Stardust Memories (1980) - Woody Allen

[Cabeças]

Mais um filme de Woody Allen, com o objectivo pessoal de (re)ver todos os filme dele.

Tal como Woody surpreendeu todos ao realizar o "Interiors" a seguir ao muito bem recebido "Annie Hall", também volta a surpreender ao realizar em 1980 este "Stardust Memories" a seguir ao extraordinário sucesso que teve com "Manhattan", em 1979. Como que faz novamente uma ruptura face ao que seria mais "tradicional" e "expectável", oferecendo-nos outra vez um filme a preto-e-branco, muito intimista, com uma fotografia a meu ver muito bem conseguida.

É um filme não muito linear, pois tanto temos o filme que o realizador Sandy Bates (Woody Allen) está a realizar (temos assim um filme dentro de outro filme), como paralelamente temos um desfilar de memórias relativas quer a relações sentimentais quer às dúvidas existenciais constantes na cinematografia de Woody Allén, apresentadas sempre de modo mais ou menos explícito.

É conhecida a admiração que Woody Allen tem por Ingmar Bergman, mas claro que ele tem outros realizadores preferidos, como Frederico Fellini. Alguns artigos chamam a atenção para o facto de, tal como o "Interiors" constituiu uma homenagem a Bergman, este "Stardust Memories" terá sido uma homenagem a Fellini, inspirando-se no seu filme intitulado "8 1/2".

O filme tem momentos de comédia perfeitamente inseridos, não desvirtuando o contexto algo onírico, surreal, por vezes quase filosófico do filme, sendo aqui que Allen nos mima com a célebre "quote" relativa aos "early funny ones", numa brincadeira sobre a crítica a que alguns o sujeitaram referindo que preferiam os seus primeiros filmes, mais cómicos. Temos as questões sentimentais, o sentido da vida, as dúvidas do realizador dividido entre o realizar o que sabe lhe trará sucesso e o que realmente gostaria de fazer. E temos sobretudo Woody Allen a mostrar mais uma vez que, mantendo algumas características fundamentais comuns à sua obra, consegue mudar de registos, reiventando contextos e modos de os realizar em termos de filme.

Há um excerto que eu (e muitas outras pessoas pelo que me apercebi) apreciei especialmente. Versa sobre a importância das memórias felizes e dos "pequenos" grandes momentos que dão significado à vida. Este é evocado no filme à hora da morte, com o intuito de reter uma última recordação feliz. E na minha opinião é um dos grandes momentos quer do filme, quer da cinematografia de Woody Allen, em podemos ver uma Charlotte Rampling muito nova (na altura com 34 anos) e Woody Allen partilhar um momento de cumplicidade a dois ao som de uma música de Louis Armstrong. O momento está fantástico, a música também (ouçam também o que canta Louis Armstrong) e penso que a cena está muito bem conseguida!



Além da Charlotte Rampling, entra também no papel de "Daisy" a Jessica Harper, que tinha protagonizado o famoso "Suspiria" de Dario Argento três anos antes, e que já tinha entrado num filme do Woody Allen em 1975, no "Love and Death". Entra também a actriz Marie-Christine Barrault, que embora não seja muito parecida, por vezes me fez lembrar que poderia passar pela irmã mais velha da actriz Julie Delpy.

Podem ler no link abaixo uma crítica muito mais desenvolvida escrita pelo José Carlos Maltez, autor do blog "A Janela Encantada":

https://ajanelaencantada.wordpress.com/ ... coes-1980/

Trailer:



imdb:

http://www.imdb.com/title/tt0081554/?ref_=nv_sr_1

[mansildv]

O 2º filme que mais gosto do Woody, logo a seguir ao Manhattan!
É uma grande obra, não me canso de o rever

[Samwise]

[Samwise]

Já agora, um pequeno comentário analítico sobre estes dois começos.

1. É óbvio que o Allen está a homenagear e a parodiar o Fellini - o formato onírico, o silêncio, as personagens que rodeiam o protagonista (e o observam), o desespero sofucante deste, que tenta evadir-se do local onde se encontra trancado...

2. Ainda assim, e apesar das semelhanças e características, estes dois começos contam histórias diferentes, cada uma perfeitamente adequada ao ego e situação do seu realizador. O Fellini é sério, dramático e algo críptico, eo Allen aparenta seriedade dramática mas transborda de humor, neste caso um humor mudo e "indirecto", tendo o seu rosto quase sempre como elemento principal de exposição e de ponte para a paródia (contando com aquilo que o espectador conhece publicamente dele, e da interpretação das "caretas" que faz nos seus filmes).

