O Amor nos Tempos de Cólera - Mike Newell (2007)

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O Amor nos Tempos de Cólera - Mike Newell (2007)

Post by alquimista »

De onde surgiu este filme ?! Até ontem nem fazia ideia de que isto existia e como tal nunca tinha visto uma única imagem do mesmo em parte alguma. O que foi bom.

O livro de Gabriel Garcia Marquez é um dos meus livros favoritos de todos os tempos e há muito que esperava ver uma adaptação ao cinema embora sempre temesse que o resultado não fosse particularmente brilhante.

É particularmente impossível descrever este livro a quem não o leu pois é muito mais do que apenas uma boa história com um final mágnifico. É como um poema de mais de 300 páginas escrito em prosa ilustrando detalhes da vida dos personagens de uma forma que os torna absolutamente inesqueciveis quando se chega á ultima página.

Se tal fosse ainda possível, sugeria a leitura imediata do livro antes de verem esta adaptação ao cinema por um simples motivo.
É que ao descobrir a história apenas pelo filme muita gente pensará que não valerá apena ler o romance porque já conhece a história, perdendo assim o melhor deste livro. Perdendo precisamente aquilo que é a alma da história e que infelizmente está bastante afastada da adaptação ao cinema.

Este é um daqueles filmes que ao ver , dei por mim a tentar encontrar uma justificação para poder chegar aqui e dizer que é uma obra 10 em 10 estrelas no mínimo, já que para o livro não há escala que resista e como tal se o filme faz um óptimo trabalho em adaptar a história do romance este teria no mínimo de levar também uma nota máxima. Em teoria.
Infelizmente, por muito que eu goste desta história isso não acontece.

Se há um exemplo perfeito de que a literatura e o cinema são duas formas distintas de Arte com mecanismos de envolvência diferentes na maneira como captam a atenção das pessoas, esse exemplo está aqui nesta adaptação ao cinema de "O Amor nos tempos de cólera".
Não há absolutamente nada de errado com o filme. Se esquecermos que o livro existe por um momento temos aqui uma grande história de amor cinematográfica que vale mesmo a pena conhecer.
O problema aqui é que originalmente a força desta história de amor, não está propriamente no argumento mas sim em todos os pormenores que existem á sua volta no livro e que jamais conseguiriam ser traduzidos em imagem. Logo aqui mais de metade da poesia do livro sai logo voando pela janela no que toca á sua adaptação cinematográfica, pois adaptar a história é fácil e isso foi conseguido quase a 100%, agora adaptar aquilo que é a verdadeira alma do romance infelizmente não se traduz em imagens e isto só poderá ser verdadeiramente compreendido por quem também leu o livro e agora for ver o filme.
Esses perceberão porque este é um daqueles filmes que uma pessoa deseja adorar totalmente mas que nunca conseguiremos faze-lo de uma forma honesta se tivermos sempre em mente que aquilo que fez a beleza do livro nunca poderia ser traduzido em imagens.

Os personagens estão todos lá, as situações estão perfeitas, mas mesmo assim o filme parece demasiado apressado e muitas das vezes não há mesmo tempo para que o argumento do filme se foque naquilo que no livro são pormenores fundamentais para o desenvolvimento dos personagens e da história de amor central mas que no filme quase não passam apenas de coisas que têm que acontecer para justificar o final do filme sem terem mais qualquer propósito adicional quando no livro se passa exactamente o oposto.
E o pior de tudo é que este problema afecta logo um dos personagens fundamentais da história e para mim isto é um daqueles erros que não poderiam ter sido cometidos numa adaptação cinematográfica deste livro.
Espero sinceramente que venha algures a existir um directors cut que repare este pormenor pois o filme ganharia imediatamente uma dimensão bem mais próxima do livro, que na verdade até merecia ter.

Falo do personagem do Dr Juvenal Urbino.
Uma das coisas fascinantes do livro está na forma como o triangulo amoroso nos é apresentado. Conhecemos Fermina Daza e em capítulos alternativos acompanhamos a vida dos dois homens que se apaixonam por ela. A meio do livro já torcemos para que os dois homens ganhem aquele amor pois o livro está tão bem escrito que o leitor fica totalmente impossibilitado de se inclinar para um dos personagens e isso cria um suspanse perfeito pois a partir de certa altura ninguém sabe como poderá a história de amor acabar pois desejamos que todos os personagens possam ser felizes no final.
Tanto o personagem do Dr Juvenal Urbino como o pobre Florentino Ariza nos são apresentados em igualdade de circunstâncias e percebemos que ambos amam realmente Fermina Daza. É aqui precisamente que na minha opinião o filme falha pois muda radicalmente o ambiente original da história.

