The Lost City of Z (2017) - James Gray

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waltsouza
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The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by waltsouza »



Image

A true-life drama, centering on British explorer Col. Percival Fawcett, who disappeared while searching for a mysterious city in the Amazon in the 1920s.

http://www.imdb.com/title/tt1212428/?ref_=nv_sr_1
http://www.imdb.com/title/tt1212428/ext ... _=tt_ov_rt
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Lost_City_of_Z_(film)
https://www.rottentomatoes.com/m/the_lost_city_of_z
http://www.metacritic.com/movie/the-lost-city-of-z

TRAILER



Estreia dia 21 de Abril nos E.U.A
Samwise
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by Samwise »

José Miguel, vou cometer a heresia de "invocar" mais uma vez os críticos do Público, o Jorge Mourinha e o Luís Miguel Oliveira (a quem no passado já teceste tanto elogios como críticas), a propósito de mais uns textos opinitivos que escreveram para o "tablóide". Inclui uma entrevista ao realizador com alguns pormenores curiosos. Isto para dizer que o filme é capaz de te interessar. Eu, pelo menos, tenho uma grande vontade de o ver...

https://www.publico.pt/2017/05/03/cultu ... do-1770589
James Gray em busca do cinema perdido

Com A Cidade Perdida de Z, assina uma aventura inspirada pelos grandes clássicos como Lawrence da Arábia, baseada na história verídica de um explorador inglês que se buscava tanto a si como a uma civilização perdida nos ermos da Amazónia.

Ninguém diria que as linhas que se seguem foram literalmente “arrancada a ferros” aos responsáveis pelas relações públicas do distribuidor americano — foram dois meses de insistência até finalmente conseguirmos a “bênção” de 15 minutos ao telefone com James Gray. A ironia é simples: se há um cineasta americano contemporâneo que julgaríamos “imune” a estes apertados controlos de promoção, seria James Gray, cujo classicismo “à moda antiga” e estatuto de “autor” confirmado pela devoção da crítica francesa (e pelo apadrinhamento de Cannes, que colocou na competição oficial quatro dos seus seis filmes) não pertence, de todo, aos cronómetros apertados das mesas-redondas e das micro-entrevistas para soundbites na televisão. O realizador, aliás, admite-o a dada altura da conversa: não trabalha em função das exigências de mercado nem das formatações comerciais, prefere antes fazer cinema que coloque questões ao público, que o envolva de uma maneira menos didáctica, menos formatada. Como dirá na conversa: “não acredito que o cinema tenha culpas de Trump ter sido eleito”, mas o facto da maior parte dos filmes que Hollywood produz hoje em dia serem filmes de efeitos especiais cheios de som e fúria que nada significa terá certamente contribuído para a dessensibilização de um público que, hoje mais do que nunca, precisa de mais do que apenas isso.

Brad Pitt e a sua produtora Plan B, que têm apoiado produções “fora do baralho” como Moonlight de Barry Jenkins ou 12 Anos Escravo de Steve McQueen, perceberam isso quando enviaram a Gray o livro do jornalista da New Yorker David Grann, A Cidade Perdida de Z (2009), com a intuição de que seria o realizador ideal para esta história: a epopeia verídica de Percy Fawcett (1867-1925), oficial britânico que, entre 1906 e 1914 e depois entre 1920 e 1925 percorreu os confins da Amazónia como explorador buscando uma civilização primordial, um El Dorado amazónico que muitos consideravam não passar de uma febril fantasia. Gray apropria-se do livro de Grann de uma maneira que funciona no interior de uma tradição do cinema de aventuras sem se limitar a fazer “mais do mesmo”, encontrando inspiração nos épicos de David Lean. Ao mesmo tempo, A Cidade Perdida de Z faz todo o sentido quando visto no contexto da sua curta obra (apenas seis longas em vinte anos de carreira), tornando a busca quixótica e obsessiva de Fawcett pela civilização perdida num espelho da necessidade de um filho triunfar apesar da memória do pai, da vontade de um homem provar contra tudo e todos aquilo que vale realmente — uma espécie de autobiografia deslocada do próprio realizador.

Antes de A Cidade Perdida de Z, Gray assinou três variações intensas e quase trágicas sobre o filme policial — Viver e Morrer em Little Odessa (1994), Nas Teias da Corrupção (2000) e Nós Controlamos a Noite (2007) -, um peculiar romance nova-iorquino (Duplo Amor, 2008) e uma primeira abordagem ao filme de época (A Emigrante, 2013). Todos títulos produzidos no circuito independente e que se instalavam numa forma de pensar e fazer o cinema que parecia vir inteira de outro tempo, que ressoaram com a imprensa e com os observadores mais do que com o grande público (não tendo sido ajudado pela distribuição confidencial, independente, que os filmes iam tendo).

Pelas entrevistas que iam acompanhando cada novo filme, traçava-se um retrato de Gray (n. 1969) como alguém consciente do seu lugar no mundo do cinema contemporâneo, e de uma genealogia que pretendia manter intacta. Talvez isso nunca se tenha sentido tanto como em A Cidade Perdida de Z, primeiro filme de Gray a ser adaptado de material pré-existente, mas que é tão seu como tudo o que ficou para trás. Valeu a pena esperar três meses por 15 minutos de conversa. Que souberam a muito pouco.


