Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

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rui sousa
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Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by rui sousa »

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Um dos expoentes máximos do movimento neo-realista do cinema italiano, «Ladrões de Bicicletas» é um belíssimo filme e uma das grandes obras primas humanas da Sétima Arte. Num estilo que tinha como prioridade o relato da realidade tal como ela é, sem serem acrescentados quaisquer tipos de artifícios artísticos à história e ambiente a ser filmado, esta obra dramática consegue cumprir essa regra do género que caracterizou o cinema europeu do pós-guerra, continuando ainda, na atualidade, a comover, visto que possui um tipo de sensibilidade que não é piegas, mas sim muito realista e carregada de simplicidade (tal como toda a história da obra).

«Ladrões de Bicicletas», uma obra belíssima realizada por Vittorio de Sica e que definiu todo um género, é o retrato puro e duro de um país devastado e empobrecido pela Segunda Guerra Mundial. A comovente história de um Pai desesperado por não perder o emprego depois de ter perdido a bicicleta que utilizava para o mesmo mostra ser um bom motivo de comparação com o nosso tempo e com as dificuldades que a crise põe a cada um de nós. Esta obra mostra também os valores, ideias e perspetivas de vida de uma Itália atrasada e devastada pela II Guerra Mundial. Destaque para os pormenores que nos permitem identificar a miséria da época em que decorre o filme: por exemplo, quando Antonio vai a uma loja dar os lençóis de casa em troca de algum dinheiro, para depois poder buscar a bicicleta, necessária para obter o seu emprego. Quando o lojista vai guardar os ditos, vemos o grande "armazém" de lençóis deixados por pessoas que, na mesma situação de Antonio ou numa pior ainda, apenas quiseram garantir a sua sobrevivência na cidade.

Acho caricato que o filme, na altura em que estreou, tenha sido muito criticado pela sua visão mais pessimista da realidade italiana. Os críticos arranjam, em certas alturas, argumentos muito pouco válidos para contestarem a sua opinião sobre certos e determinados filmes, misturando mais a sua opinião sobre certas particularidades ou do estilo de uma fita, do que propriamente da sua qualidade (e que em «Ladrões de Bicicletas», é inegavelmente excelente). E numa situação contrária, hoje em dia os críticos italianos queixam-se, por exemplo, do excesso de otimismo com que a Itália é retratada no Cinema, em filmes como a mais recente comédia de Woody Allen, «Para Roma com Amor», uma obra que, a meu ver, tem levado demasiada pancada dos cinéfilos. Contudo, apesar de alguma negatividade da crítica europeia, o filme foi logo abertamente elogiado por especialistas e não-especialistas da Sétima Arte, tendo sido eleito, poucos anos depois, como o melhor filme de todos os tempos da primeira edição da famosa lista da Sight and Sound, destronado em 1962 por «Citizen Kane», cujo reinado durou até à última edição do top, quando «Vertigo» tomou de assalto o primeiro lugar.

Existem muitos diálogos sobrepostos no filme que são, na sua maioria, impossíveis de acompanhar ao mesmo tempo. Mas estes não são necessários para se compreender bem esta magnífica fita. O neo-realismo trata mais da estética e das emoções reais das personagens do que propriamente a consistência das falas dos intérpretes. Conseguimos entender mesmo assim todo o filme e refletir, à nossa maneira, nas questões que o mesmo coloca em toda a sua curta duração. As expressões dos atores, principalmente do Pai e do filho protagonistas do mesmo (e que têm uma ligação muito eternecedora, e que me fez recordar, por variadas vezes, a dupla desse maravilhoso filme que dá pelo nome de «A Vida é Bela»), são suficientes para percebermos o que se está a passar. A história de Antonio, a sua demanda em busca da bicicleta perdida e que lhe irá custar um emprego, trata-se de uma situação que era algo vulgar naquela época, mas da vulgaridade se fez Cinema, e ficámos com um testemunho de vida que se tornou imortal na Sétima Arte através deste filme tocante, inteligente e emocionante. E que, sendo simples, esta história foi contada de uma maneira que mudou para sempre a forma de se transpor a realidade para o grande ecrã.

