“1917” (2019) - Sam Mendes

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nimzabo
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by nimzabo »

Em Portugal são todos legendados
PanterA
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by PanterA »

Não entusiasmou tanto quanto esperava. Realmente tem parecenças com o Saving Private Ryan na medida onde sacam da cartola um pequeno pedaço de história e fazem com isso algo improvável de 2h.

Mesmo que aqui tenha resultado melhor, faltou ali claramente mais qualquer coisa. Demasiado seco e perdido na sua própria estrutura, onde a visualização apenas se sustém pelo fake long shot. Diria que sem isso acaba por ser banal, mesmo que andem de mãos atadas visto que acaba por ser o suposto realismo dele e de nos meterem na primeira pessoa daqueles 2 soldados, contudo não deixei de sentir um vazio e sempre com a sensação constante que falta ali mais conteúdo/profundidade. Claro que a fotografia e o fazer de certo momentos é a galinha dos ovos de ouro do filme e merece realmente todos os prémios nessa vertente. Tirando, claro, aqueles momentos stormtroopers completamente non-senses que tirava um bocado de imersão e apenas metia o gajo em god mode apenas porque sim.

Mas para aquilo que o filme queria passar cá para fora e como passou, não deixou de ser algo porreiro de se ver mais ainda no cinema.
7/10
mansildv
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by mansildv »

technicolor wrote: January 17th, 2020, 11:22 am Caramba :shock: que extraordinário filme!!!
Por mim o Oscar de melhor filme de 2020 estava entregue. como?-)
Mas fica o alerta/aviso; este não é um filme de guerra "cássico", é um filme sobre homens comuns passado em ambiente de guerra.
Não muito óbvias mas existem, de assinalar algumas referências a outras obras notáveis sobre esta guerra algo escassa em abordagens cinematográficas (comparando com os milhares de filmes sobre a WWII); destaco uma, o nome de um dos soldados alemães com quem o cabo inglês se cruza (e luta) : Bäumer. Paul Bäumer é o protagonista da obra prima All Quiet on the Western Front do escritor alemão Erich Maria Remarque, ( em português "A Oeste Nada de Novo") um testemunho avassalador sobre a vida de um soldado alemão nas trincheiras da Flandres em 1914-18 baseado na experiência pessoal do autor.

A construção formal deste soberbo filme é simplesmente extraordinária. Só mesmo visto em grande ecrã (dia 23)
Mendes supera tudo o que já que fez anteriormente (incluindo o meu favorito e "oscarizado" American Beauty) e guinda-se com todo o mérito ao nível mais alto do restrito (a meu ver) clube dos grandes realizadores contemporâneos.
Se lá irá permanecer muito tempo isso já não sei... 9.8/10
José wrote: January 17th, 2020, 2:11 pm É um esplendoroso objecto cinematográfico, cuja astúcia técnica - brilhante, brilhante - não mumifica o labor narrativo, bem pelo contrário. É um dos casos em que a forma enaltece o conteúdo. Não me teria importado era com um bocadinho mais de desenvolvimento das personagens principais. Ainda assim, estando como está, já me dou por bastante satisfeito. Esta comovente odisseia física e íntima conquista pela simplicidade da proposta e, ao mesmo tempo, pela tensão constante que vai induzindo no espectador. Até mesmo lá para o meio, o filme prega-nos uma rasteira súbita e obriga-nos a "ajustar" o nosso factor de identificação. A sensação de urgência aqui, meus amigos, é quase palpável, de tirar o fôlego. Tenho que admitir, adorei este filme.
O technicolor e o José já disseram praticamente tudo! yes-)
Achei o filme quase perfeito!

9.5/10
Von Stroheim
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by Von Stroheim »

É de facto uma experiência cinematográfica fora do comum. Em termos de fotografia, realização e trabalho técnico é um verdadeiro prodígio. É o melhor filme de Sam Mendes desde o Beleza Americana.

