Estou mais de acordo com o Helldr e com o Cabeças - e julgo que o cerne da questão aqui é mesmo o factor sobrenatural, por um lado, e o facto de ter a ver com algo que de vez em quando ouvimos falar no nossa realidade, e que é a existência de exorcismos (eu já ouvi umas quantas histórias do tio, ou do avô, ou do conhecido do amigo, que quando eram pequenos, lá na terra deles, souberam que o padre não sei das quantas libertou fulano e sicrano de uma presença maligna que se contorcia no chão, que eram necessárias várias pessoas para segurar, e que sendo analfabeto se constatava que falava várias línguas), acreditando-se ou não em Deus. Estas vertentes o Martyrs não tem, e mesmo que concorde quanto ao extremo insuportável a que vai na demonstração de violência, é um filme que não me assusta nem me arrepia nada, uma vez que o ambiente de tensão é criado mais na base do histerismo grotesco e dos efeitos de câmara alucinantes. Há a presença do mal, mas é um mal humano, que volta e meia vemos nos telejornais ou lemos nos livros de história (com outros extremos de maldade). No Exorcista há um mal de origem desconhecida, sabendo-se extra-terreno, e só por aí cria-se logo metade do medo. O resto é o "jeitinho" e o toque pessoal do Friedkin...waltsouza wrote:O Exorcista sendo um filme que lida com a religião tem logo um handicap para algumas pessoas. Ou tu acreditas naquilo (de alguma forma), ou podes passar o filme a rir, não consegues levar aquilo a sério. Suponho que diversos ateus e pessoas não crentes em Deus (e na religião católica) se tenham divertido imenso a ver o "Exorcista", mas não pelos motivos que o filme nos tenta apresentar. Eu não sou uma dessas pessoas, eu tenho imenso respeito pelo filme de Friedkin , e tenho ainda mais respeito pela religião católica, e pelos exorcismos, mas é preciso tu acreditares. Senão nada feito.Helldr wrote:Pois, isso de impressionar através de tortura e muito sangue acho que se consegue facilmente. O que é difícil é criar aquele ambiente claustrofóbico em que quase se sente a presença do mal e se cria um mau estar incrível. E não podemos esquecer o que é dito por uma criança de 12-13 anos e o que ela faz com o cruxifixo por exemplo, o que continua a ser completamente inesperado e transgressor até para os dias de hoje. Isto é a minha opinião, não a tenho como uma verdade absoluta, mas o que é certo é que o filme sempre me fez sentir desconfortável (o que para mim é pior do que impressionado ou chocado). Acho que o seu segredo, além da maneira como é brilhantemente filmado, é começar como um drama que nos envolve e achamos credível e que de repente nos cospe na cara! E aquela imagem em contraluz do padre parado em frente à casa é simplesmente icónica.
Já "Martyrs" vai ao extremo mas não só da violência, é um filme em termos psicológicos muito forte. É certo que utiliza em boa parte essa violência para nos poder atingir de outras formas, mas se formos a ver, o mesmo acontece com o "Exorcista", se não existisse Pazuzu, se aqueles exorcismos também visualmente fortes, com o uso de contornos de ossos e de cabeça, com vómitos, levitações e outros, não fossem como são, e a que Regan se sujeita, mais de metade da força do filme perdia-se certamente pelo caminho.
Vi entretanto um outro filme do sub-género, o Exorcismo de Emily Rose. Meh. A história tem alguma originalidade (aparentemente é baseada num caso real), e tem bons actores e interpretações, mas não assusta grande coisa, nem constrói a tal atmosfera densa que o Exorcista conseguia, uma atmosfera que não dependia apenas das sequências em que aparecia a possuída - antes é quase constante desde o início do filme, com as sequência das escavações no Iraque e da constatação de que há um demónio ancestral que vai fazer estragos mais cedo ou mais tarde.