Por fim, gostaria apenas de elogiar a bonita e excelente banda sonora desta obra, que ajuda muito a carga emocional do ambiente, da história e das personagens, aproximando-nos ainda mais da ação de «Ladrões de Bicicletas», daquele Pai desesperado e pobre, e daquela época, triste e inglória para a Itália e muitos outros países que ficaram devastados pela II Guerra Mundial. Um filme obrigatório, repleto de sinceridade, humanidade e honestidade. E neste ano de 2013, acabadinho de estrear, em que temos muitas incertezas em relação ao futuro do país e em relação às condições económicas que Portugal terá de enfrentar, o seu visionamento torna-se ainda mais essencial.

* * * * *
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by Cabeças »

Mais uma excelentíssima crítica, Rui Sousa! salut-)

Confesso que ainda não tive oportunidade de ver este filme. :-(
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rui sousa
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by rui sousa »

Obrigadíssimo Cabeças! yes-)

Vale muito a pena. Eu percebo que talvez muita gente não consiga ver a excecionalidade que eu vi em «Ladrões de Bicicletas», mas acho que são 90 minutos muito bem passados. É um filme que tem uma carga dramática considerável, e que tenta sempre não fugir à realidade, algo que eu acho que faz na totalidade. E o youtube está repleto de versões completas do filme para visionamento, visto que é do domínio público. Deixo aqui duas, uma com legendas em inglês e outra em português:



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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by Cabeças »

rui sousa wrote:Obrigadíssimo Cabeças! yes-)

... o youtube está repleto de versões completas do filme para visionamento, visto que é do domínio público. Deixo aqui duas, uma com legendas em inglês e outra em português:
Muito obrigado, não me tinha apercebido!

Agora não me escapa! :p
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PanterA
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by PanterA »

Depois de ver o Umberto D. não consigo dizer qual dos 2 é que gosto mais.
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by paupau »

O melhor do de Sica é a sua honestidade e compaixão para com as suas personagens, a forma como consegue pegar em situações mundanas, vulgares, e transcendê-las para obter verdades universais, intemporais e com que todos nos identificamos.
Além disso, na fase do pós guerra e mais inicial da sua filmografia, que é a que conheço, não dourava a pílula, e o destino das personagens podia ser bem cruel, mas sempre credível, não há cop outs nem fugas para a frente. Neste ponto, a reconcialiação pai/filho do Ladrões será o seu final mais optimista ( um dos melhores do cinema na sua extrema simplicidade, mas poderossíssimo no seu efeito), ao contrário de Umberto D, Shoeshine e Children are Watching Us, em que em todos fica uma sobra sobre o que será o seu futuro.

As melhores cenas nestes filmes são obtidas com pormenores extremamente simples, como essa cenas dos lençóis em que a câmara sobe, sobe, sobe...Não é preciso relatórios de dezenas de páginas para retratar o estado atual de um país, não foi preciso mais nada para mostrar as condições de vida em Itália no pós-guerra. Ou quando Umberto D é forçado a mendigar pela primeira vez, o braço envergonhado, junto ao peito, a mão estendida à espera da primeira moeda, e que involuntariamente se vira no último momento, quando se apercebe que irá adbicar da réstia de dignidade que lhe resta.

E de seguida, ainda vem a cena do cão com o chapéu na boca...Admirável a forma como é permitida a estas personagens manterem a sua dignidade perante as piores adversidades, e com um pequeno gesto ou olhar, fazem-nos acreditar que o amanhã será melhor.

Faz lembrar a Noriko do Tokyo Story do outro cineasta que acho que consegue manter este equilíbrio de serenidade resignada face às dificuldades da vida, Ozu: "A vida não é decepcionante?"
CC - 174 MoC - 73 BFI - 21
JoséMiguel
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by JoséMiguel »

Ora bem, eu quando vi o filme há uns anos, não me apercebi da importãncia histórica no cinema que ele teve.

O pessoal já me conehce pela divulgação do cinema soviético, quando escrevi um artigo sobre o cinema soviético, fui 1º pesquisar os diferentes tipos de censura cinematográficas nos EUA, URSS e Portugal, pois achei bem escrever um parágravo sobre o assunto.

Este filme, Ladrão de Bicicletas, é considerado históricamente o atirar da 1ª pedra do cinema da europa ocidental, contra a censura religiosa Norte-Americna. Li que este filme italiano, violou o código de censura dos EUA, por conter uma cena em que uns homens conversam com prostitutas na rua, a cena não tem nada de obsceno ou sexual, mas era proibido nos EUA, por admitir a existência de prostitutas.

