Alien³ - A Desforra - David Fincher - 1992/2003

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Samwise
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Alien³ - A Desforra - David Fincher - 1992/2003

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Calhou ao estreante David Fincher a tarefa ingrata de dirigir em 1992 o terceiro capítulo da saga Alien(s), após os sucessos críticos e comerciais de Alien - O Oitavo Passageiro (Ridley Scott - 1979) e Aliens - o Recontro Final (James Cameron - 1986). Emparedado entre um argumento que teve de reescrever, por se encontrar incompleto quando as filmagens começaram, e a pressão dos estúdios que não lhe permitiram o controlo criativo sobre o filme, Fincher acabou no final por ver a obra editada contra sua vontade e decidiu cortar quaisquer ligações subsequentes ao projecto, recusando até participar na elaboração de uma versão alternativa mais completa, o "assembly cut" em 2003, numa altura em que já havia realizado Se7en - Sete Pecados Mortais (1995) e Fight Club - Clube de Combate (1999) e pertencia à elite de grandes realizadores a trabalhar em Hollywood. É a versão "assembly", com mais 30 minutos de filme do que a "theatrical" que saiu nas salas, que será abordada neste texto.

Apesar de todos os problemas que atrasaram e condicionaram as filmagens, Alien³ é um estimulante capítulo de continuação da saga, com o seu quê de cunho pessoal diferenciador, mas aproveitando bem o legado deixado pelas versões de Scott e de Cameron, uma vez que se serve de elementos de cada uma delas para construir o que pode ser interpretado como o fecho de um ciclo (a ver sobretudo com a personagem central). Devido à dimensão social e à representatividade dos vários papéis, quer físicos, quer simbólicos, que Ripley (Sigourney Weaver) vai assumir, o argumento desta terceira incursão é o mais denso, rico e sugestivo de toda a série, pese embora a escolha polémica de sacrificar, logo no início da fita, Hicks e Newt, os dois elementos humanos que haviam sobrevivido ao final de Aliens juntamente com a heroína. Nesta vertente, Alien³ oferece-nos uma personagem principal em estado de graça, e em mais do que um sentido - Ripley tem direito a uma despedida digna do estatuto que foi conquistando ao longo da série, percorrendo um lento mas firme caminho desde as trevas em direcção à luz, e carregando agora o fardo da salvação da humanidade às costas.

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Ripley começa por aterrar (literalmente) no patamar mais baixo da hierarquia da condição humana, numa espécie de esgoto da sociedade, um complexo prisional de máxima segurança situado nos confins da galáxia, habitado por um grupo de (sic) "assassinos, violadores, pedófilos e ladrões", um local sombrio de aspecto vagamente medieval, em que atmosfera opressora resulta tanto dos cenários dantescos quanto de um clima psicológico adverso, e onde não se acham outras mulheres - um minor detail que determina imediatamente uma alteração comportamental fracturante na seio da comunidade que por lá sobrevive. Para além do evidente problema de afirmação e estatuto social, que passa mais uma vez pela de conquista de respeito e até de necessário espaço orgânico dentro de um grupo inicialmente bastante hostil (recorde-se que no segundo capítulo da saga a presença de um forte contingente de comandos militares na missão já a colocara em situação semelhante), e para além do confronto físico desigual com um novo "xenomorfo" que vai dizimando a população da colónia, Ripley tem, a partir de certa altura, ao aperceber-se de que é "mãe", de lidar com um dilema que a transcende. De um lado está a sua vida e do outro está a sobrevivência de toda a raça humana. A partir daqui o filme ganha uma força espiritual relevante e concreta: aquilo que até então não passava de um mero decoro narrativo (a questão da fé e da devoção religiosa abraçada por alguns elementos da prisão) passa a ter um significado explicitamente bíblico: há que impedir o nascimento do anticristo (não é por acaso que alguns reclusos vêem no alienígena o diabo), e para isso nada melhor do que o sacrifício e martirização do elemento psicologicamente mais forte - aquele que desequilibra os pratos da balança- , mas não sem antes o fazer passar pelas devidas "tentações". O clímax do filme e a dimensão trágica transcendental que a personagem alcança podem ser comparados com os da figura central em A Paixão de Joana D'Arc, a obra-prima que Carl Theodor Dreyer dirigiu em 1928. As imagens sugerem uma aproximação que não parece descabida.