3. O Fellini estava em crise de criatividade e decide fazer um filme sobre isso mesmo. No início deste filme, o seu alter ego sonha, e no sonho dele a sua personagem está bloqueada no transito, de uma forma que é completamente impossível movimentar-se, sair dali. Todos à sua volta, os outros automobilistas, os passageiros, o observam, mas parecem resignados na sua condição de encalhados. Pelo contrário, o protagonista impacienta-se, sufoca, não quer ser o centro da curiosidade, quer sair dali e não consegue sequer sair do carro. Tenta desesperadamente abrir as portas, os vidros, até que ao fim de umas quantas tentativas lá consegue evadir-se do carro. Como que por magia, lança-se a flutuar pelo ar, acima da mediocridade que o rodeia e atormenta, e de que quer afastar-se à força toda. Os planos de "voar dali para fora" contudo acabam por sair furados, porque há quem o tenha preso por uma corda... e decida puxá-lo de volta à realidade. A fuga à vida mundana quotidiana revela-se impossível. A personagem despenha-se... e acorda do pesadelo.

4. A interpretação destes minutos, no Oito e meio, depende em boa parte do resto do filme, já que não temos nesse momento a percepção quem está a sonhar e por que razão está a ter aquele sonho. Não sabemo que é um realizador em crise de identidade/criatividade e não sabemos que está fartíssimo da exposição social

5. Já a abordagem do Allen, logo desde início, e também porque é ele próprio que figura como personagem central, não carece de explicações futuras. É tudo bastante claro.

6. Ele entrou no comboio errado. Neste caso será o "comboio da vida". Entrou na carruagem dos falhados socias. Dos "feios", "desinteressantes", "resignados", "mal encarados" - sobretudo dos "aborrecidos" que não sabem divertir-se com as oportunidades que a vida proporciona (talvez porque nem sequer tenham hipótese de lhes aceder) e não tem assunto de conversa. Estas caricaturas são tiradas a papel químico das personagens que o Fellini gosta de mostrar.

7. No comboio ao lado estão os "bonitos", os "ricos", os "bem sucedidos" (até um Oscar é mostrado de relance ), todos a divertirem-se à grande, a gozarem a vida e a ignorarem a outra composição.

8. O Allen refila com o revisor, indicando que o bilhete dele é para a outra composição. Mas sem resultado. Os passageiros que estão om ele na carruagem olham-no com indiferença e resignação. Os comboios arrancam. O Allen tenta sair da carruagem a todo o custo, à semelhança da personagem no filme do Fellini, mas sem sucesso.

9. O comboios da vida chegam ao seu destino final. A lixeira é obviamente uma metáfora para a morte. No final todos vão lá parar. Tudo isto são elementos recorrentes na filmografia do Allen: o sentido da vida, o elemento da sorte que coloca uns numa carruagem e outros na outra, a forma como se deve (ou não) gozar a vida, a morte como destino agregador do qual não se pode fugir...

[Cabeças]

Já agora, um pequeno comentário analítico sobre estes dois começos.

1. É óbvio que o Allen está a homenagear e a parodiar o Fellini - o formato onírico, o silêncio, as personagens que rodeiam o protagonista (e o observam), o desespero sofucante deste, que tenta evadir-se do local onde se encontra trancado...

2. Ainda assim, e apesar das semelhanças e características, estes dois começos contam histórias diferentes, cada uma perfeitamente adequada ao ego e situação do seu realizador. O Fellini é sério, dramático e algo críptico, eo Allen aparenta seriedade dramática mas transborda de humor, neste caso um humor mudo e "indirecto", tendo o seu rosto quase sempre como elemento principal de exposição e de ponte para a paródia (contando com aquilo que o espectador conhece publicamente dele, e da interpretação das "caretas" que faz nos seus filmes).

3. O Fellini estava em crise de criatividade e decide fazer um filme sobre isso mesmo. No início deste filme, o seu alter ego sonha, e no sonho dele a sua personagem está bloqueada no transito, de uma forma que é completamente impossível movimentar-se, sair dali. Todos à sua volta, os outros automobilistas, os passageiros, o observam, mas parecem resignados na sua condição de encalhados. Pelo contrário, o protagonista impacienta-se, sufoca, não quer ser o centro da curiosidade, quer sair dali e não consegue sequer sair do carro. Tenta desesperadamente abrir as portas, os vidros, até que ao fim de umas quantas tentativas lá consegue evadir-se do carro. Como que por magia, lança-se a flutuar pelo ar, acima da mediocridade que o rodeia e atormenta, e de que quer afastar-se à força toda. Os planos de "voar dali para fora" contudo acabam por sair furados, porque há quem o tenha preso por uma corda... e decida puxá-lo de volta à realidade. A fuga à vida mundana quotidiana revela-se impossível. A personagem despenha-se... e acorda do pesadelo.

