Um filme de autor muito bonito e original - Parte II
Eu começaria esta segunda parte, por apontar aspectos negativos da obra... em concreto a violação descarada de vários factos históricos comprovados.
Este aspecto negativo foi opção deliberada do realizador. Normalmente estas falhas históricas podem e devem ser penalizadas na maioria dos filmes, pois resultam quase sempre nos dois casos de pura incompetência, ignorância ou desinteresse da parte do realizador ou então de pura ganância financeira, em que se destrói a História, para impor o fanatismo da fórmula trancada/bloqueada cliché de enredo de Hollywood.
No caso deste filme eu tolero e aceito as imprecisões históricas porque sei que o realizador possuía um motivo ulterior para cometer essas violações de factos históricos comprovados, que não estão, nem nunca tiverem em disputa por nenhum historiador.
Esta situação será análoga a algumas ex-namoradas que eu tive, que eram excelentes pessoas, mas que não gostavam de mim como eu era, e queriam que eu mudasse. Eu tentava explicar às raparigas que os homens não são como o boneco do Ken da Mattel, e que uma mulher que não aceite um namorado como ele é, terá alguma imaturidade (ou doença) mental e vive nalgum universo de fantasia com póneis cor-de-rosa, ao julgar que a maneira de ser dos homens se molda à vontade delas
A analogia aqui entre ex-namoradas e o cinema é a seguinte:
Embora eu normalmente odeie e fique arreliado, quando um filme histórico comete imprecisões históricas comprovadas, neste filme eu aceitei essa mania e falha do realizador, pelo mérito geral desta obra. Apesar deste ter sido o primeiro e único filme que vi do realizador, sei que estou perante um criativo talentoso, com uma mente muito original e plena de manias estranhas e esquisitas.
Tentarei esclarecer isto com o exemplo concreto acerca da morte da Elisabete Bathory, que não será spoiler de forma nenhuma, visto que o filme não respeita a História comprovada, para esse evento.
E aproveito para referir que a produção franco-alemã de 2009 "The Countess", também comete a mesma asneira histórica, mas nesse filme da realizadora Julie Delpy, "não há diabo que a valha" para salvar o erro, que parece ser causado por
hollywoodismo:
O que é que o wikipedia tem a dizer acerca da morte da Condessa?
Prison and death
Báthory was imprisoned in Čachtice Castle and placed in solitary confinement.[28] She was kept bricked in a set of rooms, with only small slits left open for ventilation and the passing of food. She remained there for four years until her death. On the evening of 21 August 1614, Báthory complained to her bodyguard that her hands were cold, whereupon he replied "It's nothing, mistress. Just go lie down." She went to sleep and was found dead the following morning.[29] She was buried in the church of Čachtice on 25 November 1614,[29] but according to some sources due to the villagers' uproar over having the Blood Countess buried in their cemetery, her body was moved to her birth home at Ecsed, where it was interred at the Báthory family crypt.[30] The location of her body today is unknown. Čachtice church or Čachtice castle do not bear any markings of her possible grave.[31]
Fonte:
https://en.wikipedia.org/wiki/Elizabeth ... _and_death
Se existe um depoimento da prisioneira a pedir auxílio ao guarda que lhe trazia comida, da última vez que ela foi vista, e passados 3/4 dias dessa conversa mandaram os tijolos da parede abaixo do quarto emparedado no castelo, e viram pratos de comida por comer (dos últimos 3 ou 4 dias), julgo não haver qualquer hipótese de perdoar um filme que não respeite estes eventos. Estes detalhes não estão todos no idioma inglês do wikipédia, mas eu andei a traduzir com o Google, livros e artigos em outras línguas.
Depois de eu ter lido muito na net acerca da biografia da condessa, e de ter ficado triste com as imprecisões históricas deste filme do tópico, fui ler a descrição de enredo do tal filme de 2009 "The Countess" na Wikipedia, na esperança de que fosse fiel à História, mas o filme da Julie Delphi também estava a faltar ao respeito aos dados históricos, num filme que nem sequer possui qualquer justificação artística, política ou social para cometer uma imprecisão histórica tão grave como essa, aparentemente tratando-se apenas de
Hollywoodismo, pelo que decidi não ver esse filme e por isso não poderei comentar nada mais, acerca desse filme que não vi.
Já no caso desta versão do Juraj Jakubisko, que além de filme artístico é também uma crítica sócio-politica de grande alcance, existem dois possíveis "alibis" para o realizador faltar ao respeito a um facto histórico como este.