A seguir a este, seguem-se outros filmes europeus, também distribuídos nos EUA, fora das garras da troika católica-protestante-mormon, que criou o Production Code (censura religiosa no cinema), incluindo um filme sueco (se não estou em erro), que é o 1º a conter uma cena de nudez topless. Desta forma, o cinema ocidental europeu levou à queda do Production Code, em 1968, sendo substituído pelo MPAA Rating, que é ainda mais horripilante para um europeu, pois faz lembrar a idade das trevas e a inquisição, por exemplo o Popeye já não pode fumar o seu cachimbo, pois contém referências a Tabaco, e o oficial médico alcoólico da saga Space Battleship Yamato, dos anos 70, passa a beber "água mineral", em vêz de saké.

Eu realmente ainda não revi o Ladrão de Bicicletas, desde que tive conhecimento do escândalo que foi a censura do cinema norte-americano (e ainda é), e por isso comentarei sobre o filme mais tarde, quando o rever.

Se alguém estiver curioso acercas da censura no cinema, deixo o link para o meu artigo, que inlcui a diferença entre Portugal e Espanha, Franco vs Salazar, e a explicação para nós legendarmos os filmes e os espanhóis dobrarem-nos, ambas as situações obrigatórias e publicadas em Lei, nos 2 países, durante as ditaduras:

http://forum.dvdmania.org/viewtopic.php?f=11&t=46500
JoséMiguel
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by JoséMiguel »

A seguir ao meu comentário anterior, estive a rever o filme, no link do you tube que o Rui Sousa apresentou.

Confesso que fiquei perturbado, ao vê-lo agora. A 1ª vez que o vi não existia a crise europeia, e a realidade do pós-guerra aqui retratada era apenas parte de uma história longínqua, que não sonhava que voltasse a ocorrer na europa. Sabemos pela história que existiu uma luz ao fundo do túnel, e pouco tempo depois da época em que o filme foi feito, existiu grande prosperidade. Mas a crise actual não tem essa luz ao fundo do túnel, e caminha para um cenário pior do que a Itália de 1948.

Quanto ao filme, é uma bofetada na cara ao cinema falso de Hollywood, que por definição é um mau cinema, baseado em cenário de estúdio que falsifica a realidade, e nem sequer tenta fazer cinema minimamente credível. Aqui 99% do filme é filmado na rua (tirando uma cena de 1 minuto dentro do camião). Os actores são altamente realistas e credíveis (são amadores), e dão um baile aos actores galardoados com óscares, em particular o rapazinho, que é actor de 5 estrelas, anos-luz à frente daqueles actores-criança irritantes e imbecis, estrelas de Hollywwod.

Destaque para uma cena, em que o miúdo partilha um jarro de vinho com o pai, num restaurante. Alto escândalo para a cultura norte-americana, mas não queiramos adulterar ou ocultar a história, se na altura o menino podia beber vinho no restaurante, é isso que deve ser mostrado, e não dobrar na língua inglesa e substituir a palavra "vinho" por "gasosa" ou algo assim.

Filme 5 estrelas, pionneiro e muito à frente do seu tempo, devido a não sofrer das falsidades "politicamente correctas" do cinema americano, aguentará bem o teste do tempo, e poderá ser apreciado nos próximos séculos. Recomendado apenas para uma audiência já com uma certa idade, que não valorize os filmes modernos, e esteja à procura de algo com mais mérito e conteúdo.
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by grayfox »

JoséMiguel, vives nos USA? é que não entendo qual a relevância das censuras que eles por lá fazem a não ser que estejas restrito a ver as versões deles. da mesma maneira não entendo como é que se pega num filme neo-realista italiano e se passa o tempo todo a mencionar quão mau é o cinema americano, o que é que uma coisa tem a ver com a outra?
JoséMiguel
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by JoséMiguel »

Grayfox, tens alguma razão, mas repara que quer o nosso país, quer este fórum, são dominados pela fábrica de filme norte-americanos.