A Cidade Perdida de Z é o seu segundo filme de época, depois de A Emigrante, mas é também um filme muito mais exigente em termos de produção. Como é que fez a transição?

Na verdade, já tinha feito um filme de época antes de A Emigrante, se lhe quiser chamar isso, que era Nós Controlamos a Noite, que decorria em 1988-1990, dez anos antes de eu o rodar. E aprendi aí que o público repara nos mais pequenos pormenores. Por exemplo: não substituímos alguns semáforos que estavam ao longe no enquadramento porque não tínhamos dinheiro para tudo, mas as pessoas repararam, repararam também que as fardas da polícia eram diferentes do que deviam ser... Daí que, quando comecei a trabalhar na Emigrante, fiquei obcecado com os pormenores, e disse a mim próprio que tinha de acertar em tudo.

Mas é muito estranho: temos de ter muito cuidado com os pormenores, mas ao mesmo tempo não podemos ficar tão obcecados em seguir à letra a história de um livro ao ponto de nos limitarmos a fazer uma adaptação literária muito bafienta. A Cidade Perdida de Z difere do livro porque tive de introduzir alterações para o poder adaptar. O cinema, e a arte no geral, têm de abordar a história de uma maneira muito aberta, porque não estamos à procura da “Verdade” com V maiúsculo, mas sim de uma verdade maior.

Curiosamente, está a falar de obsessão, e Percy Fawcett pode ser visto como uma espécie de alter ego seu, obcecado em levar a cabo a sua aventura...

[risos] Tem toda a razão!

Sente-se nele a mesma sinceridade, a mesma obsessão, que se vê no seu cinema.

Que óptima questão. Não me apercebi disso enquanto preparava o filme, mas quando comecei a rodar, dei por mim, como um actor, à procura de um “ponto de entrada” para dirigir uma cena, de algo que a tornasse pessoal. E dei por mim a pensar, a meio da rodagem, que esta história é um pouco também a história de um realizador. De alguém que se vê obcecado por algo, e a obsessão é algo que habitualmente ligamos ao risco, ao falhanço, ao sacrifício que isso exige, também às pessoas à sua volta. Fawcett tem uma mulher inteligente mas ambiciosa, três filhos, dois rapazes e uma rapariga. E essa é a minha configuração familiar, dois rapazes, uma rapariga, e uma mulher inteligente mas muito independente, e de repente, “oh meu Deus, estou a filmar a minha autobiografia”!

Tal como Fawcett, que sonhava com um destino que já não era possível no início do século XX, você também é um cineasta fora de tempo, que não está alinhado com o que Hollywood faz hoje.

É verdade, sim. Sinto-me realmente desalinhado, mas ao mesmo tempo não sei o que é que pode substituir esse cinema clássico. A questão é esta: esta é a forma aceite, convencionada, mesmo que não tenhamos que aderir a todos os seus princípios. Há muitas maneiras de contar uma narrativa, mas estamos a contá-la na mesma: Tarkovski contava histórias, 8 ½ de Fellini é uma história... O que aconteceu no final dos anos 1960 foi óptimo, poderoso, mas acabou por ter também um efeito bastante negativo: a ideia de que a desconstrução era o futuro, que a indulgência narrativa tinha uma razão de ser. Eu até concordo — os pós-estruturalistas fizeram dissecações brilhantes — mas sempre senti que a desconstrução não tem de começar no artista mas sim no espectador, ou no crítico. São eles que têm de desconstruir, não o criador. A narrativa pode ser uma fantasia, mas é uma fantasia necessária; a partir do momento que achamos que estamos acima da narrativa, ou que não precisamos dela, então estamos a mentir. Não estamos. Portanto, quando olho para a paisagem à minha volta e para aquilo que mudou, mais do que estar desalinhado, tenho de ir atrás daquilo em que acredito e esperar que o tempo me venha a dar razão. Existem, claro, paralelismos históricos. Houve em Roma toda uma série de poetas pós-Virgílio que escreveram imensa poesia auto-reflexiva, auto-referencial, com algo de pós-moderno — mas já ninguém a lê hoje, à excepção dos académicos e estudantes de literatura clássica. Mas continuamos a ler Homero e Virgílio. E se esses clássicos ainda hoje são lidos, penso que isso é uma lição que devemos aprender.

Portanto, reconstruir em vez de desconstruir?

É uma óptima maneira de o definir. Não estou com isto a minimizar os grandes movimentos narrativos dos anos 1960, que são centrais. O Desprezo é um dos maiores filmes jamais feitos, embora mesmo aí Godard esteja a construir uma narrativa, e uma narrativa muito pessoal. A minha definição de narrativa é bastante alargada, mas continuamos a precisar de âncoras que nos balizem.

A esse propósito, citou repetidamente David Lean como referência para A Cidade Perdida de Z.

Tenho uma enorme admiração por Lean, mas quando olho hoje para Lawrence da Arábia, por exemplo, é um filme que pertence a uma outra era do cinema... Ele põe Alec Guinness a interpretar um árabe, o que é completamente absurdo, e na altura em que fez o filme, em 1962, não podia realmente explorar a componente homossexual da história, percebe-se que ele quer ir lá mas não pode. Eu não tenho o talento de David Lean, nem os seus recursos financeiros. Posso apenas tentar actualizá-lo para a política dos nossos dias. Não quis fazer um olhar “do homem branco”; tentei que os povos indígenas da América do Sul mantivessem a sua postura independente e que o lugar da mulher naquele mundo fosse também expresso de maneira realista. Isso era para mim muito importante no tratamento da história. Foi uma das questões que mais me preocupou durante a rodagem: evitar fazer um filme do ponto de vista do homem branco como conquistador.

