Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK

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No Angel
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRi

Post by No Angel »

THX wrote:
No Angel wrote:Tambem so le o que eles escrevem quem quer, que eu saiba, qual e a diferença?
Nenhuma.
Entao pra que que falaste?! A serio, tu dizes as coisas e depois mudas de assunto totalmente e fica uma enorme confusao!

O teu problema e que achas que a tua opiniao e facto e que ha realizadores/filmes intocaveis, mas ficas a saber que isso e mentira. Mas eu ja disse isto muitas vezes, e ja sei que nao vais perceber.
THX
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRi

Post by THX »

Samwise wrote:Quem perde és tu, porque as pessoas deixam de ter paciência para te responder.
O problema é mesmo esse...
Por vezes já não tenho pachorra para ler determinadas coisas, mas é como dizes, no fim quem perde sou eu.

Mas convenceste-me :wink: , um dia destes ainda vou ler os textos desse Thompson.
Os meus 200 filmes inesquecíveis :
http://www.imdb.com/list/ls077088728/?s ... s077088728
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRi

Post by THX »

No Angel wrote: O teu problema e que achas que a tua opiniao e facto e que ha realizadores/filmes intocaveis, mas ficas a saber que isso e mentira. Mas eu ja disse isto muitas vezes, e ja sei que nao vais perceber.
E o teu problema é ainda não teres percebido o significado de "2001" do Kubrick na história do cinema.
Nem depois de eu ter colocado alguns videos onde Woody Allen, Steven Spielberg, Martin Scorcese, George Lucas, Sydney Pollack e outros tantos nomes sonantes da 7ª arte, falam do enorme impacto e importância que esse filme teve desde a altura da sua estreia, quer-se goste ou não do mesmo.

Eu continuo a dizer-te isto, mas tu continuas a não querer perceber.
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No Angel
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRi

Post by No Angel »

THX wrote:
No Angel wrote: O teu problema e que achas que a tua opiniao e facto e que ha realizadores/filmes intocaveis, mas ficas a saber que isso e mentira. Mas eu ja disse isto muitas vezes, e ja sei que nao vais perceber.
E o teu problema é ainda não teres percebido o significado de "2001" do Kubrick na história do cinema.
Nem depois de eu ter colocado alguns videos onde Woody Allen, Steven Spielberg, Martin Scorcese, George Lucas, Sydney Pollack e outros tantos nomes sonantes da 7ª arte, falam do enorme impacto e importância que esse filme teve desde a altura da sua estreia, quer-se goste ou não do mesmo.

Eu continuo a dizer-te isto, mas tu continuas a não querer perceber.
Eu percebi o significado, tu e que pensas que nao. Nao percebes que o facto de uma obra ser relevante (quer seja um livro, filme, o que for), nao a torna imuna a criticas. Olha o Picasso, eu reconheco-lhe importância e relevância, mas nao gosto muito dos quadros dele. Uma coisa nao implica a outra, mas tu pensas que sim.
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRi

Post by daan999 »

Este tópico fez-me relembrar o meu filme favorito do Kubrik. Adoro a maneira como ele explora a crise entre um casal e o mundo existente de fantasias eróticas. Acho a banda sonora espectacular e na altura até comprei o cd. Tenho o filme em dvd e reparei que existe uma edição especial em blu-ray. Queria-a comparar mas ouvi falar em edições do filme censuradas. A versão portuguesa é integral ou censurada?
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRi

Post by Evil_Djinn »

daan999 wrote:Este tópico fez-me relembrar o meu filme favorito do Kubrik. Adoro a maneira como ele explora a crise entre um casal e o mundo existente de fantasias eróticas. Acho a banda sonora espectacular e na altura até comprei o cd. Tenho o filme em dvd e reparei que existe uma edição especial em blu-ray. Queria-a comparar mas ouvi falar em edições do filme censuradas. A versão portuguesa é integral ou censurada?
Sim é verdade de facto existem versões censuradas podes confirmar aqui: http://www.movie-censorship.com/report.php?ID=853344

