Love and Death (1975) - Woody Allen

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Cabeças
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Love and Death (1975) - Woody Allen

Post by Cabeças »



Posso-vos dizer que dentro dos considerados 5 "early funny ones", este não só é o que mais aprecio, como também na minha opinião já se nota uma demarcação grande relativamente aos anteriores. Sim, o elemento cómico continua quase omnipresente, mas as questões relativas ao Amor, à Morte e à confusão em que se podem tornar os afectos ganha claramente uma preponderância diferente. Woody Allen quebra a chamada "4ª parede", falando e colocando directamente questões aos expectadores do filme.

Em termos de argumento, podemos acompanhar o jovem russo Boris (Woody), durante algum tempo da sua vida, explorando os seus medos, anseios e paixões, num contexto onde as invasões francesas de Napoleão acabam em determinada altura por marcar decisivamente o contexto do filme. Uma "Sonja" (Diane Keaton) arrasadora em termos de charme e comicidade, e um Woody Allen como referi acima que se parece já muito mais com o Woody mais contemporâneo do que aquele que realizou os primeiros 3 filmes.

Achei muito giro entrar a actriz Jessica Harper (Natacha) perto do final. Ela faria o "Suspiria" dois anos mais tarde, filme sobejamente conhecido pelos apreciadores do género Terror/Fantástico, realizado pelo Dario Argento. Voltará a entrar num filme de Woody Allen em 1980, com o "Stardust Memories".

O filme tem momentos de comédia de grande qualidade. Inesquecível para mim por exemplo a cena final já no genérico, quando Boris dança com a Morte por entre as árvores ao longo da margem de um lago. Para mim é das imagens mais emblemáticas que tenho dos filmes de Woody Allen e penso que das mais bem conseguidas.

Um bocadinho de um texto retirado do filme,onde Woody quebra novamente a 4ª parede e que achei bastante engraçado, mesmo "à Woody Allen":
Pergunta: aprendi alguma coisa sobre a vida? Só que os seres humanos estão divididos entre mente e corpo. A mente compreende todas as aspirações mais nobres, como a poesia e a filosofia... mas o corpo tem toda a diversão. O mais importante é não ficarmos amargos. Se se confirmar que existe Deus, não creio que seja malvado. O que podemos dizer sobre ele, é que basicamente é uma decepção.

É também neste filme que Woody Allen introduz elementos da cinematografia de Ingmar Bergman, nomeadamente com a já referida figura da morte. Recupero aqui um texto escrito pelo Samwise sobre a questão da presença de Bergman em alguns filmes de Woody:

Ingmar Bergman e(m) Woody Allen

Sendo um grande admirador de Ingmar Bergman, que considera o maior realizador de Cinema de sempre, Woody Allen foi desde cedo vincadamente influenciado pela sua obra, com a qual, de resto, partilha bastantes temáticas (o sentido da vida - ou a falta dele -, os comportamentos sociais, a moralidade, o efeito implacável e irreversível do tempo na determinação de um destino fatalista - que termina com a morte-, e a consequente nostalgia associada à irrecuperabilidade do passado) e um mesmo território de análise (o amor, o desejo, a vida conjugal, a mentira, o adultério, a culpa, o remorso, e a dissecação -via diálogos quase psicanalíticos- de todas as dúvidas e dilemas que aprisionam os protagonistas).

Diferem de forma radical na abordagem: Bergman é frio, cruel e depressivo, mesmo nos momentos de maior "calor" humano, e Allen é essencialmente cómico e ternurento, brinca com o fatalismo sem o negar, optando por uma perspectiva optimista em relação às amarguras da vida - racionaliza e simplifica a questão existêncial para concluir que não vale a pena perder tempo com preocupações que não têm solução. Bergman explora cada tema até à exaustão emocional das personagens, enquanto que Allen permite pontos de fuga e escapes frequentes, mesmo quando os confrontos e as discussões sobem para níveis quase insuportáveis de intolerância e incompreensão - insuportáveis... se não fossem tão divertidos. Bergman é angústia, dor e sofrimento constantes, irremediáveis, em que não há um "virar da página", apenas o agravar progressivo das circunstâncias que levam à tragédia, e Allen é um "ligeiro desaranjo emocional", um desconsolo que passa ao virar da esquina, com novos rumos possíveis para a felicidade em perspectiva.