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A figura do criador de Bishop (Lance Henriksen) representa neste contexto o representante de uma obscura instituição corporativa, o elemento tentador, aquele que oferece a possibilidade de Ripley poder viver, mas em troca de um logro, tal como o grande inquisidor faz a partir de certa altura no filme de Dreyer: "é tudo tão simples... basta renunciares aos princípios que defendes e sobreviverás". Tanto Joana como Ripley acreditam na existência da vida para além da morte, a primeira pensa no amor de deus e no paraíso e a segunda na preservação da humanidade. Ambas acolhem o devir decorrente do sacrifício num estado de serenidade e paz interior.

De referir que o ritmo narrativo, lento, pausado, irregular, que privilegia o diálogo ao movimento, e que não nos oferece uma edição dinâmica intensa, capaz de no "colar ao ecrã" (apesar dos ângulos invulgares e das perspectivas inclinadas), é bem diverso do capítulo anterior, e até do inicial, e talvez essa seja outra das razões que tenham levado a uma má apreciação por parte de muitos dos fãs assegurados pelas abordagens antecessoras. Em Aliens, encontrávamo-nos na presença de uma das melhores fitas de acção de sempre, em que James Cameron, especialista reconhecido na matéria, intercalava sequências prolongadas de suspense (exploração da colónia abandonada e "caça ao bicho") com outras frenéticas de batalha e tiroteio. No clímax desse filme, Ripley combate corpo-a-corpo, e com ajuda de um exoesqueleto mecanizado, a rainha mãe alienígena, numa sequência electrizante que ficou na história do cinema. Em Alien³ não encontramos nada de remotamente semelhante. Há algumas sequências de ação vertiginosas e até inovadoras (o ponto de vista first person do monstro a perseguir as vítimas), é certo, mas nenhuma tem o recorte técnico e a tensão registadas no anterior. Também não há um clima de medo e terror face ao desconhecido como no primeiro, e não é certamente pelo suspense que o filme nos agarra. A dimensão onde labora o realizador é de outra natureza, mais centrada na psicologia da sua personagem central, na forma como esta ausculta e interpreta o contexto envolvente, e como se decide a encaixar moralmente o seu destino. Weaver, que já tinha registado uma excelente prestação em Aliens, volta a tocar em todas as teclas certas, agora numa interpretação mais subtil, introspectiva e contida. Não é uma narrativa de trepidantes frenesins ou façanhas físicas limite, mas o fascínio decadente daquilo que oferece em troca é igualmente compensador.

Alien³ ainda hoje suscita reacções de protesto por parte de muitos apreciadores da saga, não pela heresia de terem rapado o cabelo a Ripley (sugerindo um fundamentação sanitária que terá no entanto servido para a poderem equiparar a Joana), mas por ter desperdiçado as potencialidades de desenvolvimento da relação entre Ripley, Dwayne Hicks (Michael Biehn) e Newt (Carrie Henn) - fazendo morrer estes dois últimos no início do filme, antes de terem sequer a oportunidade de aparecer no ecrã. Julgo contudo que a discussão interminável sobre "aquilo que o filme poderia ter sido se tivessem sobrevivido..." acaba por turvar a apreciação de aquilo que de facto a obra "consegue ser", porque consegue ser, em alguns aspectos, superior aos dois antecessores. E porque Ripley, depois de tamanho sacrifício, também não o merece.
Last edited by Samwise on January 16th, 2017, 1:41 am, edited 12 times in total.
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Re: Alien³ - A Desforra - David Fincher - 1992/2003

Post by JoséMiguel »

Boa Sam! :-)

