Spotlight (2015) - Tom McCarthy

[DarkPhoenix]

A história de um grupo de jornalistas que investigam alegados abusos sexuais de menores, no seio da Igreja Católica em Boston.

"Baseado num caso verídico"... estas palavras habitualmente diminuem o meu interesse, o eterno receio de que o filme será limitado, prisioneiro de factos cuidadosamente seleccionados e com uma abordagem clássica, académica, ao material que estão dispostos a considerar.

Não é assim em "O Caso Spotlight" (título português).
A realização, argumento e montagem funcionam em perfeita harmonia, exibem um dinamismo, frescura e eficácia que resultam num filme agradável, interessante, extremamente objectivo e claro, duas horas que passam sem qualquer bocejo.
O elenco é um luxo, entre principais e secundários, apresenta um leque invejável de profissionais que interpretam apaixonadamente os seus papéis, beneficiando também de uma realização que lhes permite demonstrar todo o seu valor, numa cumplicidade e naturalidade que agrada.
Destacar um ou outro até parece injusto, mas é difícil não referir o trabalho de Mark Ruffalo.

Sem dúvida um bom filme, um dos melhores no género de "jornalismo de investigação", lúcido, corajoso, confiante, eficiente na exposição e desenvolvimento dos factos.

8/10

http://.imdb.com/title/tt1895587/

[rui sousa]

Um Punhado de Escândalos

Na sombra dos grandes filmes do género, “O Caso Spotlight” é a reconstituição de um furo jornalístico marcante do século XXI, e a análise de um tema delicado e polémico que continua a ser preocupante na atualidade.

Poucos meses antes dos atentados às Torres Gémeas, a Spotlight (equipa do jornal The Boston Globe especializada em grandes investigações e reportagens, e que ainda hoje se mantém ativa) começa a explorar um tema obscuro para os media, mas que está presente na cidade há décadas. Muitos sabiam e quiseram negar a verdade. Outros tentaram falar com jornalistas, mas foram desprezados. Agora, há demasiadas provas e testemunhas. Ninguém pode passar ao lado de um problema que, tantos anos depois, ainda enche primeiras páginas em todo o mundo.

O Caso Spotlight é a construção do percurso de uma notícia, desde as investigações até à sua publicação, mais as repercussões da mesma e a sua propagação social e mediática. A Spotlight não teme as pressões do poder e das instituições, e decide atacar um alvo chocantemente global: a Igreja Católica e os casos de pedofilia, que passaram incólumes durante décadas pela parte das autoridades, das famílias das crianças que sofreram abusos, e dos próprios jornalistas. Nunca vemos a imprensa a ser tratada como se de uma divindade se tratasse (porque o erro foi também de todos aqueles que poderiam antes ter desmascarado estes sucessivos crimes, mas que não quiseram), mas são estes jornalistas que decidem pôr mãos à obra, e publicar factos chocantes que mudaram a sociedade contemporânea – e estão sempre a surgir novidades…

O filme é previsível na sua estrutura, com uma realização convencional e uma montagem não tão “automática” como se esperaria, que concede algum tempo para os atores respirarem e darem o seu melhor. Começa como se esperava e termina com as mesmas intenções que adivinhámos, mas de qualquer maneira, por mais cliché que pareça, O Caso Spotlight surpreende por ser um objeto tão acertado para a atualidade, tão bem executado para o fim que propõe: apresentar o método jornalístico sem rodeios, direto ao assunto, nunca esquecendo a humanidade dos seus intervenientes e de todos os problemas que levanta uma investigação com estas proporções. Vemos o lado dos jornalistas, dos seus conhecidos, das vítimas que decidem apoiar a Spotlight e a aparente discrição dos agressores, que passaram impunes graças ao seu enorme poder junto das pobres almas que seguem as suas pegadas e a palavra dos evangelhos. E desde o início que nos mostram que não é a fé que está em causa, mas a maneira como inocentes podem ser levados ao perigo, por causa da ingenuidade da crença e de um sistema clerical arcaico que não responde ao que pede o nosso tempo.

Poderemos já dizer que O Caso Spotlight terá um lugar com contornos semelhantes, no que diz respeito ao debate sobre a pedofilia na Igreja, ao que o filme Os Homens do Presidente adquiriu para a sua temática central (o caso Watergate): começaremos a associar estas personagens, e as suas desventuras em busca de respostas, com a realidade, bem mais chocante e preocupante do que aquilo que pudemos ver – mas tal como qualquer trabalho jornalístico exemplar, o filme não torna o seu público num mero agregado de espectadores sem capacidade de pensar, disponíveis apenas para “digerir” imagens ocas, desprovidas de qualquer identificação social ou cultural. Faz com que participemos na ação, duvidemos, sintamos o mesmo que aqueles jornalistas à medida que cada vez mais detalhes são revelados.