Alibi nº 1: Revisão histórica e teoria do contra. Este alibi não funciona nesta situação, pois os detalhes da morte da Condessa não têm qualquer peso em nenhuma teoria de revisão histórica. Será importante que eu diga algo sobre este âmbito assumido pelo realizador:
Há dois anos atrás estava na esplanada do café do meu bairro, e um vizinho meu diz-me que o Homem nunca foi à Lua e que aquilo foi tudo uma conspiração do governo americano. Eu pensei para os meus botões:
"What the fuck? Este gajo não sabe nada de ciências, mas irei contar-lhe algumas coisas que eu aprendi na faculdade" e disse ao gajo que que os astronautas colocaram um espelho na lua, que é usado por cientistas na Terra para enviar um laser de ida e volta e assim medir a distância precisa, ao longo do tempo. Ele respondeu que o laser estava lá, mas não foi um homem que o colocou e sim uma máquina-robot. Ele achava que os americanos mandaram sondas robóticas que trouxeram pedras lunares e colocaram lá a bandeira americana, mas não acredita que o Neil Armstrong tenha lá estado. Eu a seguir falei-lhe do actual programa espacial chinês e perguntei-lhe se quando os chineses no futuro, forem à lua e tirarem fotografias das pegadas dos astronautas, ele passava a acreditar? Ele respondeu que nesse caso as fotos seriam falsas, como resultado de alguma conspiração entre o Kennedy e o Mao Tse Tung dos anos 60.
Uma coisa é cepticismo científico, muito saudável para o progresso da ciência, outra coisa é esta negação fanática de factos que mais parece fanatismo religioso católico de há mil anos atrás.
Pois bem, mas foi este o conceito que o realizador Juraj Jakubisko se propôs a mostrar neste filme, o caso aqui é muito diferente da teoria da conspiração do homem nunca ter ido à lua, mas a essência é semelhante. Existem vários historiadores revisionistas que colocam em causa a História estabelecida e ensinada na escola primária e secundária, aos meninos da Eslováquia, acerca desta condessa Bathory, e o realizador fez este filme para ilustrar essa teoria revisionista.
Isso implica que alguns aspectos do filme estarão de acordo com a teoria revisionista e entram em choque com a teoria oficial, isto acontece mesmo no filme com toda a lógica, mas nunca seria o caso dos pormenores em que a Condessa morreu, que nunca estiveram em disputa por nenhum historiador.
Também por isto, podemos começar a compreender que perante um realizador eslovaco, nascido em 1937, que faz um filme revisionista que foi um
blockbuster comercial em 2008/2009 no seu país natal, batendo os recordes de vendas na Eslováquia, essa menina realizadora Julie Delpy (30 anos mais jovem) estará fora de campo (utilizando linguagem de futebol) com o seu filme "The Countess", porque ela não frequentou a escola primária e secundária da antiga Checoslováquia e não estará minimamente familiarizada com o assunto, da mesma forma que um eslovaco estará.
Esta versão eslovaca é séria, complexa e rica e não é "para inglês ver"! Se querem um filme "para inglês ver" (para intrujar os estrangeiros que não conhecem a história da Eslováquia), procurem outra coisa. Eu até fico parvo com um "filme de autor" de 2008 ter batido os recordes comerciais de vendas na Eslováquia, pois eu julgava que as massas da Europa de Leste, preferiam o cinema de Hollywood após o colapso da URSS.
Alibi nº 2: Magical Realism. Ora bem, o realizador não respeita os detalhes da morte da Condessa, e o alibi nº1 do revisionismo histórico não funciona, porque esse evento nunca esteve em disputa pelos historiadores. Até agora não fiz nenhum
spoiler e também não o farei em seguida.
O realizador recorre a coisas mágicas e sobrenaturais para apresentar a morte da Condessa, sem qualquer importância para o revisionismo histórico, apenas porque sim, porque ele gosta disso e porque é a onda dele do
Realismo Mágico. Aqui voltamos uns parágrafos atrás para quando eu falei de ex-namoradas que não aceitavam os homens como eles são. Eu aceito o realizador e o filme como eles são, com magias e tudo, por se tratar de uma obra excelente e muito forte quer no campo artístico, quer no campo de crítica social/política/histórica.
Mas afinal o que é isto do
Realismo Mágico?
Eu confesso que não sei bem, mas tenho algumas noções e a minha própria ideia...
É um termo literário oficial e eu conheço bem o conceito na literatura, que até é simples:
Magic realism
From Wikipedia, the free encyclopedia
Not to be confused with science fantasy.
