ele é pela base).
Vi os 3 Kong na mesma altura, quando foi exibido o do Peter Jackson e, tanto quanto me lembro, fi-lo pela sua ordem cronológica.

O original, de 1933, é uma obra prima. Quando os efeitos especiais são bons, tornam-se intemporais. Por melhores que sejam os efeitos especiais CGI de última geração que os Stars Wars nos têm vindo a oferecer, nada ainda beliscou a reverência e o fascínio que provocam em mim a partida e a aterragem de um Eagle da série Espaço 1999 ... Outro exemplo de que me recordo, assim de repente, é o dos efeitos especiais do The Thing do John Carpenter.

Mas, mais que os efeitos especiais, lembro-me que ter gostado bastante da forma como a história foi contada. Não me recordo de muito, mas dei-lhe 10/10.

De seguida vi o de 1976 e achei-o fraquinho. A única coisa que conservo na memória é esta cena, que acho que já entrou nos anais da história do cinema, embora não pelos melhores motivos... :lol:

Um Kong depravado a apalpar demoradamente a Jessica Lange e a provocar-lhe esgares de prazer... só mesmo visto!!! :mrgreen: Aqueles preliminares, sabe-se lá de quê, acabam por ser interrompidos pelo ataque de uma cobra gigante... será que deve ser interpretada em sentido figurado? :twisted:


lud81 wrote: December 12th, 2018, 8:58 pm O CGI no filme do PJ já era notório (no mau sentido) logo quando saiu. Sofre do mesmo mal que o Return of the King, que também tem mau CGI quando comparado com os outros dois LOTR.
Gostei mesmo muito do King Kong do Peter Jackson, ao qual atribuí, na altura, 10/10. Pode ser que tenha envelhecido mal, não sei... Quanto aos efeitos especiais, lembro-me de ter ficado impressionado com eles.

Recordo-me que os efeitos especiais de um dos filmes da trilogia do LOTR (seria o ROTK?) tinham sido apressados para o filme ser exibido a tempo. Julgo que chegou a ser comentado que esses problemas seriam resolvidos na edição em bluray. Embora possua a trilogia na minha colecção, ainda não a revi, pelo que não sei se ficaram, ou não, na mesma...
Image

Walk on the Sun! Dream on the Dark Side of the Moon!
paupau
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 3633
Joined: January 7th, 2005, 6:13 pm

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by paupau »

Estou a gostar de ler Sam! Filmes de monstros realmente e Kong 33 e godzilla 54. Tem um subtexto e uma riqueza de conteudo que mais nenhum tem.

Como tangente a esta tematica, aconselho o Island of Lost Souls de 32, uma versao Pre Code da Ilha do Dr. Moreau. Um filme muito imteressante e sui generis.

Enviado do meu SM-A510F através do Tapatalk

CC - 174 MoC - 73 BFI - 21
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Samwise »

Lorde X, com esse post já me tiraste uma das dúvidas que tinha sobre a versão de 76 (que só vi uma vez, na televisão, há mais de 20 anos) - até que nível de interacção sexual iam o Kong e a rapariga? Mas não sei se concordo contigo na ideia de que ele lhe está a provocar esgares de prazer. Parece mais de aflição, embora não seja histerismo como na versão de 1933. Mas esta interacção é importante, e é importante ser com um gorila - que é como que uma força bruta descontrolada, imparável e horrenda. Ter um animal desses "interessado sexualmente" por nós não deve ser experiência lá muito agradável ( :mrgreen: ), especialmente se formos mulheres, estivermos em trajes menores, e impossibilitadas de fugir. E é basicamente o que se passa também na versão original. Há um sub-texto sexual sugerido, facilmente percéptivel pelos elementos em cena. De um lado o rei da cadeia alimentar e o alpha-male, do outro uma mulher atraente (ela chegou à ilha num barco só de homens, onde pôde ser ela a escolher o parceiro através do seu charme. Aqui está prisioneira do seu próprio feitiço, e sujeita a um destino terrível...)

Acerca desta ideia, vem à memória a adaptação também original da obra Dr. Jekyll and Mr. Hyde, a do Rouben Mamoulian. Nessa adaptação, a figura do Hyde é em tudo aproximada a um gorila, com uns dentes salientes semelhantes aos do Kong. E o que pretende este meio-homem meio-gorila? Sexo e destruição. A exposição, sem restrições, sem controlo/filtro social, dos instintos mais primários segundo Freud. O filme é bem explícito na demonstração do que ele faz às mulheres que apanha. Ainda vou preencher depois este tópico com imagens ilustrativas.
(EDIT - ver este artigo sobre o livro, sobre o que foi "apagado" para não denunciar tanto a faceta sexual, e a imagem que colocaram do filme : https://www.theguardian.com/books/2012/ ... manuscript)