À imagem de Lean, A Cidade Perdida de Z procura uma combinação de intimismo e espectáculo que precisa de tempo de projecção para funcionar.

Essa foi sempre a minha ambição. O interessante disso é que a questão do ritmo do filme tem sempre sido o meu inimigo. O público hoje tem uma certa exigência quanto ao ritmo, diferente daquela que prefiro. Não penso que seja possível contar a correr uma história onde estamos a tentar expressar complexidade e nuances... A única hipótese é dar tempo às coisas. Se isso agrada ou não às pessoas, é outra questão. Mas não acho correcto dar só ao público algo que seja super-rápido, despachado, e não queira dizer nada. Já há demasiado cinema assim hoje. Porque é que eu quereria repetir a mesma catástrofe que nos levou à situação em que estamos? O mundo ocidental está em apuros — claro que não acho que os cineastas sejam os culpados disso, mas somos provavelmente parcialmente culpados disso. Quando não existe contemplação não existe complexidade, e quando a contemplação e a complexidade não existem, não há sofisticação nem capacidade de resolver problemas. Num jogo de video há um envolvimento activo do espectador, e alguns são óptimos e a criatividade envolvida na sua criação é absolutamente extraordinária, já para não falar da tecnologia. Mas essa não é a forma de um filme. Num filme o espectador é passivo, não pode alterar a direcção da história, e está forçosamente a submeter-se à visão de outra pessoa. Há duas abordagens possíveis: uma é didáctica, o realizador diz-nos exactamente o que sentir. A outra, que é muito mais democrática em meu entender, convida o espectador a entrar no seu mundo e a fazer perguntas. É muito mais interessante. É isso que procuro fazer.


https://www.publico.pt/2017/05/04/cultu ... da-1770629
A Floresta Encantada

O filme é obcecado com ruinas, e no limite trata a selva, ela própria, como uma ruína, numa deriva romântica que tem o seu quê de germânico.

A Cidade Perdida de Z é o filme que mais desarruma o rasto, até aqui consideravelmente homogéneo, que a obra de James Gray tem deixado. É verdade que ja o tinha feito um pouco no filme anterior, A Imigrante, onde trocava a época contemporânea pelas primeiras décadas do século XX, mas mantinham-se o meio ambiente e a “temática” de todos os filmes do realizador desde a estreia com Little Odessa, o retrato da vida das comunidades imigrantes (sobretudo de origem russa, como a família de Gray) em Nova Iorque e arredores. Aqui, tudo isso é varrido, e se, por relação com A Imigrante se mantém a reconstituição de uma época remota (são ainda as primeiras décadas do séxulo XX, entre 1906 e os anos 1920), nem sombra de russos ou de Nova Iorque. Antes a história de um aristocrata inglês, obcecado com uma cidade mítica nos confins da Amazónia, que pode ou não ser a lendária Eldorado que enlouqueceu os conquistadores espanhóis, e que troca a confortável vida na sua cottage por repetidas viagens à América do Sul em busca da cidade perdida de Z.

Podíamos notar que o movimento da personagem (que se chama Fawcett é interpretada por Charlie Hunnam) tem algo de paralelo com a própria posição de Gray, cineasta a trocar o seu “lar” pelo desconforto de um universo estranho, por puro voluntarismo, quando nada o obrigava a fazê-lo. Notar isso, contudo, obriga-nos a notar o quanto A Cidade Perdida de Z, pese toda essa estranheza não apenas geográfica, carrega ainda do universo temático tradicional de Gray. Vemos as cenas familiares, antes da primeira expedição, e depois nos intervalos entre viagens, e forçoso se torna reparar, até pelo peso específico que essas cenas têm na economia narrativa do filme, que A Cidade Perdida de Z, sem ser mais uma variação explícita em torno da bíblica parábola do filho pródigo, continua a ser uma história onde a família se vive num movimento de repulsa e atracção, um sítio onde se parte e a que se está condenado a regressar. Aliás, em termos dramáticos, isso é reforçado pela estrutura narrativa, sempre “em frustração”, com os sucessivos regressos das expedições sul-americanas sempre que a mítica cidade parece estar ao alcance das mãos.

Mas, ainda a propósito da questão familiar, quem tenha bem presente a obra anterior de Gray não poderá deixar de detectar uma repetição explícita, como se, mudando todas as circunstâncias, o realizador estivesse à vontade para rimar sem disfarces — aquele diálogo entre o pai e o filho Fawcett, na derradeira expedição (algo como “amo-te muito, pai”, “eu também te amo muito”), retoma quase tintim por tintim o último diálogo entre o par de irmãos de Nós Controlamos a Noite. As circunstâncias são bem diferentes, mas também aqui o momento da aceitação e da expressão do amor familiar parece ser o ponto Z.