Eu tenho uma ideia de que tinhas escrito (no teu blog que já li há uns anos), uma descrição mais detalhada acerca de vários realizadores envolvidos...
Samwise
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Re: Alien³ - A Desforra - David Fincher - 1992/2003

Post by Samwise »

JoséMiguel wrote:Eu tenho uma ideia de que tinhas escrito (no teu blog que já li há uns anos), uma descrição mais detalhada acerca de vários realizadores envolvidos...
Acerca deste filme, creio que não escrevi mais nada, nem no blog, nem em mais lado nenhum. Ou se escrevi, não me recordo de todo. :-?

Vê lá se não terá sido o Alquimista no tópico da Alien Quadrology... (comentários que reproduzo mais abaixo).

Como o Rui Santos teve a amabilidade de encontrar através da pesquisa, há muita coisa espalhada aqui no fórum que vou reunir aqui.

Há este tópico mais antigo dedicado ao filme, criado pelo Tó Coelho, fundado essencialmente sobre uma dúvida, e em que se discutem pormenores relacionados com as características dos vários tipos de "xenomorfos": viewtopic.php?f=11&t=14142&p=141160

Depois, alguns textos do Alquimista e do Jimmy:

Jimmy:

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Alien 3 do David Fincher

Sempre gostei do Alien 3 (hoje o filme parece ter ganho maior reconhecimento...talvez apenas um efeito da popularidade crescente do Fincher). Apesar das suas falhas , tinha o espirito certo e um final condigno da trilogia. O Assembly Cut veio corrigir algumas das falhas evidentes do filme aquando o seu lançamento. A narrativa finalmente tem uma lógica e um ritmo adequado. Personagens atiradas borda fora para efeitos de duração , conseguem voltar á fita e acabam por ajudar a que seja uma obra muito mais completa. Não estando ao nivel dos anteriores (especialmente o original) , a sequela do Fincher não envergonha.

Eu tenho visto as versões de lançamento , e já não me lembrava bem de todas as diferenças. O Alien 3 é um dos melhores exemplos de uma produção sabotada pelo estudio (o documentário da produção é absolutamente fascinante e bem revelador da possibilidade de um realizador ver um filme fugir-lhe das mão). É um filme cheio de boas ideias , que pretende regressar um pouco ao espirito do ambiente do 1º (não apenas existir um monstro , mas o lado orwelliano da waynad , o proprio visual numa situação completamente diferente dos antecessores) com um grande spin na relação Ripley-Alien . Mas hoje olho para este cut como uma espécie de retalho , como um dvd que encrava e salta capitulos. É um pouco incrível como um estúdio pega no filme e o retalha desta forma , depois da produção atribulada do mesmo.

O maior defeito que eu ainda encontro no filme é a acção nos corredores. Ainda hoje eu fico confuso a ver aquelas perseguições ,em corredores intermináveis e indistintos , sem ter a minima noção do espaço...o que diminui em grande o suspense das mesmas.Eu contraponto tem outras brilhantes , como a autópsia á Newt (a personagem do Charles Dance e o Ash são para mim as duas figuras mais interessantes de todo o franchise , e magistralmente interpretadas).
Alquimista (no tópico do "Alien Quadrology"):
Eu estou plenamente satisfeito por ter comprado esta caixa. Ja tinha a Alien Legacy e não há comparação possivel em termos de relação preço/qualidade.

Cada disco parece melhor que o outro. Cada extra tras sempre algo único e interessante e a opção de em todos os filmes podermos escolher entre a edição normal e a especial é perfeita e muito util.

Especialmente no que toca ao ALIEN 3 que tem duas versões realmente distintas e que valem por si só e pelas suas diferenças. A edição especial do Alien 3 quanto a mim é a edição perfeita deste filme e só não o torna melhor porque realmente o argumento é tão pouco imaginativo que pouco se poderia ter salvo a não ser que alguém refizesse tudo do inicio.