O filme parece seguir principalmente o percurso do pobre Florentino e basicamente passa a ideia que a história de amor central é a dele.
Practicamente o personagem do Dr Juvenal Urbino no filme é mais o habitual rival de telenovela do que outra coisa e isso empobrece imediatamente a história afastando-a dos moldes originais. O que é pena.
O Dr Juvenal Urbino é representado no filme quase como um personagem de cartão dandy e arrogante e embora a meio do argumento note-se que tenha existido uma tentativa de o humanizar e aproximar mais do Dr Juvenal Urbino do livro, aí já é tarde demais porque o espectador já está todo do lado do personagem do Florentino Ariza, o que nunca acontece no livro.

Resumindo, é muito complicado descrever este filme. Está lá tudo mas falta-lhe alma. Ou melhor, se calhar tem alma mas está totalmente desprovida da poesia. Por outro lado, tem poesia mas não é a poesia do livro e como tal parecerá sempre uma troca injusta para quem o leu e agora está a tentar associar as imagens que imaginou aquelas que foram traduzidas em filme.
É um filme romântico mas falta-lhe paixão durante quase todas as duas horas e meia, embora os últimos 15 minutos sejam particularmente excelentes e nos mostrem um pouco daquilo que o filme poderia e deveria ter sido até então.
Apesar de tudo enquanto adaptação do romance, o final do filme consegue reconciliar o leitor do livro com a adaptação cinematográfica e isso é um excelente ponto a seu favor.

No fundo este filme é realmente uma excelente tentativa de se adaptar um livro que jamais poderia ser bem traduzido em imagens e como tal há que reconhecer o seu mérito. Foi uma excelente tentativa falhada e se esquecermos que o livro existe ainda ficamos com uma mágnifica love-story cinematográfica com um final muito poético.
Embora na minha opnião o que falta aqui é a mão do Giuseppe Tornatore com uma banda sonora do Morricone a condizer, pois convenhamos.....canções da Shakira por muito que ela se tenha esforçado para dar uma identidade étnica ao filme a verdade é que acabam por não se colar completamente ao ambiente que seria desejado.

Mas não posso deixar de terminar esta longa review aqui, sem referir o trabalho dos actores.
Javier Barden na pele de Florentino Ariza é absolutamente mágnifico na forma tocante como captou completamente o personagem do livro e só por ele vale a pena ver o filme.
Depois temos ainda a inesperada e fantástica participação da Fernanda Montenegro no papel da mãe de Florentino. Outro ponto alto do filme.
Regra geral o cast é excelente. Até Bejamin Bratt se safa bastante bem como Dr Juvenal Urbino e só não faz melhor porque como já referi, o argumento do filme distorceu o sentido do seu personagem.
Entre uma quantidade de caras conhecidas nos secundários temos ainda um também inesperado John Leguizamo em permanente overacting (e a divertir-se á brava) dando um toque de humor a um personagem que nem pedia para ser particularmente memorável.
Uma nota adicional para a actriz que faz de Fermina Daza e que foi uma escolha perfeita conseguindo transmitir toda a melancolia e força do personagem ao longo dos cinquenta anos em que decorre a história.

Quanto ao resto, fotografia excelente e paisagens e atmosferas perfeitamente decalcadas do livro.
Apesar de tudo um filme que merece ser visto. Merecendo pelo menos 8 em 10 estrelas pelo óbivo esforço em tentar adaptar um livro impossível de ser adaptado.

Recomendo vivamente, tanto a quem leu o livro como a quem não leu.
E se não leram deviam ter lido. 8)

Fica aqui o trailer que apesar de conter aquele narrador a tentar á força meter estilo no filme consegue dar uma ideia do que poderão esperar quando o virem.

http://www.imdb.com/video/trailer/me60971208


Embora...curiosamente o trailer tenha um feeling mais apaixonado e arrebatador do que depois o espectador vai encontrar ao longo das duas horas e meia de filme...