“Z” que, claro, é a última letra do alfabeto, o ponto de chegada derradeiro, para além do qual nada mais há. A letra não é usada em vão, porque o filme está eivado de uma poética “terminal”, é um filme sobre o fim, um filme sobre a extinção. Não se revela logo, aliás este é filme de Gray que mais tempo demora a “revelar-se” (e é também o mais longo, com as suas quase duas horas e meia), mas o movimento do filme, em eco da obsessão do protagonista, é um movimento para a dissolução, para o desaparecimento, para a extinção. Extinção dele, e extinção dum mundo. O filme é obcecado com ruinas (por exemplo, o encontro e reencontro com a ópera no meio da selva, completamente “fitzcarraldiana”), e no limite trata a selva, ela própria, como uma ruína, numa espécie de deriva romântica que tem o seu quê de germânico.

Pensamos, e não parece um pensamento especialmente delirante, que Gray filma a Amazónia como Caspar David Friedrich a podia ter pintado — plasticamente o filme é belíssimo, exteriores e interiores tratados com um cuidado que releva sempre algo quase desaparecido desse reino do banho de luz que é o cinema contemporâneo: as sombras, o brilho das cores no escuro, coisas que dá vontade de dizer que só Gray e Pedro Costa fazem actualmente. Mas extinção dum mundo, também, um mundo “conradiano” (óbvia influência, por ele e pelo que Coppola fez com ele no Apocalypse Now, que o final de Z tanto lembra) que consegue restituir o apelo romântico da última vaga colonial mantendo sempre a perspectiva (as cenas com os índios: o olhar deles sobre os aventureiros é “documental”, é o século XXI a olhar para o homem do princípio do século passado), e consciente da mudança de tempo (para isso é fulcral a mediação das cenas durante a I Guerra). E este olhar sobre o romantismo, um romantismo alheio de que o filme se apropria para o tornar seu, é duma beleza extraordinária.
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JoséMiguel
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by JoséMiguel »

Sam, este foi o filme que me chamou a atenção na outra discussão (até coloquei lá o poster do "The Lost city of Z"):

http://sbccfilmreviews.org/?p=39356
viewtopic.php?f=11&t=51827

Mas é difícil comentar críticas de filmes novos que eu nunca vi.

- off topic -

Eu só irei prosseguir a "nossa" discussão mais tarde neste tópico: viewtopic.php?f=11&t=44713

É curioso que eu andava lá a falar do "Apocalipse Now" e agora vou ter de o abordar no tópico do Conan, à luz do que descobri acerca do argumentista que é obcecado por esse tema dos psicopatas malandros que fundam religiões e seitas, para poderem ser ditadores. :lol: O "Apocalipse Now" faz mais sentido para mim agora, mas continuo a achá-lo pseudo-intelectual. teimoso-) Depois terei de ler o que escrevi e caso necessário fazer alguma retracção (espero que não seja preciso).

Sam, se quiseres podes fazer lá um ponto da situação, talvez explicando a questão em cima da mesa dos diferentes critérios de classificação, de forma mais clara do que eu fiz no tópico do filme russo.
nimzabo
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by nimzabo »

Com A Cidade Perdida de Z, assina uma aventura inspirada pelos grandes clássicos como Lawrence da Arábia, baseada na história verídica de um explorador inglês que se buscava tanto a si como a uma civilização perdida nos ermos da Amazónia.
Não tive pachorra para ler tanta coisa mas o principiozinho já me chega para pegar nisto.
Em primeiro lugar o Lawrence da Arábia, como tive ocasião de escrever aqui quando o vi, cobre para aí em 5 ou 10% do livro 'Os sete pilares da sabedoria', e consegue a proeza de inventar algumas aventuras que não constam nele. Ainda assim não é mau de todo pois penso que respeita mais ou menos o espírito do livro. O mesmo não acontece por exemplo com o África Minha, um muito bom livro (mesmo!) e um mau filme, o que afirmo mesmo ser ter visto o filme todo. Invocar o Lawrence da Arábia parece-me um mau começo.

Em segundo li e tenho um livro que encontrei por acaso numa feira de velharias chamado 'Exploração Fawcett' da autoria do filho do explorador inglês da Amazónia, Coronel P.H. Fawcett, feito com base em escritos do próprio. Comprei-o por acaso pois nem o conhecia. Falava da exploração da Amazónia e custava já não sei se 0,5€ se 2€ de modo que o comprei.
O coronel Fawcett foi um oficial inglês (ou escocês?) e foi contratado pelos governos sul americanos para explorar e delimitar as zonas de fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia, salvo erro. Isso aconteceu no principio do sec. XX em plena época de exploração da borracha, uma das actividades económicas mais desumanas que terá havido na história, principalmente no Congo mas não só. Na América do Sul também terá morrido muita gente à conta da borracha e nisto incluo as péssimas condições de vida de quem vivia longe da civilização. Tudo isso é contado no livro assim como as reflexões do Coronel sobre os povos indígenas, para além das aventuras das expedições.
O coronel Fawcett tinha um lado de grande interesse pelos índios e distinguia-se de muita outra gente que atirava primeiro e perguntava depois. Por diversas ocasiões arriscou a vida em primeiros contactos com os índios e poderá ter sido o que esteve na origem do seu desaparecimento (e do filho mais velho) ao fim de várias expedições ao longo dos anos. O livro é extremamente interessante e recomendo, se bem que em livrarias não deve ser possível encontrá-lo. Em bibliotecas ou alfarrabistas talvez.