Mas enquanto montagem alternativa a edição especial do ALIEN 3 é fantástica. Para começar tem uma data de cenas novas que não só dão dimensão aos personagens mas principalmente aumentam em muito todo o ambiente medieval do filme. O inicio para mim está fantastico e remete logo para filmes como o Nome da Rosa.

Sempre me pareceu que o filme era demasiado um filme de corredores e estas novas cenas no exterior dão logo ao planeta uma outra dimensão. As cenas no exterior do planeta com os carros de bois conduzidos pelos "monges" e a introdução do personagem do médico criam logo um ambiente muito mais fascinante do que o começo do filme na versão teatral e dá ao espectador uma pequena ideia do que a historia deste terceiro filme poderia ter sido, não fosse a interferencia dos estudios que destruiram por completo o conceito original do filme.

O extra em que nos mostram em detalhe tudo o que o filme poderia ter sido é fascinante e o exemplo perfeito de como um filme consegue ser transformado numa pálida imagem do seu conceito original só por causa do sistema de Hollywood. Só este extra vale a compra da caixa. Especialmente para quem já gostava do terceiro filme na sua versão normal.
Eu que já gostava do terceiro filme fiquei plenamente satisfeito com a versão longa e recomendo a 100%. Não é um filme perfeito , mas é uma excelente tentativa de reparar os estragos impostos por Hollywood a quando da sua estreia nos cinemas.
Som e imagem excelentes e extras totalmente a condizer que ainda são mais fascinantes do que o próprio filme. Especialmente porque ninguém se importa muito em revelar quase todos os podres por detrás da produção.
E o comentario audio é um espectáculo complementando muita coisa do que se pode ver nos extras.
Infelizmente nem sinal do David Fincher a não ser nos documentários, mas a sua sombra esta sempre presente ao longo de todos os extras e o que ele poderia ter dito (se queixado/bufado) é plenamente descrito pelo resto da equipa que com ele trabalhou e assistiu ao martirio que aparentemente foi a produção deste filme. É um milagre que ainda exista uma edição especial tão boa, por isso meus amigos aconselho vivamente este novo Alien 3 no seu conjunto.
Gexplorer:
Pensava que o facto de ao Alien 3 faltarem essas cenas tinha sido opção do Fincher e não dos estúdios... Tanto que o próprio Fincher se opôs às alterações feitas nesta nova versão... estarei errado...?
Alquimista:
Tas mais ou menos errado e mais ou menos certo. É muito complicado de explicar, pois o caos relativo a este Alien 3 é tanto que as coisas se misturam. O que o Fincher não quis foi participar nos extras directamente. A edição especial foi feita com coisas que o próprio Fincher e equipa lutaram para incluir mas o estudio nunca deixou, (por exemplo o facto de que o alien é capturado a meio do filme e não só no final). A diferença é que a montagem não foi supervisionada pelo Fincher e por isso não tem uma aprovação oficial, não sendo por isso um directors cut, porque ele não quis participar. Mas a versão especial nem sequer é uma "studios-cut" naquele mau sentido. É mais uma "friends-of-Fincher-cut" com as cenas que as pessoas que o rodearam durante a luta contra o estudio sabiam que ele queria ter incluido e não lhe foi permitido. Por isso agora esta montagem é aquela que quem esteve do seu lado acha que seria aquela de que o Fincher teria gostado. Aproveitando o facto desta caixa ir ser lançada e antes que alguém fizesse algo ainda pior com as imagens o filme foi então montado agora por quem na altura o tentou fazer junto com o realizador.
No meio disto tudo, o que importa é que a versão especial resulta muito bem e tendo em conta todo o historial do filme até acredito que o Fincher esteja satisfeito com o resultado.
Mas que o gajo está mesmo chateado com os produtores isso está. Não faltam indicios disso nos extras e nas entrevistas a quem trabalhou com ele.
Estes dois discos relativos ao terceiro filme é do melhor que está nesta box e valem mesmo a pena.
E as breves cenas no exterior do planeta, são muito fixes mesmo. Grandes paisagens áridas e alienigenas dos quais apenas se tinha visto um pequeno vislumbre na edição normal.
Para quem não se interessa por extras de making of ou comentários audio se calhar até nem se justifica a compra, mas para mim estes discos contêm dos mais fascinantes e detalhados documentários de bastidores de sempre.