Imdb:
http://www.imdb.com/title/tt0484740/fullcredits#cast


MySpace
http://www.myspace.com/litc_film


Entrevistas
http://www.youtube.com/watch?v=59KSnHSu ... re=related





8) 8) 8) 8)
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Post by tri »

No entanto as votações no IMDB e no Rotten Tomatoes são más, respectivamente 6,3 e 27%. Porquê?
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Post by alquimista »

No entanto as votações no IMDB e no Rotten Tomatoes são más, respectivamente 6,3 e 27%. Porquê?
Precisamente por causa daquela ambiguídade entre aquilo que não seria possível adaptar do livro e no entanto o filme depender disso para poder ser considerado realmente uma boa adaptação.
Também porque como disse, há mais paixão e feeling no trailer do que propriamente se sente isso no filme devido á pressa com que os acontecimentos se sucedem sem haver tempo para criar uma empatia no espectador. Embora como refiro, felizmente o final compensa todas essas falhas pois os últimos 15 minutos são bastante fieis ao espirito do romance.
Nota que no imdb a coisa está dividida entre quem acha que o filme é a adaptação possivel e portanto seria dificil fazer-se melhor e quem não gostou precisamente porque não encontrou no filme aqueles pormenores que fazem o livro mas que seriam impossíveis de serem adaptados.

Na minha opinião o filme vale um 8 em 10 pelo boa tentativa e principalmente pelo Javier Barden e pela Fernanda Montenegro (mais um par de secundários) que enchem o ecran e são verdadeiramente aqueles personagens.

Talvez o principal defeito do filme seja dar uma imagem um bocado estereotipada da américa do Sul. Parece que são todos um bocado alucinados, emotivos em excesso, histéricos, ou então dandys fazendeiros quase como se fossem os inimigos do Zorro. :mrgreen: E o facto de ser tudo falado em inglés com aquele sotaque estilo "Speedy Gonzalez" estereotipado também não ajuda.
É por isso que na minha opinião este romance pedia um filme menos anglo-saxónico e se não fosse possivel um realizador sul americano (Alfonso Cuaron talvez), merecia ter sido filmado pelo Tornatore que tem precisamente a sensibilidade poética que este livro pedia e que falta nesta adaptação inglesa produzida pelos americanos.

A minha sugestão a quem leu o livro, é que apesar de tudo espreite o filme pois não é tão mau quanto aparenta. Apenas muita gente ficou frustrada por não encontrar nele aquilo que não poderia lá estar, muito menos quando é essencialmente um filme anglo-saxonico a tentar emular uma sensibilidade poética sul americana mais com base em clichés hollywoodianos do que propriamente naquilo que deveria ter retirado do livro.
Gostaria de saber qual a opinião do Garcia Marquez sobre o filme...

Quem não leu o livro, ao menos aqui encontra um bom produto de cinema romântico bem acima dos habituais filmes telenovela pipoqueira estilo Julia Roberts.
Mas podes ter a certeza que muita da publicidade negativa é por causa da frustração que os fans do livro sentiram porque o filme não reflecte a mesma emoção que percorre a historia original.
Por mim, por agora está bom , mas espero sinceramente que um dia alguém volte a tentar fazer uma nova versão.

De qualquer maneira, este dvd vou comprar de certeza, pois acabei por gostar o suficiente do filme para ter começado há pouco de novo a reler o livro. 8)
p_alucinado
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Post by p_alucinado »

Alquimista,

daquilo que escreveste, depreendo que isto resultaria bem melhor se fosse feito em formato mini-série? Que achas? Já aqui uns dias o Tojal dizia que adorava o formato mini-série por causa disso, dava tempo aos personagens de se desenvolverem e as situações também. Fiquei a pensar nisso e chego à conclusão de que ele tem muita razão. Que achas tu?
Um clássico por semana, visto pela primeira vez, em UMA PARAGEM NO DRIVE-IN (http://umaparagem.blogspot.pt)
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Post by alquimista »

Penso que neste caso é mais importante o estilo da própria realização do que propriamente o facto da historia ser adaptada em filme ou mini-serie.
Porque na verdade, a historia amor central no caso deste filme, está lá e como tal se a adaptação tivesse sido em mini-serie, se calhar pareceria que tudo se estaria a esticar demasiado para encher tempo de ecran. O problema aqui é que para adaptar aquilo que é a magia do livro, o realizador precisa de conseguir transmitir a poesia que envolve toda a historia de amor central sem no entanto adaptar ao ecran todas as mini-narrativas paralelas que existem no livro.
Neste caso não se trata de adaptar o que falta pois isso seria impossivel e nunca funcionaria quando traduzido em imagens, mas sim adaptar o sentimento que está por detrás da escrita.