Por ter gostado muito pesquisei e fiquei a saber da existência do 'A Cidade Perdida de Z' que cheguei a requisitar na biblioteca. Ao fim de algumas páginas desisti mas para ser sincero não me lembro já bem do que não gostei. Penso que algumas coisas estavam em desacordo com o livro que li primeiro, nomeadamente ao nível das motivações e interpretação de comportamentos.

Sobre a exploração da borracha conheço outras coisas quase todos boas e interessantes.
- O que gostei menos é o mais conhecido, 'O Coração das Trevas' do Joseph Conrad, que inspirou as cenas finais do filme 'Apocalipse Now'.
- Depois há 'o Sonho do Celta' do Vargas Llosa que conta a história de um emissário inglês, homossexual, enviado para o Congo e para a América do Sul precisamente para investigar as alegadas condições desumanas na exploração da borracha.
- A Selva do Ferreira de Castro é um clássico português, baseado na própria experiência do autor que rumou à Amazónia ainda adolescente. É literatura de primeira água mas nota-se, ao contrário por exemplo do coronel Fawcett, que a atitude em relação aos índios passa muito pelo medo. Destes livros a que faço referência é o mais rico literáriamente e faz parte de vários livros do autor reeditados recentemente pela Cavalo de Ferro.
- Recomendo finalmente o documentário 'White King, Red Rubber, Black Death' (http://www.imdb.com/title/tt0404551/?ref_=fn_al_tt_1), o que melhor dá conta da barbárie que terá sido em África a exploração da borracha.

Em relação ao filme, não sei, mas tendo lido o livro, que nem sequer foi o que deu origem ao filme, a minha expectativa é que ficará aquém do que li. Mas é preconceito pois do filme propriamente não sei nada.
Faz-me muita diferença os atores e as representações não se adequarem ao que imaginei das autores/protagonistas quando li os livros. O Peter O'Toole no Lawrence nem é o caso mas a Meryl Streep para mim está péssima no África Minha. Outro caso foi a interpretação do Thor Heyerdahl no Kon Tiki de 2012. Qualquer semelhança entre a personagem do filme e o que idealizei pela leitura é pura coincidência. Temo que no caso deste filme agora suceda o mesmo.

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Last edited by nimzabo on May 5th, 2017, 1:02 pm, edited 1 time in total.
Samwise
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by Samwise »

Óptimo comentário, ninzabo. yes-)

Apesar de eu discordar de ti numa série de pontos, entendo o teu ponto de vista. Mais tarde desenvolvo.

Mas sugiro que leias o artigo todo, pois tem a explicação da comparação entre os dois filmes...
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by technicolor »

Muito interessante, nimzabo. Sobre expedições e exploração da borracha na américa do sul (um pouco) lembrei-me também d'O Abraço da Serpente, nomeado para o oscar de melhor filme estrangeiro em 2015.

http://www.imdb.com/title/tt4285496/

Relativamente a The Lost City of Z por mais superficial que possa ser, tenho interesse em ver até porque, dizem para aí, ( e agora num registo mais ligeiro) que Fawcett terá sido uma das fontes de inspiração para a criação da personagem de Indiana Jones (?) :o

Link de um blog brasileiro que divulga essa teoria... (a sua leitura poderá conter spoillers pois contem informações sobre a expedição)