Além disso não há um unico comentário audio que não seja fantastico e cheio de detalhes, má lingua e animação. Não sei quem autorizou isto, mas de certeza que ninguem foi aconselhado propriamente a falar bem das produções. Temos aqui quatro comentarios audio excelentes e acima de tudo honestos. Em alguns só falta começarem a chamar FDPs a certas pessoas, nomeadamente aos produtores.[;)]

E os making of são fantasticos. Tudo o que sempre quis saber sobre os filmes está lá. Inclusive as partes politicamente incorrectas. Podemos ver o Fincher e o Cameron a desatinarem com a equipa (consta até que o Cameron ia agredindo montes de gente inclusive a velhinha que servia o chá das 5 quando toda a gente parava de trabalhar) e não são de maneira nenhuma os documentários promocionais que vemos sempre, muito pelo contrário. Ficamos mesmo com a ideia de que as produções devem ter sido muito dificeis, especialmente porque havia sempre "porrada" entre os realizadores e produção. Quem acha que fazer filmes deve ser um bom emprego, vê isto e fica a pensar duas vezes se gostaria de estar a trabalhar no meio [:D]
Querem má lingua e entrevistas sem palmadinhas nas costas, têm aqui os documentários perfeitos. [:D]

Acho mesmo que quem fala mal desta edição, ou não a viu ou não a quer ver com medo de depois ir mesmo gastar dinheiro em filmes que pensa que já tem porque comprou a caixa anterior. Não tem nada a ver. Esta é a edição que todo e qualquer fã dos filmes sempre quis ter, o resto foram experiências. Claro que preferia não ter comprado a caixa anterior, mas não estou nada arrependido de ter dado dinheiro por esta nova edição.
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Re: Alien³ - A Desforra - David Fincher - 1992/2003

Post by Samwise »

Samwise wrote: Ripley começa por aterrar (literalmente) no patamar mais baixo da hierarquia da condição humana, numa espécie de esgoto da sociedade, uma prisão espacial situada nos confins da galáxia, habitada por um grupo de (sic) "assassinos, violadores e ladrões", um local sombrio de aspecto vagamente medieval, em que a atmosfera opressora resulta tanto dos cenários dantescos quanto de um clima psicológico adverso, e onde não se acham outras mulheres - um minor detail que determina imediatamente uma alteração comportamental fracturante na seio da comunidade que por lá sobrevive. Para além do evidente problema de afirmação e estatuto social, que passa mais uma vez pela de conquista de respeito e até de necessário espaço orgânico dentro de um grupo inicialmente bastante hostil (recorde-se que no segundo capítulo da saga a presença de um forte contingente de comandos militares na missão já a colocara em situação semelhante), e para além do confronto físico desigual com um novo "xenomorfo" que vai dizimando a população da colónia, Ripley tem, a partir de certa altura, ao aperceber-se de que é "mãe", de lidar com um dilema que a transcende.
Para realçar um aspecto, no Aliens o preconceito dos marines em relação à Ripley tem a ver essencialmente com o facto de ela ser uma civil, sem treino militar ou qualquer qualidade que possa ser aproveitada nesse contexto, e não tanto porque é mulher (aliás, no grupo de marines há duas mulheres, e uma delas é o soldado mais bad-ass de todos). No Alien³ é mesmo por ser mulher, e aqui levantam-se duas dimensões distintas em relação ao preconceito: um de cariz "em relação ao sexo fraco" e à inferioridade de género, e ou outro de cariz sexual, e logo uma parte dos prisioneiros vêem ali uma oportunidade de resolveram, pela força, a questão da abstinência forçada em que se encontram. Mais uma vez, considero o argumento deste filme muito bem estruturado, porque esta situação é resolvida primeiro pela prestação de auxílio de um grupo que, mesmo naquele "cu do universo" ainda conserva a sua dignidade, e depois porque é a Ripley que compete escolher livremente o seu parceiro sexual, e o filme dedica também a sua atenção em relação a este aspecto, reforçando o carácter forte, mas também sensível e humano, da personagem.

