[SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laughton

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rui sousa
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[SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laughton

Post by rui sousa »

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"Chiiilll... dren!"

«A Sombra do Caçador» é outro filme que faz parte da lista das obras-primas inimitáveis e inigualáveis da História da Sétima Arte. Teve tudo para resultar, e apesar de, na época em que estreou, ter passado despercebido tanto pelo público como pela crítica (situação que ocorreu a muitos outros clássicos do cinema), todos agradecemos que alguém se tenha lembrado de fazer este filme, senão, hoje em dia esta grande peça histórica e cultural da Humanidade nunca teria existido. Foram precisos alguns anos para «A Sombra do Caçador» ser merecidamente reconhecida e ser justamente considerado um dos melhores filmes de sempre do Cinema Americano, mas melhor assim do que se tivesse perdido no tempo.

Mas vejamos bem o que temos em mãos: ora, há Harry Powell (interpretado por um fantástico Robert Mitchum), um padre fanático, que acredita mais na condenação das almas do que na salvação das mesmas (e, quando digo condenação, a dita é feita pelas mãos do próprio indivíduo), e que tem, em cada mão, tatuadas as palavras "Amor" e "Ódio" (a cena em que Powell explica o porquê de ter estas duas palavras impressas nos seus dedos é memorável e uma das melhores do filme). Entretanto, Ben Harper, um homem casado e Pai de dois filhos, é condenado à morte, e encontra-se atrás das grades na mesma altura em que Powell foi apanhado a tentar cometer mais um dos seus crimes fanáticos. Depois do dito indivíduo morrer devido ao crime que cometeu, Powell decide apoderar-se do dinheiro que aquele deixara aos seus filhos, tentando entrar dentro da comunidade em que estão inseridos e conquistando a Mãe das duas crianças (John Harper e Pearl Harper), tornando-se o Pai adotivo delas e tornando a mulher num protótipo do fanatismo pregado por ele próprio. Os dois meninos tornam-se o alvo preferido de Harry Powell (pois só eles sabem onde é que os dez mil dólares do Pai estão escondidos) e, apesar da filha começar a gostar do senhor Powell, o filho desconfia sempre das intenções do padreco, tentando descobrir, afinal, o que é que aquele tipo anda ali a fazer. E em que é que tudo isto vai dar? Poderia ser num final semelhante a qualquer novela mexicana ou portuguesa, mas disto tudo resulta uma verdadeira obra de arte.

Gostava de salientar que, apesar de ser a personagem mais famosa do filme (sendo a ela que deve grande parte do seu prestígio), não é em Powell que a ação do mesmo se centra, mas sim em John Harper. O filme centra-se mais nos pensamentos do pequeno rapaz e nas formas que ele planeia para se livrar de Powell, e na sua forma de ver as coisas e de querer continuar a sua vida sem ter aquele homem por perto a tentar apoderar-se do seu dinheiro. Mas é interessante ver o filme desta perspetiva se nos lembrarmos de uma das cenas decisivas da história do filme, quando Harry Powell é (finalmente!) apanhado pela polícia: o pequeno John entra em desespero, e pela primeira vez, chama Powell de Pai (tinha recusado a considerá-lo como tal até àquela altura). O momento é dramático, e percebemos a confusão que vai na mente daquela criança, quando grita, a chorar, para Powell, magoado e caído no chão, que tome o dinheiro que causou tantos problemas: "Here! Here! Take it back. Take it back. I don't want it. It's too much. Here! Here!"

A realização de Charles Laughton (um ator de cinema que, depois deste, não realizou mais nenhum filme - talvez devido ao insucesso na época que obteve «A Sombra do Caçador») pega em todos os pormenores da história do filme para nos dar um visionamento de rara beleza e que aproveita todas as potencialidades do preto e branco e do film-noir. Veja-se, por exemplo, a cena em que as duas crianças fogem, num barco, do (nessa altura, temível) Harry Powell. Apesar das crianças sentirem muito medo de caírem nas garras do terrível Padre, Laughton aproveita para filmar a beleza do ambiente que rodeia o lago onde os meninos estão a viajar. Vemos os animaizinhos, os coelhinhos fofinhos... por momentos até nos esquecemos que aqueles dois pirralhos estão a fugir de um psicopata maluco e fanático... mas depois voltamos à realidade.