Este filme é considerado mundialmente um pilar, na luta contra a censura do cinema norte-americana, vê aqui o wikipedia:

http://en.wikipedia.org/wiki/Motion_Pic ... ction_Code

"Demise of the Production Code

Hollywood worked within the confines of the Production Code until the late 1950s and the movies were faced with very serious competitive threats. The first threat came from a new technology, television, which did not require Americans to leave their house to watch moving pictures. Hollywood needed to offer the public something it could not get on television, which itself was under an even more restrictive censorship code.[citation needed]

In addition to the threat of television, there was also increasing competition from foreign films, such as Vittorio De Sica's Bicycle Thieves (1948), the Swedish film Hon dansade en sommar (English title: One Summer of Happiness) (1951), and Ingmar Bergman's Sommaren med Monika (Summer with Monika) (1953). Vertical integration in the movie industry had been found to violate anti-trust laws, and studios had been forced to give up ownership of theatres by the Court in United States v. Paramount Pictures, Inc. (1948). The studios had no way to keep foreign films out, and foreign films were not bound by the Production Code. (For De Sica's film, there was a censorship controversy when the MPAA demanded a scene where the lead characters talk to the prostitutes of a brothel be removed, regardless of the fact that there was no sexual or provocative activity.)"

Nunca meti os pés nos EUA, sou português e cresci com a RTP1 e RTP2, que passavam maioritariamente cinema norte-americano, que aliás é o cinema mais discutido neste fórum. Se consideras que o pessoal do fórum que gosta de filmes, não está interessado em saber mais acerca da história dos filmes, de que tanto falam aqui, não contesto a tua teoria, eu apenas pretendi dar mais informações sobre o impacto mundial, que esre filme específico teve na história do cinema italiano, norte-americano e europeu, conforme aprendi no wikipédia.

No entanto, eu admito que que não gosto de cinema de estúdio (com falso cenários em vez de filmagem no local), simbolizado pelos estúdios de Hollywood, e foi por isso que chamei "mau cinema" a Hollywood. Isto tem haver apenas com o meu gosto pessoal, e aqui sim, podias ter criticado à vontade e com 100% de razão. Mas a verdade é que o Ladrão de Bicicletas é conhecido por ter feito frente á censura norte-americana, como o Rui Sousa não referiu isso, achei bem dar a indicação, de resto já apresentei aqui o excerto do wikipédia sobre a questão, não sei mais o que possa dizer.

Update: Após escrever este comentário, fui a esta secção do fórum e li um tópico novo pela No Angel, acerca do filme de 1967 Bonnie and Clyde, ela referiu que o filme foi pioneiro e ponto. No entanto ela não referiu que foi a morte do Production Code, que permitiu esse pioneirisimo, e quem não tenha lido o artigo do wikipedia, com a listagem de todas as proibicões da censura (um beijo durar mais de 3 segundos, etc.), não percebe o que tornou possível esse pioneirismo (Que começou com o Ladrão de Bicicletas), e se calhar julga que os cineastas lembraram-se de ser pioneiros por belo prazer, porque lhe apeteceu. Nada disso! Se eu referi o Production Code, é apenas para o pessoal perceber a explicação e lógica para a história do cinema. E assim poder entender a crítica que a No Angel fez do filme Bonnie and Clyde. Eu não fiz nenhum comentário no post dela, mas macacos me mordam, se o que acabei de escrever aqui, não enriquece quem for ler o post dela (em termos de enquadramento do filme, na história do cinema):

http://forum.dvdmania.org/viewtopic.php?f=11&t=46623
grayfox
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by grayfox »

esclarecido :)
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by waltsouza »

Vou ver este filme hoje à noite, com uns amigos, depois de uma bela jantarada e um "Manchester City-Real". :biggrin:

Já oiço falar deste filme ao tempo, deve ser o filme mais badalado de Vittorio de Sica, chegou a altura de lhe passar a vista por cima.
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by JoséMiguel »

waltsouza wrote:Vou ver este filme hoje à noite, com uns amigos, depois de uma bela jantarada e um "Manchester City-Real". :biggrin:

Já oiço falar deste filme ao tempo, deve ser o filme mais badalado de Vittorio de Sica, chegou a altura de lhe passar a vista por cima.
Isto basicamente é o símbolo do Neo-Realismo Italiano, que foi sol de pouca dura no cinema italiano e estranhamente está totalmente associado ao comunismo, enquanto ideologia. Em 1948 ainda não tinha surgido a corrente do Realismo no cinema de Leste (foi preciso o Estaline morrer em 1953, para libertar o cinema de leste), mas infelizmente a fase do Realismo morreu cedo no cinema italiano (e depois tornou-se a imagem de marca do cinema de leste).