http://leandrosauerbronn.wixsite.com/kr ... iana-Jones

A crítica pouco favorável do veterano Eurico de Barros no OBSERVADOR
O filme de aventuras na selva foi, durante bastante tempo, uma alínea muito popular do filme de aventuras geralmente considerado. Rodado muitas vezes em modalidade série B, interpretado por atores e atrizes de segundo plano ou por antigas “estrelas” em rota de carreira descendente, com as selvas africanas, latino-americanas ou asiáticas recriadas em estúdio e recurso a imagens de exteriores e de animais de arquivo, mesmo assim este subgénero dava muito pano para mangas de aventuras remotas e exóticas. Que podiam decorrer em várias latitudes e envolver tribos, animais fantasiosos e tesouros velhos de séculos, ou pegar nesse tema clássico que são as cidades ancestrais perdidas. O novo filme do realizador americano James Gray (“Nas Teias da Corrupção”, “Nós Controlamos a Noite”, “A Emigrante”) tem um título que não se podia anunciar mais suculento: “A Cidade Perdida de Z”, adaptando o livro homónimo de David Grann. Ainda por cima, baseia-se (embora tomando bastantes liberdades) numa história verdadeira. A do cartógrafo, militar e arqueólogo inglês Percy Fawcett, que viveu entre meados do século XIX e o início do século XX, e desapareceu com o filho Jack na selva amazónica em 1925, durante mais uma exploração em que procurava encontrar os restos de uma cidade a que deu o nome de “Z”, onde teria prosperado, há milénios, uma civilização relativamente sofisticada, e que poderia ainda ter ligações à mítica El Dorado. Nestes tempos em que o filme de aventuras está praticamente extinto e foi substituído por superproduções de ficção científica estereotipadas e por filmes de super-heróis feitos em comité, “A Cidade Perdida de Z” faz figura de anacronismo bem-vindo, já que narrativas de cariz colonial e imperial em paragens distantes povoadas por tribos primitivas, deixaram de ser bem vistas e arriscam a fúria dos bem-pensantes e dos politicamente corretos. Infelizmente, “A Cidade Perdida de Z” não está à altura das expectativas de quem legitimamente ansiava por um “jungle movie” à moda antiga, mesmo que a aventura fosse mais de desbravamento geográfico e pesquisa arqueológica do que de descoberta e conquista. Até se perdoa a James Gray ter podado os aspectos mais excêntricos da personalidade de Percy Fawcett (era um mitómano que afirmava ter visto animais fantásticos nas suas viagens amazónicas, e a importância que teve no mapeamento da região foi muito menor do que o filme mostra), para o transformar num indivíduo que, mais do que querer tirar dividendos comerciais, de prestígio pessoal ou honrar o império com a sua fixação na descoberta da cidade de Z, pretende fazer história e limpar o nome de família, degradado pelo pai, que se arruinou ao jogo, e afirmar-se perante os céticos (sobretudo os da Real Sociedade de Geografia para que trabalhou e a que pertenceu) que o gozaram e duvidaram dele. O que se não perdoa é a modorra introspetiva e a convencionalidade formal que o realizador instala num filme que pedia ou um gesto épico, ou um rasgo de loucura. Afinal, o que está em causa é a obsessão de uma vida. “A Cidade Perdida de Z” não é carne nem é peixe. Existe num meio-termo chocho, numa terra de ninguém bem-comportada, entre o “jungle movie” aventuroso clássico, levado por um sopro heróico, e a jornada obsessiva, febril e desmesurada a paragens inexploradas, ao estilo herzoguiano de “Aguirre, a Cólera de Deus” ou “Fitzcarraldo”. E os atores também não ajudam nada. O coronel Percy Fawcett é interpretado pelo panão Charlie Hunnam, que tem o carisma de um papa-formigas, e Robert Pattinson faz apenas meritória figuração no papel do fiel “segundo” deste, Henry Costin, enquanto que Sienna Miller é deixada para trás, em casa, no papel da Sra. Fawcett, mulher voluntariosa mas resignada às imposições sociais da época. Um desperdício de tudo, a começar pela selva amazónica

Eurico de Barros / OBSERVADOR
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by Samwise »

Finalmente um tempito para responder ao Nizambo com mais detalhe:
nimzabo wrote: May 5th, 2017, 10:16 am
Com A Cidade Perdida de Z, assina uma aventura inspirada pelos grandes clássicos como Lawrence da Arábia, baseada na história verídica de um explorador inglês que se buscava tanto a si como a uma civilização perdida nos ermos da Amazónia.
Não tive pachorra para ler tanta coisa mas o principiozinho já me chega para pegar nisto.
Em primeiro lugar o Lawrence da Arábia, como tive ocasião de escrever aqui quando o vi, cobre para aí em 5 ou 10% do livro 'Os sete pilares da sabedoria', e consegue a proeza de inventar algumas aventuras que não constam nele.
Eu não persegui por completo a vontade de ler a obra literária, que, algumas páginas volvidas, se me afigurou como um trabalho substancialmente mais complexo e ambicioso do que imaginei inicialmente. O Seven Pilars of Wisdom vai de certeza surpreender quem o tente ler pensando que é "apenas" o livro em que o filme se inspirou, o que é muito errado. A prosa é erudita, o tom é filosófico, e os pensamentos do Lawrence refletem um espírito crítico muito atento ao caldeirão geo-político onde vai actuar pelo seu país. É coisa da pesada, algo ao nível talvez de um Moby Dick, e que não associaríamos à noção cultural que temos de um "coronel do exército".

Mas adiante. Ninzambo, temos aqui várias questões importantes. Uma delas é a problemática de sermos vulneráveis à influência que um livro tem sobre o nosso julgamento quando mais tarde vemos a adaptação ao cinema. Creio que todos somos de alguma forma permeáveis a essa influência, e de acordo com o respeito que temos pelo livro, também conforme a nossa reacção depois ao trabalho do cineasta. Cineasta este (ou equipa esta) que pode ter uma infinidade abordagens válidas ao material original, entre os extremos de ser completamente é fiel aos factos narrativos, ou afastar-se e "inventar", também de acordo com a sua leitura própria e com a visão que pretende transmitir. Algo que, na minha opinião, não deve por si só servir para dizer que o filme é bom ou que é mau. Podemos sempre ficar "tristes" ou revoltados quando a visão do realizador passa ao lado ou subverte a mensagem e o espírito do livro (a mim sucedeu-me com a adaptação que o John Ford filmou do The Grapes of Wrath, do Steinbeck), mas partir daí para dizer que o filme não presta já não concordo (o que me transporta já a seguir para a tua avaliação do Out of Africa). A propósito de o filme Lawrence of Arabia inventar aventuras que não estão no livro, consta que o próprio Lawrence inventou aventuras quando escreveu os livro a partir exclusivamente das suas memórias... :-))) Portanto, a este respeito estamos a criticar o que ao certo? A imaginação fértil de... autores de objectos de arte?

Ainda assim não é mau de todo pois penso que respeita mais ou menos o espírito do livro. O mesmo não acontece por exemplo com o África Minha, um muito bom livro (mesmo!) e um mau filme, o que afirmo mesmo ser ter visto o filme todo. Invocar o Lawrence da Arábia parece-me um mau começo.

(...)

