O
M pode ser visionado online, numa cópia muito decente, e com legendas em PT, aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=L4DGhMD ... 3%A1ssicos
Lang aprofunda e aprimora a ideia apresentada uns anos antes, em
Metropolis, de que a sociedade civilizacional funciona como um enorme sistema maquinal, formado por infinitas peças e mecanismos, e que se mantém e progride de forma mais ou menos autónoma, através de um sistema de "equilíbrios e compensações" gerados pelas suas instituições e grupos hierárquicos, protocolos e procedimentos, desde que devidamente regulados.
M é acima de tudo um olhar dedicado, crítico e moralista sobre a sociedade enquanto sistema "maquinal em funcionamento", como se abríssemos um relógio e nos puséssemos a observar cada uma das camadas e mecanimos, e fossemos retirando peças para poder chegar aos sistemas vitais, reguladores, escondidos lá para dentro, mais ao fundo (entendamos isto como o "sistema moral").
O pretexto para esta "observação" é o surgimento uma peça disfuncional, que aparece de repente no mecanismo. Uma espécie de virus, que age contra umas das regras fundamentais do sistema ("Não matarás"), que vive camuflado como um elemento "normal", e que devido aos seus "actos de sabotagem" desregula tranversalmente o funcionamento da máquina, ameaçando a sua sobrevivência (porque gera desvios demasiado pesados no seu "sistema moral"). Peter Lorre compõe de forma magistral esse "virus", um "assassino em série" de crianças (o primeiro da história a ser mostrado no Cinema?).
Tal como em
Metropolis, embora de forma muito menos literal e ingénua, Lang apresenta o elemento humano, em termos de importância, quase ao nível dos objectos, peças tecnológicas e suportes burocráticos, numa amálgama hibrida que faz "a máquina" funcionar. Há um claro sentido (e sentimento) de ordem (em contraponto a "caos") que é transversal aos cidadãos, e que tem sustentáculo nos objectos e nos protocolos orientadores.
M é também um filme de hierarquias, mais do que de classes (como era
Metropolis). Em
M há vários grupos sociais que convivem em ordem social---mesmo que funcionando em "contra-mão"---através desse sistema de "equilíbrios e compensações". A hierarquia dos policias, a hierarquia dos criminosos, a hierarquia dos mendigos, e a hierarquia social da "gente vulgar". Talvez que haja um certo simplismo na apresentação formal desta máquina, mas num filme de duas horas, com uma forte componente de entretenimento (que pode ser visto apenas por esse prisma, com grande gratificação), esta estruturação é um feito artístico notável, raramente (se alguma vez) igualado, não esquecendo que se estabeleceu, enquanto patamar, como aquele modelo pelo qual muitas obras se quiseram medir, e de onde muitas obras retiraram "inspiração".
Do ponto de vista estritamente cinéfilo, o filme é um deleite. Planos,
travelings de câmara, efeitos sonoros (foi o primeiro filme falado de Lang), expressionismo alemão em plena força, e uma precisão artística de um rigor quase maníaco, que vai ao encontro da própria "maquina social" que forma o rendilhado da intriga.
Um dos grande filmes da história do Cinema, em todos as acepções da expressão.
Uma imagem do filme
Dr. Mabuse, o Jogador, de 1922. Já nessa altura era visível o gosto do Lang pelo elemento tecnológico regulador, e também pelo poder da estética visual no cinema.