O que falha no filme é precisamente isso, até aos momentos finais não tem em absoluto o sentimento que devia ter e uma das razões porque eu refiro que isto precisava da mão de um realizador como o Tornatore é porque precisamente o Cinema Paradiso (e mesmo A Lenda de 1900) , têm exactamente a poesia do romance do Amor em Tempo de Colera, passam para o espectador aquele ambiente nostálgico que percorre o livro do Garcia Marquez e que no entanto está completamente ausente desta adaptação hollywoodesca.

Por isso filme ou mini-série o que isto precisava era de um realizador que se aproximasse mais da sensibilidade original do livro e não tivesse uma visão tão anglo-saxónica da coisa. O facto do filme ser falado em inglés com aquele sotaque estereotipado "mexicano" também não ajuda nada.
É muito deprimente ver que o filme tem os ingredientes todos lá, mas tudo foi misturado de forma errada e não fosse o final do filme salvar a honra do convento teriamos aqui um produto bem banal disfarçado de super-produção americana.
O que este filme precisava era de um remake com os mesmos actores (tirando o Leguizamo) mas num filme mais Cinema Paradiso e menos Memórias de uma Gueixa. :mrgreen: Ou seja, mais sentimento e menos bilhete postal.

O problema desta versão esta na realização. Este é o tipo de filme que poderia dizer tudo quase sem usar diálogos. As emoções do livro nas mãos de um tipo como o Hong Kar Wai por exemplo poderiam ser traduzidas em imagem de uma forma perfeita por exemplo.
Assim como está , o realizador desta versão americana limitou-se a filmar os actores e os cenários da forma mais corriqueira possivel e sem um pingo de criatividade tornando aquilo que poderia ser uma das melhores love stories cinematográficas, apenas numa telenovela "mexicana" de luxo para consumo das plateias americanizadas em estilo postal turistico ilustrado.

Por isso na minha opinião a questão aqui não esta no facto de ser necessária uma mini-serie para adaptar o que falta do texto do livro, porque isso nem seria preciso (ou possivel). O argumento desta versão americana poderia ser muito bem traduzido na mesma poesia do livro. O problema está mesmo na maneira "clinica" como tudo foi filmado. Isto tanto podia ser um telefilme que não se notava nada. Aquele ambiente de Cinema está ausente da versão americana e podia-se perfeitamente pegar nas imagens monta-las de uma forma diferente e passar isto na televisao que nunca ninguem notaria que isto seria suposto ser um filme de cinema.

Sendo assim, por mim, este é um daqueles filmes que quem leu o livro, faz um esforço enorme para não detestar, pois afinal temos pela primeira vez aqueles persongens magnificos do livro no grande ecran, mas ao mesmo tempo ficamos com aquele amargo na boca pois na verdade o resultado fica a anos luz daquilo que se esperaria de uma historia de amor como esta e por isso a desilusão instala-se por muito que a gente se esforce para encontrar coisas positivas.
É um daqueles filmes de que pensamos que gostamos mais do que na realidade gostamos porque gostariamos de gostar imenso dele. Faz sentido ? :mrgreen:

Se esquecermos o livro, é um bom filme romantico hollywoodesco e poderão ver muito pior.
Mas quem é que consegue esquecer o livro ?!! 8)

E agora lá se foram as minhas esperanças de ver o Tornatore alguma vez adaptar isto ao cinema tão cedo por culpa desta adaptação existir.

Só gostava de saber qual a opinião do Garcia Marquez sobre tudo isto. Aposto que nem viu o filme...especialmente se teve o azar de ver o trailer com aquele narrador a tentar meter estilo á força numa coisa que precisava antes de poesia. :-?

Enfim...o que vale é que eu estou de novo a reler o livro. Ao menos o filme teve esse condão de me voltar a aproximar desta história mais uma vez. E quanto mais leio o livro, mais ridiculo o filme me parece. :mrgreen:

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