A vantagem e qualidade desta corrente, que poderás ver no "Ladrão de Bicicletas" é a competência e profissionalismo dos actores (não-profissionais, não-vedetas) em simultâneo com filmagens em locais reais (sem estúdios). No fundo a definição do realismo são estas duas coisas. :-D

Agora compara esta qualidade com a estupidez do cinema americano da época ou com a estupidez do cinema português dos anos 80 (os actores portugueses eram gajos do teatro que declamavam versos em vez de simularem pessoas normais a falar)... :wink:

Basicamente é isto que eu tenho a dizer, no caso de eu ainda ir a tempo antes de ires ao cinema ver o filme. :-)

Já agora, depois diz o que achaste do filme...
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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by Samwise »

JoséMiguel wrote:Agora compara esta qualidade com a estupidez do cinema americano da época ou com a estupidez do cinema português dos anos 80 (os actores portugueses eram gajos do teatro que declamavam versos em vez de simularem pessoas normais a falar)... :wink:
Posso meter a colher? :mrgreen:

Considero que cada estilo/corrente/região tem as suas virtudes e defeitos no que toca ao cinema. O que apontas são características de que podemos gostar ou não gostar, mas associar imediatamente um selo de qualidade à palavra "realismo" e um selo de estupidez ao cinema americano "da época" (estás a falar da "Golden Age" em Hollywood, e de um punhado de grandes realizadores que nela prosperaram nos mais diversos géneros) e mais aos gajos "portugueses que declamavam versos em vez de parecerem reais" não me parece muito correcto, sobretudo quando muitas dessas expressões derivam da vontade dos respectivos realizadores. Vem assim de repente em à memória o Manoel de Oliveira e o seu Os Canibais (que é um filma cantado :-))) ), e o realizador Robert Bressom, que "obrigava" os actores a repetirem os diálogos vezes sem conta até ficarem insensíveis e "zombificados", de modo a não transparecerem quaisquer emoções para os respectivos papéis (!!!!). São "vontades" (muitas delas por certo decorrentes do contexto social e político, também), mas não façamos generalizações, por favor... :-)))

1948, em Hollywood, foi assim: https://en.wikipedia.org/wiki/1948_in_film - Quais são os títulos que consideras "cinema estúpido"?

Paralelamente a estas questões, a arte da representação não tem de se associar forçosamente à realidade, ou de parecer o mais realista possível - tudo depende dos contextos e daquilo que actor e realizador pretenderem extrair de cada momento. Isto é assim no teatro (aqui de forma se calhar mais pronunciada) e no cinema. Uma "boa interpretação" pode ser ou não ser "realista".
«The most interesting characters are the ones who lie to themselves.» - Paul Schrader, acerca de Travis Bickle.

«One is starved for Technicolor up there.» - Conductor 71 in A Matter of Life and Death

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Re: Ladri di Biciclette (1948) - Vittorio de Sica

Post by waltsouza »

JoséMiguel wrote:
Já agora, depois diz o que achaste do filme...
Gostei, é um filme simples, com uma história simples e que para mim vale sobretudo pela empatia que se sente na relação pai e filho.
Serve igualmente para se ter uma ideia de como era uma Itália do pós-guerra, e da miséria que reinava por boa parte da sua população. Dei por mim, e sendo a Itália um país latino, do sul da Europa, a imaginar um Portugal dessa altura mais ou menos parecido, pelo menos em termos de miséria.

Não querendo beliscar quem ache este filme uma obra-prima, e tendo gostado, não foi um filme que me tenha tocado de tal forma como outros filmes italianos já o fizeram, tais como "Cinema Paraíso", ou "A Vida é Bela". Ou por outra, talvez devido à curta duração do "Ladrão de Bicicletas" falte ali qualquer coisa (a meu ver) que eleve o filme para um patamar ainda mais emotivo, ou de maior complexidade, que encontrei nos dois filmes italianos que referi.

E isto não tem nada a ver com o facto deste "Ladrão de Bicicletas" ser a preto e branco, ou um filme já muito antigo, não sofro desses preconceitos cinematográficos, para mim o cinema não tem nem origem, nem língua, ou época pré-definida. Foi uma hora e meia bem passada, e o maior elogio que posso fazer a Vittorio de Sica é que fiquei com vontade de ver mais filmes seus. Se tivesse que pontuar este filme de 0 a 10 dar-lhe-ia um 7.
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