Ainda não revi a fita do Jackson, mas dá-me ideia de que contém muito pouco terror sub-consciente, e de que o conceito da mulher indefesa e aterrorizada não está sequer presente, ou está apenas durante os momentos iniciais de interacção.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
PanterA
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 2701
Joined: February 21st, 2012, 12:14 am
Location: Viseu

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by PanterA »

lud81 wrote: December 12th, 2018, 8:58 pm O CGI no filme do PJ já era notório (no mau sentido) logo quando saiu. Sofre do mesmo mal que o Return of the King, que também tem mau CGI quando comparado com os outros dois LOTR.
Não me recordo que ele tivesse assim tão mau CGI aquando a sua estreia. Aliás, pelo contrário, até foi algo que me lembro de ter ficado um quanto fascinado na altura que o vi. Agora, visto com os olhos de hoje é realmente penoso.

Quanto ao LOTR, não foi só o 3º foram os 3 nas partes que usaram o CGI. Mas o 3º ficou mais famoso por causa da famosa cena do Legolas com o Oliphaunt. De qualquer das maneiras ainda bem que a trilogia é mais efeitos práticos que CGI.
Lorde X
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 2064
Joined: September 19th, 2003, 1:27 pm
Location: Moonbase Alpha

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Lorde X »

Samwise wrote: December 13th, 2018, 8:02 pm Lorde X, com esse post já me tiraste uma das dúvidas que tinha sobre a versão de 76 (que só vi uma vez, na televisão, há mais de 20 anos) - até que nível de interacção sexual iam o Kong e a rapariga? Mas não sei se concordo contigo na ideia de que ele lhe está a provocar esgares de prazer. Parece mais de aflição, embora não seja histerismo como na versão de 1933.
No início a Jessica parece-me estar na expectativa, embora tenha, desde logo, um gesto algo ambíguo (penteia os cabelos com a mão). Mas entre os 40'' e os 50'', parece-me que está a ter prazer. A certa altura chega mesmo a fechar os olhos e a recostar a cabeça enquanto é massajada pelo dedo do Kong... :-) Por volta dos 55'', quando o Kong tenta despir-lhe o vestido, aí já me parece estar desconfortável, tanto que segura o vestido para que não caia e fica com um ar assustado... ao minuto 1'20'', depois de a ter pousado no chão, ela dá a ideia de estar na expectativa e assustada sem saber o que ele irá fazer... e é então que é "salva" pela serpente... :twisted: Pelo menos é o que me parece... :wink:

Quanto à relação do Kong do Peter Jackson com a Naomi Watts, a ideia com que fiquei é que será mais um amor platónico, mas posso estar enganado...
Image

Walk on the Sun! Dream on the Dark Side of the Moon!
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Samwise »

Post à parte sobre uma sequência muito particular do filme, e a única que me ficou marcada de quando o vi pela primeira vez, há muitos anos (não me lembro sequer da altura). Não é uma cena essencial para a história, mas é uma sequência essencial definidora do medo enquanto conceito primário/inconsciente, com poder para derrubar as nossas barreiras e invadir a nossa esfera pessoal mesmo quando pensamos que estamos "seguros". Esta cena é a materialização prática desse conceito.

Uma mulher dorme sossegada no abrigo do lar (uma estrutura materialmente sólida, bastante forte e resistente) muitos pisos acima do nível do chão. Está completamente descansada pelo facto de saber que está segura - a sociedade e a civilização proporcionam-lhe essas certezas. Mas eis que pela janela espreita um ser monstruoso capaz de a arrancar dessa esfera protectora.

Image

Image

Image

Image
Last edited by Samwise on December 14th, 2018, 11:00 am, edited 1 time in total.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Samwise »

Lorde X wrote: December 14th, 2018, 12:06 am
Samwise wrote: December 13th, 2018, 8:02 pm Lorde X, com esse post já me tiraste uma das dúvidas que tinha sobre a versão de 76 (que só vi uma vez, na televisão, há mais de 20 anos) - até que nível de interacção sexual iam o Kong e a rapariga? Mas não sei se concordo contigo na ideia de que ele lhe está a provocar esgares de prazer. Parece mais de aflição, embora não seja histerismo como na versão de 1933.
No início a Jessica parece-me estar na expectativa, embora tenha, desde logo, um gesto algo ambíguo (penteia os cabelos com a mão). Mas entre os 40'' e os 50'', parece-me que está a ter prazer. A certa altura chega mesmo a fechar os olhos e a recostar a cabeça enquanto é massajada pelo dedo do Kong... :-) Por volta dos 55'', quando o Kong tenta despir-lhe o vestido, aí já me parece estar desconfortável, tanto que segura o vestido para que não caia e fica com um ar assustado... ao minuto 1'20'', depois de a ter pousado no chão, ela dá a ideia de estar na expectativa e assustada sem saber o que ele irá fazer... e é então que é "salva" pela serpente... :twisted: Pelo menos é o que me parece... :wink:
Sim, acho que concordo contigo - pelo menos é sugestivo a esse ponto.