Faz-me muita diferença os atores e as representações não se adequarem ao que imaginei das autores/protagonistas quando li os livros. O Peter O'Toole no Lawrence nem é o caso mas a Meryl Streep para mim está péssima no África Minha.
Em relação ao Out of Africa, não li também o livro, e sou então alheio (se calhar felizmente) ao que por lá se descreve de personagens e narrativa. Mas serve este exemplo para ilustrar aquilo que tenho vindo a defender ao longo do tempo aqui no fórum. A nossa avaliação de uma determinada obra depende em exclusivo da nossa visão pessoal, que é formada por aquilo que será a nossa personalidade inata e mais a experiência acumulada que a vida nos deu até ao momento. Como se explicaria, de outra forma, que o Ninzabo considere o filme mau, mesmo mau, e a Meryl Streep péssima, tendo em conta o que consta no livro, pelo menos, e eu, sem ter lido a obra, considere o exacto contrário nos dois casos?

O filme é até um caso de excepção na minha cinefilia, porque faço questão de o ver todos os anos, tal é o apreço que tenho por ele. Já devo ir aí numas 20 ou 25 visualizações no total, que é bem mais do que a média que contabilizo para os casos dos filmes que tenho como preferidos (6 ou 7 visualizações, talvez seja a média geral). Para mim é uma obra sublime, com uma interpretação imaculada da Meryl Streep, e talvez o filme romântico de que mais gosto. Não faço a mais pequena ideia se é fiel às personagens ou ao espírito do livro, mas sinceramente, não é coisa que me faça ficar acordado à noite. :-)))

Isto para dizer que estou solidário com o que consideras do filme e compreendo que o livro te tenha marcado com "imagens imaginadas" que chocam depois frontalmente com o filme, mas que há lugar, em simultâneo, para todas as interpretações e gostos que possamos retirar de cada livro/filme/tema musical/quadro, etc.
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by nimzabo »

A prosa é erudita, o tom é filosófico, e os pensamentos do Lawrence refletem um espírito crítico muito atento ao caldeirão geo-político onde vai actuar pelo seu país. É coisa da pesada, algo ao nível talvez de um Moby Dick, e que não associaríamos à noção cultural que temos de um "coronel do exército".
Discordo. Não achei muito difícil de ler (nem erudito ou filosófico). Que é alguém 'culturalmente evoluído', concordo.
O Miguel Sousa Tavares no livro 'Não se Encontra o que se Procura' que é uma colecção de textos de diversos tipos tem num dos capítulos uma espécie de resumo da vida do T.E. Lawrence. Quem não tiver pachorra para todo o livro pode ler ali sobre a vida dele que é interessante. E tem ainda outro capitulo sobre a vida do Churchill que vale igualmente a pena.

Para mim é uma obra sublime, com uma interpretação imaculada da Meryl Streep, e talvez o filme romântico de que mais gosto.
Pois, o livro que (eu) li não é romântico.
É a narrativa, rica e profunda, se posso dizer assim, da vida de uma mulher em África.
A mulher do filme é frívola.

mas que há lugar, em simultâneo, para todas as interpretações e gostos que possamos retirar de cada livro/filme/tema musical/quadro
Imagina que escrevias um livro sério a contar a tua vida plena e depois alguém fazia uma filme da tua com o Jim Carrey num tom completamente a despropósito.
Concordarias? Invocarias nessa altura a liberdade artística ou o direito que cada um tem a uma interpretação pessoal?
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by Samwise »

nimzabo wrote: May 11th, 2017, 6:40 pm
A prosa é erudita, o tom é filosófico, e os pensamentos do Lawrence refletem um espírito crítico muito atento ao caldeirão geo-político onde vai actuar pelo seu país. É coisa da pesada, algo ao nível talvez de um Moby Dick, e que não associaríamos à noção cultural que temos de um "coronel do exército".
Discordo. Não achei muito difícil de ler (nem erudito ou filosófico). Que é alguém 'culturalmente evoluído', concordo.
O Miguel Sousa Tavares no livro 'Não se Encontra o que se Procura' que é uma colecção de textos de diversos tipos tem num dos capítulos uma espécie de resumo da vida do T.E. Lawrence. Quem não tiver pachorra para todo o livro pode ler ali sobre a vida dele que é interessante. E tem ainda outro capitulo sobre a vida do Churchill que vale igualmente a pena.
Foi a sensação com que fiquei das primeiras páginas/capítulos. Mas li mesmo muito pouco e posso ter uma noção bastante errada por conta de uma generalização que não devo fazer. Contudo, num artigo introdutório que acompanha a minha edição, o comentador aponta com alguma insistência estas questões.

Eu achei difícil de ler também pelo lado descritivo (e este é outro aspecto em que se assemelha ao Moby Dick). Descrições infindáveis, detalhadas e recorrentes de tudo e mais alguma coisa. História, Geografia, Religiões, pessoas, comida...