4. A interpretação destes minutos, no Oito e meio, depende em boa parte do resto do filme, já que não temos nesse momento a percepção quem está a sonhar e por que razão está a ter aquele sonho. Não sabemo que é um realizador em crise de identidade/criatividade e não sabemos que está fartíssimo da exposição social

5. Já a abordagem do Allen, logo desde início, e também porque é ele próprio que figura como personagem central, não carece de explicações futuras. É tudo bastante claro.

6. Ele entrou no comboio errado. Neste caso será o "comboio da vida". Entrou na carruagem dos falhados socias. Dos "feios", "desinteressantes", "resignados", "mal encarados" - sobretudo dos "aborrecidos" que não sabem divertir-se com as oportunidades que a vida proporciona (talvez porque nem sequer tenham hipótese de lhes aceder) e não tem assunto de conversa. Estas caricaturas são tiradas a papel químico das personagens que o Fellini gosta de mostrar.

7. No comboio ao lado estão os "bonitos", os "ricos", os "bem sucedidos" (até um Oscar é mostrado de relance ), todos a divertirem-se à grande, a gozarem a vida e a ignorarem a outra composição.

8. O Allen refila com o revisor, indicando que o bilhete dele é para a outra composição. Mas sem resultado. Os passageiros que estão om ele na carruagem olham-no com indiferença e resignação. Os comboios arrancam. O Allen tenta sair da carruagem a todo o custo, à semelhança da personagem no filme do Fellini, mas sem sucesso.

9. O comboios da vida chegam ao seu destino final. A lixeira é obviamente uma metáfora para a morte. No final todos vão lá parar. Tudo isto são elementos recorrentes na filmografia do Allen: o sentido da vida, o elemento da sorte que coloca uns numa carruagem e outros na outra, a forma como se deve (ou não) gozar a vida, a morte como destino agregador do qual não se pode fugir...

Brilhante, como sempre!

Obrigado!

[Samwise]

Acho que há ali muito mais para desbastar no caso do Fellini, pelo menos, mas em traços grossos penso que as interpretações sejam aproximadas ao que os realizadores pretendiam significar.

Curioso que o Allen mostra o tal prémio que parece um Oscar numa altura em que tinha ganho um (ou vários?) pouco tempo antes pelo Annie Hall não se dignando sequer em estar presente na cerimónia, e engraçado ao mesmo tempo que nesse mesmo filme tenha dito que não tinha qualquer interesse por prémios... (há uma piada qualquer relacionada com o "prémio para melhor ditador")

Não sei se é no Annie Hall ou no Manhattan, já não me recordo, que há uma discussão sobre os grandes autores da altura, e que envolve o Bergman e o Fellini e mais uns quantos nomes importantes. Sei que ele vai na rua com a Diane Keaton e vão mais duas pessoas com eles (um casal). A Keaton a criticar forte e feio estas personalidades, e o Allen a defender. Não me lembro é do resto... João, tu que viste os filmes há pouco tempo, lembras-te de algo relacionado com isto?

[Cabeças]

Acho que há ali muito mais para desbastar no caso do Fellini, pelo menos, mas em traços grossos penso que as interpretações sejam aproximadas ao que os realizadores pretendiam significar.

Curioso que o Allen mostra o tal prémio que parece um Oscar numa altura em que tinha ganho um (ou vários?) pouco tempo antes pelo Annie Hall não se dignando sequer em estar presente na cerimónia, e engraçado ao mesmo tempo que nesse mesmo filme tenha dito que não tinha qualquer interesse por prémios... (há uma piada qualquer relacionada com o "prémio para melhor ditador")

Não sei se é no Annie Hall ou no Manhattan, já não me recordo, que há uma discussão sobre os grandes autores da altura, e que envolve o Bergman e o Fellini e mais uns quantos nomes importantes. Sei que ele vai na rua com a Diane Keaton e vão mais duas pessoas com eles (um casal). A Keaton a criticar forte e feio estas personalidades, e o Allen a defender. Não me lembro é do resto... João, tu que viste os filmes há pouco tempo, lembras-te de algo relacionado com isto?

[Samwise]

ahaha... foi nos dois filmes, mas em separado.

A sequência de que me lembrava vagamente é a que colocaste do Manhattan - o passeio pela rua, com a conversa sobre a "Academy of the Overrated"...

Os diálogos são hilariantes. Ele consegue empilhar gag sobre gag a cada linha que o seu personagem debita.

[mansildv]

Revi esta grande obra do Woody Allen e, para mim, continua a ser um dos seus melhores filmes! Tem uma fotografia belíssima e aquele momento com a Charlotte Rampling é fabuloso! - 9.5/10

[mansildv]

Perdeu algumas posições no meu top 10 do realizador mas passa a ser 10/10