Entretanto revi o Alien Resurrection e ainda estou algo afectado pela experiência (tal como sucedeu quando o vi no cinema, há não sei quantos anos atrás). Desta vez não achei tão mau quanto da primeira, e consegui apreciar certas vertentes e nuances no filme. Infelizmente, há inúmeros problemas que acabam por deitar por terra as coisas boas que tem. Revejo-me em parte na queixa do argumentista (o Joss Whedon), que afirma que o guião não é mau só por si, mas as escolhas feitas e a forma como foi filmado subverteram por completo as suas ideias. Depois falarei mais sobre o filme.
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Re: Alien³ - A Desforra - David Fincher - 1992/2003

Post by Samwise »

Antes de passar ao 4ª volume, eis mais uns post antigos sobre o Alien³ que copio para aqui:

DarkPhoenix
Para mim, "Alien 3" não passou de um dispensável intervalo, não trouxe nada de novo à série, apenas um loooooongooo bocejo.
Argaroth01
Isso é o que penso exactamente do 4º filme. É uma amálgama dos dois primeiros, enquanto o 3º filme, apesar de todas as atribulações da produção (acho que se o estúdio tivesse tido um pouco mais de confiança na visão do Vincent Ward, tinhamos ali, possivelmente, um filme único), conseguiu ser audaz e colocar os seus personagens numa situação completamente nova. O que é que o 4º filme oferece ? Mais uma aventura encafuada numa pseudo-Nostromo com um bando de mercenários a fazer as vezes dos Colonial Marines (e o toque original de chamar o computador de Father... impagável). Somente o cunho pessoal do Jeunet e a Sigourney Weaver a reinventar por uma 3ª vez a sua Ripley é que tornam aquilo tudo tolerável.
DarkPhoenix
Pois é.... mas o Alien 3 que temos para comparar é o que existe e não o eterno grande filme ( mito ) que nunca foi.
E não estou a ver qual é a "situação completamente nova".
É um vulgar slasher-movie, uma pobre e longa desculpa para chegar ao martírio da Ripley.
Argaroth01
O 3º filme não é um grande filme, mas é certamente a 2ª melhor sequela que "Alien" pode ter, dadas as circunstâncias da produção que por si só são bem interessantes.

A lógica do slasher-movie é recorrente em todos os filmes da série. Diferem é na gestão da atmosfera, o que os distancia desse subgénero. Todavia, só os 3 primeiros filmes colocam os personagens em situações únicas e em espaços cada vez mais amplos e sobre dinâmicas distintas: o 1º filme privilegiava a claustrofobia dos labirintos da Nostromo; o 2º adoptou um tom mais musculado e militarista, com os personagens numa missão de salvamento à colónia de LV-426 e o 3º, o "maldito", cometeu três grandes proezas: 1) matou, mesmo antes do início do filme propriamente dito, dois dos seus principais personagens, 2) coloca os personagens num espaço mais amplo completamente indefesos, 3) não tem nenhum "bónus" extra para engrossar as variantes do xenomorfo que nos deu no 2º filme a Rainha e no 4º o Recém-Nascido (o do 3º detém apenas as características do seu hospedeiro mas em termos de desenho não traz nada de novo). O 4º filme, tirando a tríplice reinvenção de Ripley e o cunho muito pessoal de Jeunet (e, vá lá, o Recém-Nascido para juntar mais uma variante da criatura à franquia), simplesmente coloca os personagens do 2º filme num contexto do 1º. Até o raio do computador chama-se "Father", coisa que mesmo em 1997, na sala de cinema, achei de uma falta de originalidade tremenda. A cena com as versões falhadas de Ripley é a única que fica na memória e que podia guardar um potencial maior mas é tudo demasiado repetitivo e apressado que acaba num ápice.
DarkPhoenix
"Aliens" não é um slasher movie, pois não respeita a estrutura básica desse género, em que o monstro/assassino/político se vai revelando ao matar sorrateiramente, um de cada vez.