9/10

Já agora, para se rirem um bocadinho, tenho a informar que o crítico de cinema mais pretensioso, elitista, obtuso e reaccionário que existe em Portugal, o Luís Miguel Oliveira do jornal Público, escreveu o seguinte comentário sobre 1917 no Facebook: "Há mais movimento, físico e emocional, num plano fixo do "Big Parade" do que nas duas horas de bamboleios faz de conta do jogo de computador do Sam Mendes. (Primeira embirração do ano, pelo que também é a minha aposta para os oscars)." :lol: :lol: :lol:

P.S.-The Big Parade é um filme mudo realizado por King Vidor em 1925. É um excelente filme de guerra para o seu tempo, mas como é óbvio não se pode comparar ao 1917.
paupau
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by paupau »

Um dos melhores filmes que vi nos ultimos largos tempos, mesmo descontando a critica que se pode apontar de que basicamente o argumento e uma fetch quest de um RPG e que por isso e basico. Neste aspeto faz lembrar algo o Revenant, uma missao suicida que parece improvavel ser entregue a dois homens. E dar 1600 como carne para canhao...
Contudo, o filme impoe-se e ate acabo por perceber a nomeacao para argumento, algo que me parecia ridiculo antes de ver o filme. Muito esta subentendido, sobretudo na construcao do par principal e transmitido de uma forma subtil e poetica - a minha favorita foram as flores na agua- ja para nao falar daa varias situacoes que atravessam ao longo do filme. Esta muita coisa la se quisermos percecionar ( Mad Max?).
E depois a vertente tecnica: assombrosa, nao vejo como nao dar realizacao e fotografia a este filme. Ja ha muito que nao me questionava como certas partes foram feitas como aqui e pensava que tipos e qual a dimensao dos cenarios para tantos quilometros percorridos... ansioso por ver um making off a serio deste filme.
E ja agora, rever o mesmo para me abstrair deste tipo de questoes e embarcar totalmente na jornada.
E ja agora, uma double bill com o Dunkirk a comparar estrutura fragmentada vs plano sequencia
So um aparte, a mestria de Kubrik de novo em exibicao: por muito boas que sejam os travellings no 1917, nao se comparam ao monstro que e Paths of Glory: mais uma double bill do camandro
Vejam em sala este grande filme!

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Samwise
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by Samwise »

Acho que vou ser o bota de elástico aqui do fórum. %-)

Como eu entendo o Luís Miguel Oliveira!!! Mas como eu entendo a observação que ele fez a a propósito do The Big Parade!

Este 1917 é tecnicamente soberbo - acima de tudo o que já foi feito sobre a WWI. No resto, meh...! O valor humano registado na tela é praticamente nulo, apesar de algumas tentativas - meramente ilustrativas - de injectar algum sentimento, mas nulas no que respeita a erguer emoções. A personagem central não ajuda, porque é um boneco na grande engrenagem que é alucinação técnica e visual que orienta a realização. O filme soube-me a um mero exercício estilístico (plenamente conseguido) que coloca de parte qualquer reflexão sobre as instâncias da guerra (nada, de nada, de nada... e não é com one-liners mais ou menos originais que vai lá). Nem como peça bélica, demonstrativa dos horrores de batalha, tem alguma coisa a acrescentar (ou sequer a mostrar) face a tudo o que já foi feito para trás. O espectáculo, neste filme, está virado para o seu próprio umbigo, reduzido a uma miragem técnica, como que a dizer: "vejam como sou tão bom a movimentar a câmara pelo cenário!".

EDIT - Estava para aqui a pensar se em alguma parte do filme senti que a linguagem narrativa tivesse realmente alguma coisa a dizer para lá do mostrar o avanço das personagens pelo cenário, alguma sequência, algum gesto, algum olhar - qualquer momento em que experiência de visualização fosse elevada acima do valor facial narrativo. Lembro-me de uns breves segundos (quando as pétalas brancas começam a cair sobre a água e ele, que vai a flutuar agarrado a um tronco, abre os olhos) que me arrepiaram os sentidos, mas provavelmente estarei equivocado sobre a eventual imagem que o Mendes está ali a sugerir...