Quanto à serpente ( :mrgreen: ), fico agora a pensar noutra coisa, e que é a sua eventual associação bíblica (embora não esteja a ver por que ângulo - pode mesmo não ser nada...)
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
lud81
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 5428
Joined: March 16th, 2001, 6:56 pm
Location: Portugal

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by lud81 »

PanterA wrote: December 13th, 2018, 10:11 pm
lud81 wrote: December 12th, 2018, 8:58 pm O CGI no filme do PJ já era notório (no mau sentido) logo quando saiu. Sofre do mesmo mal que o Return of the King, que também tem mau CGI quando comparado com os outros dois LOTR.
Não me recordo que ele tivesse assim tão mau CGI aquando a sua estreia. Aliás, pelo contrário, até foi algo que me lembro de ter ficado um quanto fascinado na altura que o vi. Agora, visto com os olhos de hoje é realmente penoso.

Quanto ao LOTR, não foi só o 3º foram os 3 nas partes que usaram o CGI. Mas o 3º ficou mais famoso por causa da famosa cena do Legolas com o Oliphaunt. De qualquer das maneiras ainda bem que a trilogia é mais efeitos práticos que CGI.
Não é só essa cena do Legolas, para mim quase toda a batalha de Pelennor é sofrível. Muito pela palete de cores que de natural tem muito pouco. Entre outras coisas.

Quanto ao KK, já na altura era penoso. A única coisa que foi impressionante foi mesmo as expressões do Kong, que foram uma extensão das técnicas usasas no Gollum. De resto o filme sofre da mesma palete de cores do ROTK e as cenas do grupo a correr debaixo dos brontossauros e mais tarde as minhocas no lago/gruta a comerem-nos nunca foram impressionantes, pelo menos não por boas razões.

E com isto não estou a dizer que não gosto do filme, gostei na altura, sempre gostei e decerto ainda gosto (não o vejo há muitos anos). Mas o trabalho de CGI do filme sempre foi um sore thumb

Tens razão Sam, a vertente mulher indefesa e em perigo não está tão presente no filme de PJ, o que este filme faz é o público empatizar com o Kong realçando a sua solidão na ilha por ser o único da sua espécie e retratá-lo como um good guy com honra, com um bom coração. O filme torna-se muito ternurento devido a essa relação que é criada entre Kong e Anne. Kong é como se fosse, à vez, uma criança e um gigante de bom coração incompreendido, não muito diferente de um John Coffey de The Green Mile.
Image
PanterA
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 2701
Joined: February 21st, 2012, 12:14 am
Location: Viseu

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by PanterA »

Então os meus 15 anos quando vi o KK pela pela primeira vez deve ter alguma importância, porque sinceramente não me parecia tão datados como referes. Já ao LOTR sendo das minhas trilogias preferias de sempre e já ter revisto "N" vezes principalmente as luxuosas EE's, concordo como já tinha referido que o CGI usado é fraquinho aos olhos de hoje, então quando uma dita cena obriga a usar várias camadas de CGI no mesmo trecho é um calcanhar de aquiles lixado.
Samwise
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 6267
Joined: February 19th, 2009, 9:07 pm
Contact:

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Samwise »

Samwise wrote: December 14th, 2018, 12:26 am
Lorde X wrote: December 14th, 2018, 12:06 am
Samwise wrote: December 13th, 2018, 8:02 pm Lorde X, com esse post já me tiraste uma das dúvidas que tinha sobre a versão de 76 (que só vi uma vez, na televisão, há mais de 20 anos) - até que nível de interacção sexual iam o Kong e a rapariga? Mas não sei se concordo contigo na ideia de que ele lhe está a provocar esgares de prazer. Parece mais de aflição, embora não seja histerismo como na versão de 1933.
No início a Jessica parece-me estar na expectativa, embora tenha, desde logo, um gesto algo ambíguo (penteia os cabelos com a mão). Mas entre os 40'' e os 50'', parece-me que está a ter prazer. A certa altura chega mesmo a fechar os olhos e a recostar a cabeça enquanto é massajada pelo dedo do Kong... :-) Por volta dos 55'', quando o Kong tenta despir-lhe o vestido, aí já me parece estar desconfortável, tanto que segura o vestido para que não caia e fica com um ar assustado... ao minuto 1'20'', depois de a ter pousado no chão, ela dá a ideia de estar na expectativa e assustada sem saber o que ele irá fazer... e é então que é "salva" pela serpente... :twisted: Pelo menos é o que me parece... :wink:
Sim, acho que concordo contigo - pelo menos é sugestivo a esse ponto.

