[CLÁSSICOS] Missing (1982) - Costa Gavras

[p_alucinado]

Nem sempre os thrillers com forte background político beberam da escola Bourne e os anos 70 foram pródigos em obras que se destacaram nesse "nicho", casos de "The Parallax View", "Network" ou ou mais óbvio "All the President's Men". Ainda a buscar inspiração a estas fitas e ao talento de Lumet, Pakula ou Sidney Pollack, o francês Costa Gavras, também ele um forte crítico do estado de coisas, realizou em 1982 este "Missing", em Portugal conhecido como "Desaparecido".



A história (real) é a de um jovem escritor idealista americano (John Shea) que desaparece no meio das convulsões chilenas político-sociais chilenas, em 1973. A sua namorada (Sissy Spacek) é completamente ignorada pelas autoridades até que o pai do escritor (sempre excelente Jack Lemmon) se decide a deslocar-se ao Chile para tentar encontrar o filho, isto apesar da desaprovação que nutre pelo modo de vida deste.

"Missing" é um filme que não é nada espectacular visualmente, não tem grandes perseguições e tiroteios, a banda sonora é discreta, assim como a realização de Costa Gavras que abdicou aqui de rodriguinhos visuais dando mais ênfase à sobriedade, tratando o tema com o respeito e seriedade que lhe é devido. A realização de Gavras é tão clínica que nos consegue manter colados ao ecrã sem pestanejar, ansiando por conhecer o paradeiro do jovem.

Triunfo grande também do argumento adaptado do livro homónimo de Thomas Hauser, que abdica de moralismos fáceis, apresentando uma relação pai/filho tensa, mas onde ninguém tem os olhos suficientemente "tapados" para não conseguir ceder. É também uma apreciação crítica contundente à forma de estar dos americanos em certos países onde se cometem atrocidades, tudo como forma de preservar um certo "way of life". Apesar de sarcástico, Gavras não aponta o dedo apenas a chilenos ou apenas a americanos, aproveitando para fazer uma análise séria à génese do problema.

No entanto, na minha opinião, a forma como são equilibrados os factores político e emocional combinados com um certo thriller mais tradicional, é o que realmente eleva este filme a um patamar de excelência e o torna um dos melhores que vi nos últimos tempos.

Recomendo vivamente!

[Gallup]

Grande filme! Infelizmente, mais um dos que não mereceu uma edição em dvd em Portugal!

[paupau]

Muito bom post, antes de tudo.

Este filme marcou-me bastante, fiquei realmente ensombrado pelas actuações do par principal, do mais credível que vi até hoje, papéis de uma sensibilidade e coragem que são raras. Transmitem com absoluta sinceridade a sensação de serem abandonados pela Máquina do Estado, desacreditados e vilipendiados, e partirem para o epicentro da revolução por seu conta e risco, numa busca desesperado por um ente querido no meio de um autêntico genocídio a acontecer um pouco por todo o país.

E nós embarcamos com eles na viagem de uma forma que poucos filmes conseguem igualar (O Killing Fields por exemplo, ou o Battle of Algiers), desde a arrogância de um cidadão americano do quero, posso e mando inicial, até à visão final do que consiste verdadeiramente o lado negro da política externa do seu país.

Algumas cenas não as esquecerei durante muito tempo, como o helicóptero junto à janela do hotel, o cavalo a correr durante uma saraivada de balas nocturna (qual unicórnio do BR), o estádio com refugiados e principalmente a morgue, verdadeiramente arrepiante.

Um filme que me persegue, mas de recomendação obrigatória.

[p_alucinado]

Muito bom post, antes de tudo.

Este filme marcou-me bastante, fiquei realmente ensombrado pelas actuações do par principal, do mais credível que vi até hoje, papéis de uma sensibilidade e coragem que são raras. Transmitem com absoluta sinceridade a sensação de serem abandonados pela Máquina do Estado, desacreditados e vilipendiados, e partirem para o epicentro da revolução por seu conta e risco, numa busca desesperado por um ente querido no meio de um autêntico genocídio a acontecer um pouco por todo o país.

E nós embarcamos com eles na viagem de uma forma que poucos filmes conseguem igualar (O Killing Fields por exemplo, ou o Battle of Algiers), desde a arrogância de um cidadão americano do quero, posso e mando inicial, até à visão final do que consiste verdadeiramente o lado negro da política externa do seu país.

Algumas cenas não as esquecerei durante muito tempo, como o helicóptero junto à janela do hotel, o cavalo a correr durante uma saraivada de balas nocturna (qual unicórnio do BR), o estádio com refugiados e principalmente a morgue, verdadeiramente arrepiante.

Um filme que me persegue, mas de recomendação obrigatória.