«A Sombra do Caçador» é também um filme que vai tirar muitas características técnicas e visuais ao Expressionismo Alemão dos Anos 20. É outra constante que podemos observar em muitas cenas do filme (praticamente as que mostram que ou os miúdos estão em sarilhos, ou que Powell está a preparar alguma) e que mostra ser uma grande "homenagem" (repito, "homenagem", não "cópia") ao que melhor se fez em termos de cinema nesse país, nessa era "doirada".

O filme contém uma extraordinária banda sonora, inconfundível, inesquecível e magistral. Composta por Walter Schumann, a música de «A Sombra do Caçador» assenta que nem uma luva à ação do filme. Schumann soube, com mestria, criar a composição ideal para todos os momentos, alegres ou tristes, que o filme mostra ao espetador. Deixo-vos aqui um excerto desta banda sonora, para (re)saborearem a grande qualidade desta obra de Walter Schumann.



«A Sombra do Caçador» é um filme notável, por ser uma excelente crítica ao fanatismo religioso (que não era um tema tão debatido na época como é nos nossos dias) e ao oportunismo que inunda as relações humanas. É um filme que se tornou modelo para plágios (perdão, para outros filmes) que seguiram o mesmo género e os mesmos moldes da história, mas que felizmente, nunca conseguiram superar o original em tudo. Muito por culpa de Robert Mitchum e a sua icónica interpretação do Reverendo Harry Powell, que atingiu a verdadeira imortalidade com a participação neste filme.

Uma nota também para destacar a eficácia desta personagem. A meu ver, uma personagem torna-se mais interessante, irreconhecível e brilhante pela subjetividade dos seus atos. Harry Powell é um exemplo disso, porque sabemos que Powell assassina todas aquelas vítimas, mas não vemos nada acontecer. Não precisamos, porque sabemos que é a verdade (da história, claro).

Para terminar, constato que adorei o filme. Tornou-se um marco de referência para a minha cultura cinematográfica, e não é de admirar que tenha um culto tão grande por entre os cinéfilos. Era o filme preferido do próprio Robert Mitchum (um ator pertencente àquela geração do já-não-se-fazem-atores-assim), e aconselho que vejam, ou revejam, ou re-revejam! É um filme que tem muito para ser explorado e admirado, e este texto foi apenas uma tentativa (falhada) de prestar homenagem a esta obra-prima do Cinema e da Cultura Mundial. Está recheado de grandes momentos, de grandes interpretações, e ninguém pode ficar indiferente a «A Sombra do Caçador» depois de o descobrir!
Samwise
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laug

Post by Samwise »

Na altura em que organizei o passatempo dos fotogramas a preto-e-branco, fiz uma selecção dos 10 mais e escrevi esta nota sobre o dito:
The Night of the Hunter, Charles Laughton - Uma improvável mistura de estilos de cinema e correntes artísticas (com destaque para o Expressionismo Alemão) e um dos filmes mais estranhos e deslumbrantes que já vi. Uma espécie de OVNI que não sei bem como catalogar, mas que não consigo ver sem que o queixo me caia uma quantas vezes pelo meio. Robert Mitchum interpreta um vilão tenebroso que tenta deitar a mão a uma fortuna, sendo que pelo meio tem "fazer desaparecer" duas crianças e de enfrentar um surpreendente "anjo da guarda", na figura de Lillian Gish.
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laug

Post by TrinityA »

Sem dúvida um dos filmes que mais gostei de ver na vida e que reveria a qualquer momento. Entendo perfeitamente o que o Sam quer dizer com não conseguir ver sem que o queixo lhe caia pelo meio!
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laug

Post by rui sousa »

Concordo com os dois. Este é daqueles filmes que não se consegue ver sem se ficar espantado... é único, este filme, e muito marcante! :)
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Rui Santos
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laug

Post by Rui Santos »