Eu comprei esta edição na Amazon UK:

Image

E posso garantir que pelo menos o "Eyes Wide Shut" é a versão *NÃO CENSURADA* Felizmente.
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRi

Post by daan999 »

Obrigado Evil_Djinn. Vou comprá-lo.
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRi

Post by Evil_Djinn »

Existe um tipo na net de seu nome Rob Ager que se assume como um critico de cinema independente, ele tem alguns dvds para venda no site dele e há um que particularmente tenho curiosidade de ver "STANLEY KUBRICK DECODED - VOLUME ONE"

Já ouviram falar disto? Será que vale a pena? Alguma opinião sobre isto?

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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK

Post by Samwise »

Samwise wrote: October 2nd, 2018, 3:12 pm
mansildv wrote: September 25th, 2018, 6:25 pm
mansildv wrote: July 31st, 2018, 11:33 am

Estou mesmo a precisar de rever esse filme :wink:
Consegui, finalmente, rever este filme e, mesmo não entrando para o meu top 3 do Kubrick, é uma obra-prima!
Quais diriam que são as temáticas dominantes do Eyes Wide Shut?
Depois do comentário no "tópico das votações", lembrei-me que em tempos tinha havido conversa sobre o filme. Eu próprio cheguei a comentar o que considerei na altura o foco principal do filme - acho que tenho uma visão mais abrangente nesta altura, sem propriamente discordar do que mencionei (as "fissuras matrimoniais" são um dos temas em escalpelização - ou antes, um ponto de partida para a perspectiva social mais abrangente). Entretanto tornei a ver algumas sequências, só para refrescar a memória (não, não são essas que vocês estão a pensar :twisted: ), e acho que vou agora ver o filme de uma ponta à outra.
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK

Post by Samwise »

Estava a ler nos comentários para trás, e na conversa com o Ludovico, a comparação, entre aspas, deste filme com o Cenas da Vida Conjugal, de Bergman, e se é verdade que ambos se centram no matrimónio e na estrutura/tecido social que a partir dele se ergue (e se afunda), a abordagem de Kubrick não é analítica, nem vai ao fundo na tentativa de esmiuçar o que vai na cabeça de cada personagem em cada situação, é antes uma denúncia muito mais directa e frontal da hipocrisia e da decadência moral da sociedade ocidental, uma espécie de "tomem lá na cara", sem filtros e sem papas na língua - um filme capaz de chocar (ainda hoje) alguns espíritos mais conservadores e puritanos. A festa no início do filme larga logo duas ou três bombas de fragmentação nos "bons costumes".

A sequência do "baile de máscaras" é a encenação da ironia suprema. Somos educados segundo princípios morais socialmente trabalhados ao longo de séculos (há um diálogo que fala nisto, de passagem), e mantemos papéis sociais e relacionamentos ajustados à manutenção do "bom funcionamento" comunitário, mas no fundo apenas uma camada muito frágil de verniz - que Kubrick compara a uma encenação forçada, uma prisão imposta pela sociedade/educação, mas com oportunidades de escape disponíveis ao virar de cada esquina - nos separa da bestialidade e do caos. No baile de máscaras, usam as máscaras físicas precisamente para se libertarem das máscaras sociais. Uma quase aplicação directa do princípio a dupla negação: uma máscara para sobrepor à outra máscara e para reverter assim o processo de disfarce originalmente imposto, devolvendo-nos a "verdadeira" natureza do ser, sem condicionalismos sociais. Só ao abrigo do anonimato podemos ser "verdadeiros". Aquela monumental orgia nunca poderia ser experimentada/vivida pelas mesmas pessoas sem as máscaras, a vergonha e o ultraje seriam insuportáveis.