"Alien 3" poderia resumir-se aos créditos iniciais, mais meia dúzia de minutos a explicar o que aconteceu durante o sono criogénico, e depois fast-forward para o final redentor/mártir da Ripley.
É um filme que vive de lembranças e lamentos, em que uma das melhores cenas é quando a Ripley vai à lixeira procurar os restos do Bishop... patético.
O resto é slasher movie - Alien numa fundição ( como estava na moda em inícios dos anos 90 ), uma série de nuances falhadas ao papel bíblico da mulher como tentação, que dá à luz o dragão apocalíptico, e outras referências mal exploradas numa salada pretensiosa com visual de teledisco.
Falar de "Alien 3" é complicado, porque todos sabemos que a produção foi problemática, e temos todos muita pena e tal... mas a realidade é a que está à vista.

Alien Resurrection, por seu lado, expande o universo da série para limites próximos do indesejável, do desconfortável.
O que oferece AR de novo:
-A nova Ripley é uma personagem que surpreende a cada minuto, a sensação de insegurança face às suas intenções e até à sua real natureza
-A procura de inteligência nas criaturas, desde as tentativas de domesticação até ao sacrifício de um deles para fugirem da jaula, o facto de poderem nadar.
-Toda a série de aberrações genéticas, cruzamentos de pesadelo entre a Ripley e os seus outrora grandes inimigos
Ludovico
Completamente de acordo com o Argaroth01:
"Alien 3" é tão fabuloso quanto o primeiro e o segundo filmes da saga.
Em termos de qualidade são exactamente iguais.
As coisas só ficaram muito diferentes com o quarto e lastimável filme,aí sim,o pior aconteceu.
Jimmy
DarkPhoenix , epah não existe uma única frase nos teus 4 comentários sobre a saga Alien que eu concorde :-)))

Sobre a moda das fundições , penso que é uma referencia ao T2. Efectivamente aquilo parece uma copia descarada do filme do Cameron , mas era uma idea já presente nos scripts do Vincent Ward que são mais antigos que o filme. Quando o T2 saiu no verão , as semelhanças criaram tanto pavor aos produtores que ainda se pensou em mudar (o filme começou a ser filmado no inicio de 91) , mas como aquilo era a bagunça total nem se perdeu muito tempo. A fox só estava mesmo interessada em lançar o dito cujo o mais rápido possivel. Isto para dizer que não me parece que foi uma opção escolhida por moda , mas sim uma coincidência (e por sinal são dois finais absolutamente fantásticos)
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Re: Alien³ - A Desforra - David Fincher - 1992/2003

Post by mansildv »

Alien³ (1992) - 6.5/10

Apesar da excelente publicação original, não consigo ser tão entusiasta! Gostei do filme e acho que até tem uma abordagem interessante, o ambiente e os cenários são fabulosos, mas todas as metáforas e referências parecem-me atiradas ao acaso, e os efeitos são péssimos (preferia que se visse menos o alien). Penso que falta o terror do primeiro e a qualidade da acção do segundo, e se calhar uma produção menos atribulada!

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Apenas por curiosidade, com este filme fecho a filmografia do Fincher :biggrin:
Alien³ (1992) - 6.5/10
Panic Room (2002) - 7.5/10
The Social Network (2010) - 8/10
The Girl with the Dragon Tattoo (2011) - 8/10
The Game (1997) - 8/10
Gone Girl (2014) - 8.5/10
Zodiac (2007) - 8.5/10
The Curious Case of Benjamin Button (2008) - 9/10
Se7en (1995) - 9/10
Fight Club (1999) - 10/10
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