6/10
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drakes
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by drakes »

Samwise wrote: February 4th, 2020, 2:38 pm Acho que vou ser o bota de elástico aqui do fórum. %-)

Como eu entendo o Luís Miguel Oliveira!!! Mas como eu entendo a observação que ele fez a a propósito do The Big Parade!

Este 1917 é tecnicamente soberbo - acima de tudo o que já foi feito sobre a WWI. No resto, meh...! O valor humano registado na tela é praticamente nulo, apesar de algumas tentativas - meramente ilustrativas - de injectar algum sentimento, mas nulas no que respeita a erguer emoções. A personagem central não ajuda, porque é um boneco na grande engrenagem que é alucinação técnica e visual que orienta a realização. O filme soube-me a um mero exercício estilístico (plenamente conseguido) que coloca de parte qualquer reflexão sobre as instâncias da guerra (nada, de nada, de nada... e não é com one-liners mais ou menos originais que vai lá). Nem como peça bélica, demonstrativa dos horrores de batalha, tem alguma coisa a acrescentar (ou sequer a mostrar) face a tudo o que já foi feito para trás. O espectáculo, neste filme, está virado para o seu próprio umbigo, reduzido a uma miragem técnica, como que a dizer: "vejam como sou tão bom a movimentar a câmara pelo cenário!".

EDIT - Estava para aqui a pensar se em alguma parte do filme senti que a linguagem narrativa tivesse realmente alguma coisa a dizer para lá do mostrar o avanço das personagens pelo cenário, alguma sequência, algum gesto, algum olhar - qualquer momento em que experiência de visualização fosse elevada acima do valor facial narrativo. Lembro-me de uns breves segundos (quando as pétalas brancas começam a cair sobre a água e ele, que vai a flutuar agarrado a um tronco, abre os olhos) que me arrepiaram os sentidos, mas provavelmente estarei equivocado sobre a eventual imagem que o Mendes está ali a sugerir...

6/10
Não discordo, para mim foi apenas um filme agradável de ver pelas questões técnicas.
paupau
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by paupau »

Compreendo-te Sam, pensava de igual forma quando o trailer mostrava uma ida de A a B e continuo a achar que o filme tem algumas falhas grandes para ser realmente uma obra prima. Contudo, a verdade e que me tocou ao longo da jornada dos protagonistas, com momentos em que o horrer e a poesia se tocam iu se sucedem a um ritmo alucinante. Com a cena das petalas em jeito de evocacao a cabeca.
Considero a cena da mulher como o coracao do filme, assim como que um Why We Fight.
Se o lado humanista e a mensagem foi conseguida de forma incomensuravelmente superior noutros filmes sobre WWI, como Big Parade, A Oeste Nada de Novo, la Grand Illusion, Crois de Boix, Westfront 1918? Obvio que sim. Considero que nao era este o proposito de 1917 ( ser um Tratado sobre WWI) mas tem uma mensagem sim. Esta la a la Mad Max, o que o torna um grande filme.

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Samwise
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by Samwise »