Recomendam alguma edição do filme?
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laug

Post by rui sousa »

Eu comprei uma edição espanhola na FNAC a 2,99€. Não tem legendas em português e contém apenas o filme e o trailer, mas penso que é o mesmo que a edição nacional tem, que está a 11,99€.
PanterA
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laug

Post by PanterA »

Por acaso quando o vi não me marcou assim tanto. Talvez esteja a necessitar de uma 2º visualização.
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laug

Post by EnyGmaTiK »

Rui Santos wrote:Recomendam alguma edição do filme?
O Blu-ray da Criterion está fantástico.

http://www.criterion.com/films/27525-th ... the-hunter

New digital transfer made from 35 mm film elements restored by UCLA Film & Television Archive in cooperation with MGM Studios, with funding provided by the Film Foundation and Robert Sturm (with uncompressed monaural soundtrack on the Blu-ray edition)
Audio commentary featuring second-unit director Terry Sanders, film critic F. X. Feeney, archivist Robert Gitt, and author Preston Neal Jones
Charles Laughton Directs “The Night of the Hunter,” a two-and-a-half-hour treasure trove of outtakes and behind-the-scenes footage
New documentary featuring interviews with producer Paul Gregory, Sanders, Feeney, Jones, and author Jeffrey Couchman
New video interview with Laughton biographer Simon Callow
Clip from the The Ed Sullivan Show in which cast members perform a scene deleted from the film
Fifteen-minute episode of the BBC show Moving Pictures about the film
Archival interview with cinematographer Stanley Cortez
Gallery of sketches by author Davis Grubb, author of the source novel
New video conversation between Gitt and film critic Leonard Maltin about Charles Laughton Directs
Original theatrical trailer
PLUS: A booklet featuring essays by critics Terrence Rafferty and Michael Sragow
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laug

Post by rui sousa »

Vê, PanterA, aconselho! :)

Ah, a Criterion, sempre tão boa, mas sempre tão distante do que o meu bolso pode oferecer... :p
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laughton

Post by rui sousa »

Venho partilhar convosco um vídeo que consegui concretizar, depois de alguns meses de trabalho intenso!

Basicamente decidi fazer um videoclip para a música "Take Me To The River", na versão dos Talking Heads, utilizando imagens deste filme (que tem no rio uma das suas personagens principais...).

Espero que gostem! Não é mais do que uma homenagem a um grande filme! yes-)

PanterA
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laughton

Post by PanterA »

Esta aqui teria ficado melhor.

rui sousa
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laughton

Post by rui sousa »

Nop, não combina com o tom negro e misterioso do filme.
PanterA
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laughton

Post by PanterA »

A que usaste também não é propriamente dark e simbólica ao filme. Esta aqui ia mais pela letra em si.

Mas de qualquer das maneiras o vídeo está 5*. :wink:
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laughton

Post by rui sousa »

PanterA wrote: August 12th, 2018, 8:47 pm A que usaste também não é propriamente dark e simbólica ao filme. Esta aqui ia mais pela letra em si.

Mas de qualquer das maneiras o vídeo está 5*. :wink:
Mas é mais "pesada" comparando com a que sugeriste. E isto já andava a perseguir-me há algum tempo, tinha de ser com esta! :)

Obrigado!
José
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Re: [SPOILERS] The Night of the Hunter (1955) - Charles Laughton

Post by José »

É a clássica história do "bicho papão", aqui revestida de fábula de horror, reminiscente do expressionismo alemão (com todo o seu jogo de sombras e luz). Um conto (a)moral sobre a dualidade da condição humana, entre a sedução pecaminosa do Mal e o apaziguamento existencial que só o Bem pode proporcionar (os dois primeiros actos pertencem ao Mal, a insinuar-se e a atingir a sua maturação, enquanto que o terceiro pertence ao estoicismo sereno do Bem). Para alcançar todos estes efeitos, existe uma atmosfera tenebrosa que causa desconforto, interpretações superlativas e um design de produção que evoca o teatro e que induz todo o temor que perpassa no filme. Um clássico absoluto e intemporal.
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