É neste contexto que é largado um muito ingénuo e bem intencionado Tom Cruise, que após uma revelação da mulher Nicole Kidman («... And I thought that if he wanted me, even if it was only for one night, I was ready to give up everything: You, Helena, my whole fucking future. Everything.») começa a ser atingido pela dúvida e pelo ciúme, e começa deliberadamente a deixar cair alguns dos mecanismos de protecção contra tentações.
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK

Post by Samwise »

Já vi entretanto o filme de uma ponta à outra e partilho mais uns rabiscos dispersos:

Continua a fascinar-me enormemente, mas continuo a achar também que não é o filme mais consistente e equilibrado do Kubrick. Mas sei também que não o consigo compreender na totalidade, no sentido de não conseguir encaixar as peças todas para fazer o puzzle - parece-me que há muitas vertentes de análise social, quer particular, quer colectiva, que se juntam todas no mesmo espaço narrativo, e que essa junção nem sempre favorece o conjunto.

Não consigo entender a perspectiva feminina que o filme apresenta, mesmo tendo em conta que há várias personagens femininas em vários contextos completamente diferentes. Talvez não haja mesmo uma "mensagem", ou uma moral sobre a situação da mulher, mas faz-me alguma confusão.

Também considero que as várias "peripécias" por que a personagem do Cruise passa ao longo do filme tornam a coesão do filme mais difusa, com a "peça central", a tal festa/orgia de máscaras a roubar quase na totalidade a atenção que dedicamos aos outros momentos. O Cruise é assediado a torto e a direito ao longo do filme todo - qualquer cena em que aparece, lá está alguém a fazer-se a ele. Começa logo na festa inicial, com aquelas duas raparigas que o tentam arrastar para um local mais reservado, com intenções facilmente perceptíveis (enquanto isso, a mulher também é fortemente assediada pelo cavalheiro húngaro). Depois é a filha do doente que ele acompanha (e que morreu), que lhe confessa que o ama, que tem um noivo com quem não quer casar, e que chega até a beijá-lo (parece-me uma coitadinha que de repente, por conta da morte do pai, se vê aprisionada numa situação de casamento que não tem coragem de terminar). Depois é a filha menor (?) do vendedor de disfarces, que lhe faz "olhinhos" em duas ocasiões (ocasiões essas em que acabou de participar num fetiche sexual com dois tipos orientais bem mais velhos). Na rua, claro, a prostituta que o assedia e que o leva para o quarto, e mais tarde a companheira de quarto dela, que também o tenta. E há ainda o tipo da recepção da recepção do Hotel que - aqui sim - através da expressão gestual se vê que é homossexual e que se atira ao Cruise descaradamente (o porquê disto, ultrapassa-me - e apenas acrescenta à aura de estranheza do filme todo).

Percebo que o filme tem evidentemente um contexto de "fricção" matrimonial condimentado com a questão do ciúme, e da resposta, através da traição, a esse ciúme. Mas parece-me um pouco excessivo esta acumulação de situações de tentação, cada uma mais estranha que a anterior, com o baile de máscaras a servir de cereja no topo do bolo.

Quanto a esta festa de máscaras em particular, parece-me que o mistério todo que a encobre, ou os mistérios, porque são vários, e de variada ordem de importância, contribui mais para desviar o assunto da questão matrimonial do que outra coisa qualquer, ainda que tenha sido este evento que leva mais tarde o Cruise a ter de se "desbroncar" perante a mulher (quando chega a casa e tem lá a máscara em cima da almofada). Muito se especula sobre os pormenores de tal festa, das simbologias ocultas, e de quem são as pessoas por detrás das máscaras (algumas seriam as mesmas que estavam na festa no início do filme), mas sinceramente não me importam muito esses pormenores. A festa em si, com os rituais e com o requinte todo da encenação, é um ponto central do filme, mas como é que isto encaixa no problema matrimonial do Cruise?
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lud81
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK

Post by lud81 »