Algumas "justificações" do meu lado (sabendo de antemão que não podemos ser todos atingidos da mesma maneira pela arte e pelo entretenimento)
paupau wrote: February 5th, 2020, 5:18 pm Compreendo-te Sam, pensava de igual forma quando o trailer mostrava uma ida de A a B e continuo a achar que o filme tem algumas falhas grandes para ser realmente uma obra prima. Contudo, a verdade e que me tocou ao longo da jornada dos protagonistas, com momentos em que o horrer e a poesia se tocam iu se sucedem a um ritmo alucinante. Com a cena das petalas em jeito de evocacao a cabeca.
Um dos problemas principais do filme - talvez mesmo o principal - tem a ver com o que apontas no "ritmo alucinante". A estrutura narrativa está (toda) condicionada, logo de início, pela urgência da missão. Ou seja, eles têm o tempo contado para irem do ponto A ao ponto B, o que significa que o filme não pode, necessariamente, fazer com que os protagonistas "percam tempo" pelo caminho - e isso condiciona o tempo que estão em cada micro-espaço e em cada micro-narrativa. Condiciona as "pausas narrativas" e impede que a vertente poética tenha a cadência necessária - como se para declamares um poema com 120 linhas dispuseses de apenas 10 segundos. A narrativa não pode estar muito tempo dedicada a qualquer uma das etapas que eles têm pelo caminho. Se por um lado isso limpa os traços de sentimentalismo que poderiam (se mal geridos) tornar o filme piegas, por outro apagam também as emoções e sentimentos, e o nosso nível de proximidade para com as personagens. Daí eu não ter conseguido sentir absolutamente nada para com as tragédias pessoais que vão surgindo ao longo da narrativa (incluindo as da personagem princicipal). As poucas emoções que se registam estão agregadas à vertigam da edição e das situações de aflição, em vez de ao modo como afectam as personagens. O "tique-taque" do cronómetro fala quase semnpre mais alto do que a intensidade da tragédia.

Logo..
Considero a cena da mulher como o coracao do filme, assim como que um Why We Fight.
...esta sequência da mulher é mais um ponto no caderno de encargos que passa num ápice, sem margem para criar os devidos enlaces emocionais. É um postal trágico, mas apenas um postal - não vemos a paisagem autêntica, mas apenas uma imagem unidimensional na fotografia.

Se o lado humanista e a mensagem foi conseguida de forma incomensuravelmente superior noutros filmes sobre WWI, como Big Parade, A Oeste Nada de Novo, la Grand Illusion, Crois de Boix, Westfront 1918? Obvio que sim. Considero que nao era este o proposito de 1917 ( ser um Tratado sobre WWI) mas tem uma mensagem sim. Esta la a la Mad Max, o que o torna um grande filme.
Outro dos problemas do filme é esse: à excepção do plano ténico (em que arrasa), não resiste à comparação directa com as grande obras do cinema de guerra, mesmo que fazendo pequenas pontes aqui e ali para evocar tais filmes (La Grand Ilusion, Paths of Glory, Private Ryan, Gallipoli...) .
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by Samwise »

Estou a ver outra vez. Uma coisa é certa: é um filme inesquecível. O cenário mostrado, e como é mostrado, está para lá qualquer elogio que se possa fazer por palavras. Parece que estamos mesmo a visitar o cenário de guerra no momento em que aquilo se passou. Os "visuals" do filme permanecem na memória. Desde que o vi a primeira vez, tenho-me lembrado muito destes aspectos. É um deleite visual, não só por causa da fotografia, mas pelo modo como conseguiram construir e "popular" os cenários.
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by paupau »

Este e daqueles que estou algo curioso para saber como sera percecionado daqui a uns anos, assim que a poeira acalmar. Julgo que ganhara o Oscar, o que cimentara a sua reputacao. Mas caso nao ganhe.... nao sei ate que ponto daqui a uns anos nao estara algo esquecido, assim que passar o "enche olho" da tecnica. Veremos, pessoalmente tenho alguma curiosidade coml aguentara uma segunda visualizacao.

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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by PanterA »

Este é capaz de perdurar no tempo bastante bem, nem quando se esteja a falar de filmes de guerra deve vir sempre há baila que há um que foi filmado numa espécie de long shot continuo com uma direcção artística fora do comum. Já por exemplo o Dunkirk numa outra vertente acredito que já ninguém queira saber daquilo. Eu saí do cinema a chorar o dinheiro, e o teste do tempo também não me parece que lhe vá ser particularmente bom.
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by Samwise »

Concordo com o Pantera. Acho que o 1917 tem argumentos suficientes (sobretudo técnicos) para lhe garantir um lugar na história do Cinema, para lá de ganhar ou não Oscares (plural) nas categorias que realmente contam para esses efeitos.

Também já me "esqueci" do Dunkirk. Não creio que aquilo que torna o filme num produto difereciado (incluíndo a abordagem "hierárquica" aos tempos narrativos) tenha peso suficiente para o relevar acima da "massa geral".