Posso ter tentado pegar no livro numa má altura, mas fiquei com a ideia de que não tornaria a tentar tão depressa. #-)
Para mim é uma obra sublime, com uma interpretação imaculada da Meryl Streep, e talvez o filme romântico de que mais gosto.
Pois, o livro que (eu) li não é romântico.
É a narrativa, rica e profunda, se posso dizer assim, da vida de uma mulher em África.
A mulher do filme é frívola.
Não podendo comparar com o livro, que acredito ser muito mais detalhado e extenso na descrição que faz da personagem, não entendo como podes considerar "frívola" a mulher do filme. Temos entendimentos diferentes acerca desse termo. :-)))

Estamos a falar de uma mulher de "boas famílias" que aceita ir com um marido por quem não está apaixonada (e que não a ama) para uma colónia em África explorar uma plantação própria, que decide por mãos à obra e pegar na propriedade quando esse mesmo marido não lhe liga nenhuma ou à quinta e a abandona para ir gozar a boa vida nas caçadas (e mesmo assim lhe perdoa todo o mal que ele lhe faz), que decide criar uma escola onde ensina as crianças nativas locais a ler, que se dedica à escrita e à reflexão enquanto as outras mulheres dos colonos locais passam a vida no ócio, nos chás da socialite e na bisbilhotice, e que inclusivamente se ajoelha aos pés do cônsul para pedir que respeite os nativos no momento da partida. oh-)
mas que há lugar, em simultâneo, para todas as interpretações e gostos que possamos retirar de cada livro/filme/tema musical/quadro
Imagina que escrevias um livro sério a contar a tua vida plena e depois alguém fazia uma filme da tua com o Jim Carrey num tom completamente a despropósito.
Concordarias? Invocarias nessa altura a liberdade artística ou o direito que cada um tem a uma interpretação pessoal?
Em primeiro lugar, sim, concordaria com a liberdade de qualquer adaptação que pudessem querer fazer. Aquilo que teria escrito no livro continuaria a ser a minha versão, e manter-se-ia inalterada e inabalada face a qualquer visão "exterior".

Mas parece-me que estamos a falar de coisas diferentes. Nesse caso eu seria o autor da obra original e estaria a comparar logo a partir de uma perspectiva necessariamente redutora, conhecendo a minha visão, sendo ainda por cima sobre mim próprio, e tendo de a confrontar com outra que não seria "real".

Neste caso do livro e do filme, eu apenas conheço o filme. Não sei se a minha avaliação vai mudar alguma coisa depois de ler o livro (admito que sim), mas deixo-te então com uma contra-pergunta :-))) :

De que forma deveria eu olhar para o filme não conhecendo o livro? Imagina que o filme acabou de estrear, eu não sei nada sobre ele, vou às escuras para a sala, e adoro a experiência. Não tenho nenhuma versão prévia da história, não sei se o filme é fiel ou se diminui ou subverte o livro, e desconheço por completo outras opiniões sobre o assunto.

A avaliação que faço do filme, o gosto e a admiração que sinto nesse momento, são menos legítimos por eu desconhecer o material original?
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by Samwise »

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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by nimzabo »

A avaliação que faço do filme, o gosto e a admiração que sinto nesse momento, são menos legítimos por eu desconhecer o material original?
Não, claro que não.

Eu também li o Moby Dick e são géneros muito diferentes.
O Sete Pilares é literatura de aventuras, relativamente ligeiro na escrita, mesmo que possa abordar vários aspetos.
O Moby Dick é muito mais literário.

Quanto à frivolidade, eu não vi o filme todo, talvez nem metade, mas quando penso nele e me refiro à frivolidade da Meryl Streep é mais em termos da atitude e não tanto em termos substantivos.
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by mansildv »

The Lost City of Z (2017) - 6.5/10

Confesso que fiquei um pouco desiludido, apesar de estar bem realizado, com bons desempenhos (o Charlie Hunnam e o Robert Pattinson estão impecáveis) e uma fotografia deslumbrante, e a história é suficientemente interessante para me deixar agarrado. O único problema é que o filme segue a fórmula à risca, sem qualquer originalidade, e dá ideia que estive a ver algo excessivamente gasto.
Last edited by mansildv on July 13th, 2017, 11:39 am, edited 1 time in total.
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by PanterA »

Isto basicamente é James Gray, não há muito por onde enganar. Talvez pelo inicio me tenha levado a duvidar um pouco daquilo que iria sair dali e da abordagem pretendida, mas rapidamente chega-se ás raízes e pretensões do realizador.

Pega ali em algo shakespeariano juntamente com muita tragédia grega à mistura para transformar uma aventura ao desconhecido, a uma aventura ás aspirações e sonhos do ser humano. E nesse aspecto o filme desdobra-se lindamente com um diálogo peculiar e uma introspectiva interessante a várias camadas psicológicas.

E para minha surpresa o Charlie Hunnam esteve no ponto no papel, visto que aquilo era sempre o mesmo gajo a fazer o mesmo papel com aquela voz de mauzão com menos ou mais realce. Este é provável que seja até ao momento a sua melhor performance. Not bad.

8/10
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by rui sousa »

É um dos grandes filmes do ano, uma aventura que não segue tanto as suas supostas referências (daí que muitas críticas se tenham apegado mais ao facto de "este filme é fraco porque não é do nível do Herzog" e etc). James Gray é um realizador sub e sobrestimado em doses iguais, mas tenho gostado muito dos seus últimos filmes. O melhor, para mim, é o anterior, "The Immigrant".
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Re: The Lost City of Z (2017) - James Gray

Post by nimzabo »

daí que muitas críticas se tenham apegado mais ao facto de "este filme é fraco porque não é do nível do Herzog
Do Herzog? o quê concretamente?
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