Eu também não sei encaixar todas as peças do puzzle, mas essa tua última pergunta acho que sei. Encaixa no problema matrimonial "apenas" no sentido que ele, na sua aventura despoletada pela conversa com a mulher, mergulha num mundo que desconhecia por completo e que se revela areia de mais para o seu camião. Ele sai de casa com o sangue a ferver e aos poucos fica como que determinado a ter um caso extra-conjugal, mas acaba sempre por falhar todas as tentativas, seja por destino ou por "inépcia" da sua parte, porque no fundo ele não é pessoa de trair.
Para mim, o tema do filme é esse. Ele, apesar de ser desejado a torto e a direito por toda a gente, no fundo é um gajo fiel à sua mulher e simplesmente não tem na sua personalidade a traição. E nas suas desventuras entra num mundo que não é para pessoas como ele (a mansão) e quase se sai muito mal.
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Samwise
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK

Post by Samwise »

Concordo com a tua análise. Ele sai mesmo "fora de pé" e quase se "afoga".

Considero à mesma que o baile das máscaras ocupa demasiado peso no conjunto, tanto que já depois da ocorrência continua a gerar bastantes deambulações narrativas (com ele a tentar perceber o que se passou ao certo, quem eram os "hosts"/donos da mansão, onde está o amigo e a rapariga que o "safou", e ainda a ser interpelado pelo Pollack por causa da ousadia)- e desvia, de certa maneira, a atenção para essas peripécias. Isto tudo é paralelo à trama conjugal, ainda que esteja interligado pelos efeitos causa-consequência.
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José
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK

Post by José »

Revisto recentemente. Bem, apesar do filme já ter mais de 20 anos, tudo o que considero ser relevante ficará em SPOILER, não quero "estragar" nada a ninguém. É apenas a minha interpretação. Como já tinha referido algures aqui no fórum, "Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados" é uma obra tão complexa e enigmática, um thriller psicossexual repleto de camadas tão intrincadas que, a cada visionamento, construímos sempre um novo "olhar" (passo a redundância).

O título, por si só, já dá uma pista acerca de um dos temas que o filme aborda. Mas já lá iremos. Apetece-me ir antes ao título do primeiro filme realizado por Kubrick - mais tarde por ele renegado: "Fear and Desire - Medo e Desejo" (1953). Essa ideia surge reflectida no filme de 1999: o medo e o desejo a andarem lado a lado, de mãos dadas; o facto do terreno de areias movediças que nos amedronta ser também aquilo que mais nos fascina, nos seduz - a tal lógica do fruto proibido poder ser o mais apetecido.


É certo e sabido que o filme aborda as questões da fidelidade, da traição, da tentação, da ilusão da confiança no outro e na confrontação com os fantasmas que circulam no espaço conjugal e dos quais não se tem/tinha noção - por ingenuidade, crença absoluta na segurança da relação matrimonial, por verdadeira alienação emocional, etc, etc, etc. Mas é também uma crítica acérrima à passividade – neste caso, eminentemente masculina -, aos labirintos da conivência e da cumplicidade mais abjecta. Daí a importância irónica do título, como que a querer sugerir: “olha ao teu redor, vê, apercebe-te mas não te esqueças: mantém-te de olhos bem fechados!”


As duas festas são diferentes em termos superficiais, mas semelhantes na sua essências: ambas são verdadeiros “bailes de máscaras”, de maquinações relacionais e emparelhamento; na primeira, percebe-se de imediato que aquilo é palco para uma subtil sedução predatória, promessa de sexo e promiscuidade, consumo de drogas pesadas e álcool, etc, só que essas coordenadas são ali moralmente aceites e toleráveis porque se encontram revestidas de um embrulho aparentemente elegante e sofisticado, da nata da sociedade (a Alice chega a perguntar: “Porque é que nos convidam para estas festas todos os anos?”); na segunda festa, tudo é desfiado até à sua mais básica essência, onde já não se está para grandes rodeios nem qualquer tipo de convenção – é a mais rotineira mercantilização dos corpos e do desejo, irracional, animalesca, primitiva, onde as máscaras são agora usadas, literalmente, na cara.