Subscrevo inteiramente o que escreveste. O impacto visual de algumas cenas é realmente algo que fica na memória, independentemente de o querermos. Só agora reparei que o filme venceu o Oscar de argumeto adaptado e foi nomeado nas principais categorias.

Digo-te, com honestidade, que a expressão que usaste - "Um filme que me persegue..." - aplica-se como uma luva ao meu caso. Vi-o há mais de 15 anos pela primeira vez e marcou-me como poucos na altura. Só que não memorizei o título e, na época, não conhecia os actores. Demorei imenso tempo a redescobri-lo e é daqueles que, sem sombra de dúvida, entra na minha lista de filmes preferidos de sempre.

[rui sousa]

Vi há uns dias (foi recentemente editado em DVD) e deixei um pequeno comentário no meu blog que partilho convosco:

Em «Missing», primeiro filme made in USA do realizador Costa-Gavras, encontramos Sissy Spacek e Jack Lemmon a vaguear pelo Chile, nos papéis (respectivamente, como é óbvio) de esposa e pai de um homem desaparecido sem deixar rasto. O filme é a procura desse indivíduo, um activista social que talvez saiba demais para os parâmetros estabelecidos pelos militares chilenos. Entre os meios burocráticos em que os dois americanos se movimentam para que a verdade venha ao de cima, há espaço para traçar o nó de um problema político grave e sangrento, e denunciar o envolvimento dos americanos no coup d'état chileno, que depôs Allende para lá meter Pinochet.

Lemmon só recebeu um Oscar na vida. Mas é um daqueles actores que merecia ter na sua estante tantas estatuetas como o número de dias que tem a semana. E é particularmente memorável o momento em que chama pelo seu filho no enorme estádio cheio de gente considerada como altamente perigosa para o regime. Pode-se dizer que, talvez, o Cinema foi feito para várias coisas, e uma delas passa por ouvir o lamento dos que sofrem e de, com ele, tocar aqueles que estão longe, a acompanhar no ecrã uma situação dramática que, aos poucos, se vai aproximando da vida dos espectadores, sem qualquer tipo de falsa comiseração ou sentimentalismo. O único poder-chave de «Missing» encontra-se no facto de falar nos problemas da vida sem lhes acrescentar mais nada, positiva ou negativamente falando. E não é preciso mais nada para que nos sintamos emocionados com a história, do princípio ao fim,

Gavras abandona (e bem) um estilo frenético de montagem que, por vezes, deu os seus bons frutos (como a sua primeira longa, o brilhante «Compartiment Tueurs»), e alguns resultados que, com o tempo, se tornaram menos felizes: «Z», o seu filme mais conhecido, é provavelmente o mais datado precisamente devido aos seus aspectos formais - quem é que hoje consegue "papar" com o mesmo interesse aquela sucessão rápida de planos, que parecem colados de maneira aleatória, só para criar uma ilusão de "acção" constante? E aquela visão ingénua do funcionamento da repressão? «Missing» pede o inverso exacto, e o realizador assim o fez. Uma tensão silenciosa que cresce entre cenas, no meio da opressão do regime caracterizado e do dilema social que está em jogo.

Ao contrário de tantos filmes based on a true story, «Missing» não pinta bons nem maus de uma maneira cartoonesca, e é aí que reside a sua maior virtude (juntamente com as interpretações). Os vilões estão em toda a parte e ganham com o auxílio da força, e os inocentes não podem escapar das garras do poder. Neste filme, a América não salva o dia nem há espaço para finais felizes. E ainda nos provoca, mesmo que estes golpes já só pertençam às páginas dos manuais de História - porque os perigos que aqui surgem podem ser muito semelhantes com os que o mundo tem de enfrentar nestes tempos que correm.

[Cabeças]

Vi quando estreou cá, salvo erro nos Cinemas Alfa.

Impressionou-me muitissimo na altura, e lembro-me que saí do Cinema a pensar que, independentemente da qualidade inegável do filme, era um tipo de filme que eu não estava interessado em ver mais.

Decididamente, gosto do Cinema numa componente de entretenimento. Há obras duras, como o "Se7en", ou "A Lista de Schindler" que qualquer aspirante a cinéfilo penso que deve ver. Mas regra geral fujo de filmes que me fazem sentir mal, ou vejo-os apenas uma vez. Ou o menor número de vezes possível. Este não tenciono tornar a ver. Não faz sentido para mim estar a ver filmes que me fazem sentir mal.

[Ricardo Oliveira]

E eu (cinéfilo e profissional do cinema) só agora chego a este forum. Que grande delay. É mais uma obra-prima do Costa-Gavras. Não é um "Z" mas mesmo assim é um grande filme.
Já ando de olho na edição da indicator (https://www.amazon.co.uk/Missing-Blu-ra ... ROKL5A1OLE)

[nimzabo]

Bem vindo. Toca a participar.