Pensando no passado recente, um filme que não esqueci e que tem vindo a subir na minha consideração é o Fury. Esse é todo ele um statement intenso e afirmativo, mesmo que controverso, sobre o "Why We Fight", e com uma personagem central (interpretada pelo Pitt) complexa como poucas em filmes de guerra. A sequência central - o almoço com as duas mulheres - é toda ela uma debate assertivo sobre o contrário de guerra: a noção de civilidade e de civilização - imposta pela força da patente, e pela crença em fortes ideais morais. Isto tomando como exemplo comparativo com a cena (da refugiada) no 1917, que parece apostada em agarrar-nos mais pela via da vitimização e comiseração - com o problema adicional de que o eventual dilema em que o soldado se vê colocado é rapidamente decidido pela engrenagem narrativa (que "exige" que ele se ponha dali para fora o mais rápido possível).
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

Post by Samwise »

Uma outra visão sobre o filme (um bocadito "mal disposta" e intolerante em demasia para o meu gosto, mas ainda assim uma perspectiva distante da "unanimidade generalizada", e uma que vale a pena ler!):

https://www.publico.pt/2020/10/09/cultu ... 20-1934118
E o pior filme de 2020 é...

Em Dezembro aparecem sempre nos jornais as listas dos melhores filmes do ano. Vou dar o meu modesto contributo antecipado para esta lista, mas às avessas. O pior filme que vi em 2020 foi 1917, de Sam Mendes. O filme é de 2019, mas estreou por cá em 2020, em Janeiro. Quer dizer que, logo em Janeiro de 2020, estreou em Portugal a maior porcaria cinematográfica a que tivemos direito este ano. 1917, aliás, não é bem uma porcaria. É uma coisa obscena, o que é bem pior.

Estudei a fundo a Primeira Guerra Mundial, visitei os campos de batalha, escrevi sobre o tema nas páginas deste jornal, sei o que se passou nas trincheiras, na medida em que se pode saber alguma coisa que não vivemos na primeira pessoa e que se passou há cem anos. E sei que a Primeira Guerra Mundial não foi nada do que Mendes mostra. O que ele mostra é a violência de pacotilha para consumo das massas, a violência de faz-de-conta dos jogos de computador e dos filmes do 007 de onde Mendes veio, a violência pedagógica “para as gerações mais novas não se esquecerem da Grande Guerra”. É a violência às colheres do “aquilo era mesmo assim”, do “ai, que horror, as ratazanas”, do “ai, tanta lama, como é que eles aguentavam?” Face a objectos pedagógico-grandiloquentes deste teor, dá vontade de citar o Luiz Pacheco quando lhe pediam que desse conselhos às gerações mais novas: “Puta que pariu!”

Uma vez, vi uma fotografia de um soldado francês da Grande Guerra deitado numa maca, vivo, à espera dos primeiros socorros, com o rosto esfacelado por estilhaços de obus. Tive pesadelos com aquela imagem durante semanas. Ainda hoje ela me visita em certas noites desabrigadas. Dir-me-ão que esta violência não se pode mostrar nos filmes que todos os anos almejam conquistar aquelas estatuetas pavorosas de estética nazi. Então, ao menos, mais vale a violência desmesurada e grotesca de um Tarantino, em modo de avacalho total. Mas não, Mendes é muito sério, é o David Lean dos pobres de espírito, tudo em 1917 é para levar a sério.

(Pausa para me levantar da cadeira e dar uma volta à sala, para acalmar os nervos. É que, cada vez que penso em 1917, tenho vontade de sair aos gritos para a rua. E depois, os vizinhos, o que farão? São capazes, até, de me achar uma certa graça.)