Magical realism, magic realism, or marvelous realism is a genre of narrative fiction and, more broadly, art (literature, painting, film, theatre, etc.) that, while encompassing a range of subtly different concepts, expresses a primarily realistic view of the real world while also adding or revealing magical elements. It is sometimes called fabulism, in reference to the conventions of fables, myths, and allegory. "Magical realism", perhaps the most common term, often refers to fiction and literature in particular,[1]:1–5 with magic or the supernatural presented in an otherwise real-world or mundane setting.
The terms are broadly descriptive rather than critically rigorous. Matthew Strecher defines magic realism as "what happens when a highly detailed, realistic setting is invaded by something too strange to believe".[2] Many writers are categorized as "magical realists", which confuses the term and its wide definition.[3] Magical realism is often associated with Latin American literature, particularly authors including genre founders Miguel Angel Asturias, Jorge Luis Borges, Elena Garro, Juan Rulfo, Rómulo Gallegos, Gabriel García Márquez and Isabel Allende. In English literature, its chief exponents include Salman Rushdie, Alice Hoffman, and Nick Joaquin.
Fonte:
https://en.wikipedia.org/wiki/Magic_realism
Se os escritores hispânicos da América do sul, são considerados os mestres, então vejamos a descrição em espanhol:
Realismo mágico
Para el movimiento artístico de los años 1920, véase nueva objetividad.
El realismo mágico es un movimiento literario de mediados del siglo XX y se define como una preocupación estilística y el interés de mostrar lo irreal o extraño como algo cotidiano y común. No es una expresión literaria mágica, su finalidad no es suscitar emociones, sino, más bien, expresarlas, y es, sobre todas las cosas, una actitud frente a la realidad.
El realismo mágico comparte características con el realismo épico, como la pretensión de dar verosimilitud interna a lo fantástico e irreal, a diferencia de la actitud nihilista asumida originalmente por las vanguardias, como el surrealismo.
Embora à primeira vista complicado, isto para mim é simples de entender na Literatura (o problema a sério é no Cinema!)
A minha opinião acerca do género Realismo Mágico
Epá! O Realismo Mágico é o oposto do Pseudo-Intelectualismo, Surrealismo, Expressionismo, etc.
Um filme pseudo-intelectual do Manoel de Oliveira como o "Vale Abraão" é o oposto deste conceito, um filme trivial sem enredo e com ausência de qualquer tipo de realismo, onde nenhum dos actores se comporta como membro da espécie humana, e as leis da Física são violadas a todos os instantes e a todos os segundos, por exemplo na cena de 5 minutos com 4 actores calados sentados no sofá a olharem para um cinzeiro.
A descrição simples do conceito
Magic Realism será a existência de uma qualquer premissa sobrenatural e mágica (que viola descaradamente as leis da física), mas a partir daí o tratamento da história entra em modo de Realismo (a corrente de cinema de Realismo não é compatível com o conceito de filmes de Hollywood, que pertencem à corrente do
Artificialismo).
O problema na transposição deste género da Literatura para o Cinema, é que à primeira vista, no papel e em princípio, um filme como o "Senhor dos Anéis" ou uma comédia romântica como a "Cidade dos Anjos" (1998) poderiam também serem considerados
Magic Realism. Mas isso não acontece no Cinema devido ao
Amadorismo ou
Artificialismo do conceito de cinema comercial desenvolvido e imposto à força (tácticas de marketing agressivas) pelos estúdios norte-americanos.
Reparem que
Realismo mágico é um termo composto por duas palavras, sendo a primeira o
Realismo, que não faz parte da doutrina dos realizadores de Hollywood, mas que era imposta por lei, por todas as ditaduras comunistas do Bloco de Leste, como doutrina artística a implementar no Cinema em todos os países sob a influência de Moscovo, até 1989-1991.
Realismo é vermos as tripas do animal de criação a ser limpo de forma historicamente credível:
De uma forma muito simples, esta é uma das diferenças entre o Realismo do cinema da Europa de Leste e o Artificialismo/Amadorismo do cinema americano, um pequeno detalhe como vermos as tripas durante a matança do animal de criação.
Conclusão
Bem... vamos ver se não arrelio muita gente com as minhas bocas do costume ao modelo de cinema de Hollywood...
mas esta é a minha forma de separar o trigo do joio...
Eu teria muito mais a dizer sobre esta obra, que achei francamente boa, mas o que escrevi já é mais do que suficiente para ficarem com uma ideia do filme. Julgo ser importante a secção em que mostrei os mapas e escrevi alguns lamirés sobre a história desta região da Europa, como curiosidade ou motivação para apreciarem o filme.
Nós em Portugal não estudamos isto na escola e esta obra não é "para inglês ver", por isso espero que os mapas façam jeito a alguém...