Quanto à serpente ( :mrgreen: ), fico agora a pensar noutra coisa, e que é a sua eventual associação bíblica (embora não esteja a ver por que ângulo - pode mesmo não ser nada...)
Lorde X, encontrei uma possível interpretação bíblica para a cena. Pode ser algo forçada, mas faz algum sentido dado o contexto da sequência e o que se vai passando em termos narrativos. Tem a ver com uma das possíveis interpretações para o "pecado original", e que será neste caso a descoberta dos prazeres carnais e o acordar (de Adão e Eva) para a questão da nudez.

Então, nesta sequência, que tem um pendor sexual sugerido, o Kong é tentado eroticamente pela mulher, só que ao fim de algum "foreplay", que não é completamente rejeitado por ela, acaba por não avançar, e pousa-a no chão. Entra em cena a serpente, que no episódio bíblico é o agente catalisador da tentação (convence a mulher a apanhar o fruto proibido e a partilhá-lo com o homem). A serpente dirige-se a toda a velocidade para a mulher, só que Kong não deixa. Não é a mulher que é salva pela serpente (a mulher não chegou a estar em perigo, porque Kong parou deliberadamente os avanços), é antes salva por Kong do ataque da serpente. O que temos é então uma inversão do alegoria do episódio bíblico, que tem agora por objectivo "ilibar" Kong e a mulher do pecado da tentação. Há sem dúvida uma carga sexual na sequência, mas ela serve para nos dizer que o Kong não é um "mau sujeito", como o Lud diz que sucede depois na versão do Jackson. Não cede à tentação de se servir da mulher, e ainda a salva do agente que provocaria a sua queda. A relação entre os dois, que fisiologicamente nunca poderia ser sexual, fica salvaguardada e firmada noutro modelo de enquadramento amoroso.
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

Câmara Subjectiva
Lorde X
DVD Maníaco
DVD Maníaco
Posts: 2064
Joined: September 19th, 2003, 1:27 pm
Location: Moonbase Alpha

Re: Kong: Skull Island (2017) - Jordan Vogt-Roberts

Post by Lorde X »

Samwise wrote: December 14th, 2018, 11:14 am
Lorde X, encontrei uma possível interpretação bíblica para a cena. Pode ser algo forçada, mas faz algum sentido dado o contexto da sequência e o que se vai passando em termos narrativos. Tem a ver com uma das possíveis interpretações para o "pecado original", e que será neste caso a descoberta dos prazeres carnais e o acordar (de Adão e Eva) para a questão da nudez.

Então, nesta sequência, que tem um pendor sexual sugerido, o Kong é tentado eroticamente pela mulher, só que ao fim de algum "foreplay", que não é completamente rejeitado por ela, acaba por não avançar, e pousa-a no chão. Entra em cena a serpente, que no episódio bíblico é o agente catalisador da tentação (convence a mulher a apanhar o fruto proibido e a partilhá-lo com o homem). A serpente dirige-se a toda a velocidade para a mulher, só que Kong não deixa. Não é a mulher que é salva pela serpente (a mulher não chegou a estar em perigo, porque Kong parou deliberadamente os avanços), é antes salva por Kong do ataque da serpente. O que temos é então uma inversão do alegoria do episódio bíblico, que tem agora por objectivo "ilibar" Kong e a mulher do pecado da tentação. Há sem dúvida uma carga sexual na sequência, mas ela serve para nos dizer que o Kong não é um "mau sujeito", como o Lud diz que sucede depois na versão do Jackson. Não cede à tentação de se servir da mulher, e ainda a salva do agente que provocaria a sua queda. A relação entre os dois, que fisiologicamente nunca poderia ser sexual, fica salvaguardada e firmada noutro modelo de enquadramento amoroso.
Gostei bastante de ter a tua análise, que para mim faz todo o sentido!

Agora fiquei curioso acerca de como irás analisar e avaliar este filme... Quando o vi, já há mais de uma década, achei-o fraco, mas também posso ter ficado pela superfície e terem me escapado muitos pormenores...

Mesmo que não se concorde com a tua interpretação, parece-me inequívoco que a presença da serpente não é inocente e que há um significado subliminar que o realizador pretendeu imprimir. Se assim não fosse, teria modelado a interpretação da Jessica num sentido mais convencional...
Image

Walk on the Sun! Dream on the Dark Side of the Moon!
Post Reply