Fui ver 1917 com uns amigos que gostaram muito e com quem me ia zangando a valer. Quando era miúdo, via na televisão as séries e os filmes americanos de guerra, e intrigava-me que os alemães não tivessem pontaria nenhuma. Nunca acertavam nos americanos. Aquilo irritava-me tanto que dei por mim, várias vezes, a torcer pelos nazis nos filmes. Quando eram atingidos nas varandas das casas, os soldados alemães, em vez de caírem para trás, atiravam-se da janela abaixo, mergulhando de cabeça, agarrados à barriga. 1917 tem o duvidoso mérito de ressuscitar a grotesca tradição cinematográfica dos alemães ceguinhos. O rapaz gorducho, o herói do filme, aproxima-se de uma ponte de ferro forjado, que os alemães dinamitaram. Começa a atravessá-la, caminha pé ante pé sobre uma viga estreita, em equilíbrio precário. A silhueta dele, em plena luz do dia, recorta-se contra o horizonte. E não é que um atirador especial alemão, acoitado numa casa, na outra margem, com todo o tempo do mundo para fazer pontaria, consegue a proeza de disparar três ou quatro vezes sem acertar no mocetão inglês? E não é que o mocetão desata a correr pela viga fora, abriga-se na outra margem e abate o atirador furtivo com um tiro em cheio na testa? Ah, valente! Só faltou o alemão atirar-se da janela abaixo, agarrado à barriga, para eu recordar em pleno as tardes medonhas da minha infância televisiva. Na aldeia francesa em ruínas onde o mocetão chega depois, já de noite, os alemães ceguinhos multiplicam-se que nem cogumelos. Eles bem tentam alvejar o herói, esbanjam munições, disparam a eito, de perto, de longe, à queima-roupa, mas... nada. O mocetão salva-se sem uma arranhadela.

(Se alguém que me lê conhecer o Mendes, pergunte-lhe por mim se ele acha que nós somos todos estúpidos.)

Há milagres nas guerras? Há, claro. Conheci um comando que combateu na Guiné e que viu um camarada ser alvejado no ventre e cair. Quando o socorreram, estava ileso. A bala cravara-se na fivela do cinturão. O que não há na guerra, infelizmente, é milagres em cadeia. A guerra de Sam Mendes é para adolescentes atrasados mentais e para os pais de adolescentes atrasados mentais, que jogam às guerras com os filhos nas consolas lá de casa para “criarem laços” com os putos. Já agora: o tal comando a quem o cinto salvou a vida perdeu o juízo e teve de ser evacuado para a Metrópole. Afinal, não há mesmo milagres nas guerras, nem isolados nem em cadeia.

(Começo a pensar que o problema é meu. Terei acordado maldisposto?)

Por fim, há ainda o falso plano-sequência de duas horas, para embasbacar os pategos que adoram proezas técnicas.

(Há pouco tempo, na Feira do Livro, ouvi uma criatura a falar em público, de microfone na mão, que disse: “Adoro tudo o que é tecnologias, adoro ciborgues!” Mas como é possível esta gente não entrar em combustão espontânea quando faz disparar assim o ponteiro do estupidómetro?)

Fazer da proeza técnica do plano-sequência aldrabado o actor principal de um filme sobre a Grande Guerra é escarrar na cara dos milhões de mortos, feridos e mutilados de 14-18.

(Ah, e não me ter cruzado à saída do Nimas com Sam Mendes, no arfar nocturno da 5 de Outubro, para lhe dizer duas verdades e lhe chamar burro e bronco e tudo! Eu, o homem mais inofensivo do mundo, saí do filme com vontade de partir a cara a alguém.)

Há mais cinema, mais verdade e mais vida em cinco minutos de Mosquito, de João Nuno Pinto, ou em cinco minutos de Guerra, de José Oliveira, do que nas duas horas de 1917. É o filme mais obsceno de 2020, de longe, sem descontar os pornográficos.

(E agora que já descarreguei o fel posso respirar fundo e converter-me de novo no ser pachorrento de todos os dias que vê passar os outros e enxota as moscas com o rabo.)
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Re: “1917” (2019) - Sam Mendes

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Li um bocado com atenção mas desisti, e li o resto na diagonal... quem fica assim e escreve este tipo de coisas por causa de um filme tem graves problemas :lol:
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