A primeira vez que encontramos uma referência explicita a Bergman num filme de Allen é em 1975, em Love and Death - Nem Guerra nem Paz, com a figura da morte a aparecer no para vir reclamar aquilo que é seu. Ao contrário do que sucede em O Sétimo Selo, a indignação e resignação das vítimas nesse filme dá lugar com Allen a uma celebração de contentamento sob a forma de dança. Dois anos depois, no filme seguinte, Annie Hall, vamos encontrar Allen e Keaton na fila para comprar bilhetes de cinema para um filme de Bergman - o Face to Face - que estava mesmo em exibição em Nova Iorque no momento das filmagens. O passo seguinte foi mais arrojado para Allen, Interiors, em 1978, um primeiro drama sério em que não participa sequer como actor. A influência de Bergman é aqui evidente, quer no estilo/encenação, quer na exploração dramática/fatalista das personalidade dos protagonistas, quer ainda na predominância do ponto de vista feminino sobre o sentido da vida. Se por um lado o filme resulta a espaços, enquanto apanhado "fotográfico" de momentos concretos de intimidade ("interiors") na vida de uma família (com uma grande ajuda das interpretações), por outro parece notar-se o desconforto e a falta de naturalidade de Allen perante o "novo material". Stardust Memories - Recordações, 1980, é um filme "dirigido" a Fellini (ou à Fellini), uma outra grande influência em Allen, mas em 1982 o realizador regressa ao universo de Bergman, com uma versão light de uma das poucas comédias tentadas pelo realizador sueco, Smiles of a Summer Night. É um dos filmes mais "esquecidos" de Allen, e por justas razões - a década em que se insere está recheada de outras propostas bem mais aliciantes. Saltamos depois para 1986, o ano de Hannah and Her Sisters - Ana e as suas Irmãs , e talvez o filme em que Allen melhor equilibra o drama e a comédia. No meio de mais um elenco fabuloso, econtramos Max Von Sydow, o cavaleiro cruzado que jogou xadrez com a morte em O Sétimo Selo, e uma das "peças" fundamentais do círculo mais próximo de colaboradores de Bergman em anos precedentes. Allen fornece-lhe a linha de diálogo mais divertida do filme todo (algo a ver com o regresso de Deus à terra...). Contratar Max Von Sydow não chegou contudo para saciar a sede de Bergman em Allen, que foi depois "buscar" o cinematógrafo que fotografou a maioria dos trabalhos de Bergman, Sven Nykvist - um dos profissionais mais respeitados na sua área a nível mundial. Nykvist colaborou com Allen em Another Woman - Uma Outra Mulher (1988), Oedipus Wrecks (1989), Crimes and Misdemeanors - Crimes e Escapadelas (1989) e Celebrity - Celebridade (1998). Dez anos depois do menos conseguido Interiors, pode considerar-se que Another Woman e Crimes and Misdemeanors estão no patamar mais elevado da maturidade e adaptabilidade de Allen às "tonalidade mais sérias", da exploração intimista dos mecanismos sociais de comportamento, e da influência de Bergman enquanto observador e relator de temas conjugais. O ciclo de referências a Bergman fecha em 1991, com Shadows and Fog - Sombras e Nevoeiro, que entre outras coisas recria uma parte da narrativa de Sawdust and Tinsel, reformulando sob um formato marcadamente cómico aquilo que nesse filme era na essência trágico.


viewtopic.php?f=11&t=50125&p=609925&hil ... th#p609925

E podem ler no link abaixo uma crítica elaborada sobre o filme, do José Carlos Maltez no blog "Lanterna Mágica":

https://ajanelaencantada.wordpress.com/ ... -paz-1975/

Acrescento que o filme tem edição nacional, com imagem correcta e na minha opinião com boa qualidade. Acho também que a tradução do título "Love and Death" para "Nem Guerra Nem Paz" não teve grande sentido, mas é algo que infelizmente por vezes é recorrente nas traduções dos títulos que fazem no nosso país.



http://www.imdb.com/title/tt0073312/?ref_=nm_flmg_dr_48

Próximo filme: "Annie Hall" (1977)
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rui sousa
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Re: Love and Death (1975) - Woody Allen

Post by rui sousa »

É a minha "comédia total" preferida do Woody Allen. Daqueles filmes que uma pessoa se engasga de tanto rir.
nimzabo
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Re: Love and Death (1975) - Woody Allen

Post by nimzabo »

Também é das minhas preferidas, mas ainda gostei mais do Zelig.
mansildv
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Re: Love and Death (1975) - Woody Allen

Post by mansildv »

Também é o que mais gosto dos "early funny ones" e considero-o bastante superior aos outros! yes-)
mansildv
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Re: Love and Death (1975) - Woody Allen

Post by mansildv »

Love and Death (1975) - 9/10

Excelente comédia, para mim, a melhor dos early funny ones, que já incorpora vários elementos que marcam a obra do WA, muito bem filmada e com algumas das suas melhores tiradas cómicas :lol:
mansildv
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Re: Love and Death (1975) - Woody Allen

Post by mansildv »

Mantém a mesma nota :-))) Adoro esta comédia do Woody e acho que a Diane Keaton está muito bem e... bastante apelativa! :-))) - 9/10
mansildv
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Re: Love and Death (1975) - Woody Allen

Post by mansildv »

Continua a ser uma das melhores comédias do Woody :-)))

9/10
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