A personagem de Tom Cruise, Bill, é alguém que parte para a sua jornada numa tentativa de ser tão transgressor quanto a mulher o foi com a sua confissão de quase adultério mas que cedo percebe que tudo à sua volta é “areia a mais para o seu camião”, sujo, moralmente corrompido e degradante. São territórios novos que o transcendem por completo, ele que tem vivido numa “bolha higienizada” a todos os níveis. É casado com uma Alice, é certo, mas é ele que cai na toca do coelho rumo ao "país das maravilhas".


Se formos a ver bem, a conivência e cumplicidade desconcertantes (dele para com os outros e entre as várias personagens), aliadas à passividade, estão presentes em quase todos os contactos sociais que presenciamos ao longo do filme:

- Na festa inicial, Bill socorre a jovem modelo à beira da overdose, mas não a leva ao hospital, não requisita nenhuma ambulância, nem sequer chama posteriormente o dono da casa à razão para saber mais, se aquilo acontece com regularidade, para que episódios daqueles não se repitam;

- A Alice, após o seu desabafo fortíssimo, conta com o silêncio dele e a ausência de perguntas – e, provavelmente, que ele assimile aquilo tudo, passe à frente e nunca mais traga essa conversa à tona;

- Ao auxiliar a mulher que acabou de perder o pai, fica a saber do amor dela por ele e não tenta resolver aquilo de maneira mais eficaz, nem sequer indo abrir o jogo com o noivo dela (mais tarde, liga lá para casa, o noivo atende e Bill desliga de imediato assim que percebe que foi ele que atendeu a chamada);

- Relativamente à prostituta, fica a saber pela amiga que ela testou positivo para HIV e raspa-se de fininho, dando o “assunto” por enterrado;

- Quanto à filha do vendedor de fatos de disfarce, nunca faz por denunciar a evidente exploração e abuso infantil que lá decorre (a única coisa mais significativa que diz é, no dia a seguir, ao pai da rapariga: “Você ontem tinha ficado de chamar a polícia!”, ao que o pai responde qualquer coisa como “Conseguimos chegar a um entendimento; você também pode beneficiar desse entendimento, se é que me entende…”);

- No caso do Recepcionista de hotel, não o chama à razão por este não ter tomado uma atitude mais proactiva ao se ter apercebido que algo de estranho se passava com o pianista amigo de Bill – que trazia, inclusive, a cara magoada quando chegou ao hotel pela noite dentro;

- Sobre a festa da parte final, nunca denuncia nada nem ninguém, guarda para si mesmo – mesmo tendo noção que a Mandy/Amanda Curran morreu na sequência do que por lá se passou depois de lhe ter safo a pele, de se ter oferecido como sacrifício – quer acreditemos que isto tenha sido real ou encenado, ele nunca tenta deslindar nada;

- Na confissão final de Ziegler, em que as coisas são mais ou menos clarificadas a traço grosso, mais uma vez engole, assimila e segue para bingo;

- Na cena final, na loja, o casal consegue comunicar saudavelmente e assume, por fim, que o que têm a fazer é lidar com o que vivenciaram – quer tenha sido real (caso dele) ou sonhado (caso dela) - , integrar isso e seguir em frente. A solução? Bem, digamos que a solução passa por uma outra plataforma de entendimento, mais carnal, à flor da pele, urgente, quanto mais não seja para evitar outros possíveis “desvios” no futuro que podem dar bronca, muita bronca.



Tendo em conta os mais recentes episódios trazidos a lume pelos movimentos “Time’s Up” e “Me Too”, estes pontos temáticos ganham especial relevância – perante isto, chego a pensar ainda mais naquilo que se sempre se ouviu ou leu sobre o filme, relativamente às dificuldades que Kubrick terá enfrentado nos bastidores aquando da produção de tão fascinante objecto cinematográfico…
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Re: Eyes Wide Shut - De Olhos Bem Fechados (1999) - S. KUBRiCK

Post by Samwise »

Põe enigmática nisso! :mrgreen:

Podemos considerar que o filme é um olhar de autor - eminentemente Kubrik - sobre a tentação e o desejo durante e perante um caso de dúvida conjugal.

Ainda não li, mas vou ler os teus apontamentos atenção, José. yes-)
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