É o lado ficcional que nos puxa para a verdade, sem perder nenhuma substância ou cair na fórmula tão demagógica e fácil do “baseado numa história verídica”, em que muitos filmes do género se apoiam excessivamente. Não é que a narrativa ajude a mudar a forma como refletimos a complexidade dos factos, dos dramas e da psicologia de cada um dos envolvidos. Mas graças a ela (e às interpretações cuidadas e adequadas dos atores), é possível que se encontre aqui uma porta acessível para compreender um pouco de toda a conjuntura dos bastidores da Igreja, das histórias dramáticas de famílias banais, de vítimas inocentes que qualquer um de nós poderia conhecer.

E isso é impossível de contrariar, por mais que se goste ou não de O Caso Spotlight: é que se trata de um drama bem informado, admiravelmente estruturado e muito apelativo. Como todo o jornalismo deveria ser, nunca esquecendo os valores deontológicos essenciais a favor das vendas astronómicas. E esperemos que as próximas gerações possam aprender alguma coisa com estes métodos e estas “histórias verídicas”, acompanhando este de outros títulos, já clássicos e emblemáticos, sobre o funcionamento da imprensa e das suas contrariedades (não só o filme de Pakula como também o excecional O Grande Carnaval, de Billy Wilder, O Grande Escândalo de George Cukor, e A Última Ameaça, de Richard Brooks). Um brilhante retrato de um jornalismo sensacional mas sem ser sensacionalista, com as histórias de jornalistas que querem a verdade, e só a verdade.

4/5

in http://maquinadeescrever.org/2016/01/28 ... scandalos/

[THX]

Destacar um ou outro até parece injusto, mas é difícil não referir o trabalho de Mark Ruffalo.

É por isso mesmo que está nomeado para melhor actor secundário.

[Gaspar Garção]

Este não apareceu na minha tese de mestrado por pouco, ou melhor, aparece, mas apenas citado o título.

Como já saiu "oficialmente", dia 11, quando defender a tese, vou aproveitar para mostrar que estou na crista da onda e falo já dele, faz de conta que já o fui ver a Lisboa!!

[Gaspar Garção]

Curiosamente, dos filmes que o Rui refere, como inspirações para o Spotlight, ou que estão no panteão do cinema sobre Jornalismo, eu abordei 3 na tese (Homens do Presidente, O Grande Escândalo e o Grande Carnaval). Os outros dois, um foi posto um bocado sobre "pressão", para não ser o "elefante branco" no quarto (O Citizen Kane), e o mais recente, embora seja um bom filme, o State of Play, poderia facilmente ser substituído pelo Spotlight.

Ou seja, acho que acertei na mouche, e se duvidarem de mim na defesa, peço para irem ás Amêndoas, para verem o que (muito bem) escreveu um especialista...

[Gaspar Garção]

Tenho de ver se finalmente vejo o Deadline USA!

[THX]

Este tema faz-me logo lembrar aquele canalha do Padre Frederico...
Alguns depois dizem-se de "doentes"...eu dava-lhes a doença, a essa corja imunda.
É por essas e por outras que cada vez mais se vê pais a não meterem os filhos na catequese.

[Gaspar Garção]

Na minha catequese (andei lá uma semana), acho que se o padre tentasse alguma coisa, ia dos muros da igreja abaixo, tamanha era a matrafice daquela geração, mesmo só nós tendo uns 10 anitos... ;)

[rui sousa]

Gaspar: especialista nada, passei só o pouco que o filme me deixou pela escrita. Poderia dizer muito mais mas assim só saiu isto. É o que para mim mais me tocou, cinematograficamente falando seria outra história.

[Gaspar Garção]

Eu na tese nem me atrevi a falar de assuntos mais cinematográficos (ou seja, montagem, realização, etc), senão espalhava-me ao comprido.

A mim interessam-me mais as implicações morais e deontológicas das ações dos jornalistas (espero que o jurí "pape" esta conversa da treta!!). :)

[Cabeças]

Eu gostei muito deste filme.

Gosto bastante quando os filme são baseados em factos reais, penso que, quando bem conseguidos, acrescentam muito mais credibilidade. Gostei bastante das interpretações, sobretudo da do Mark Ruffalo.

Sem dúvida um grande trabalho jornalístico na altura, sobre um tema absolutamente chocante, que proporcionou também ao Tom McCarthy um bom trabalho enquanto realizador.

[PanterA]

Depois de ontem ter visto o The Big Short e ainda estar a pensar nele de como aquilo tudo se pôde ter tornado possível, este Spotlight é mais outro murro no estômago. Isto é, não é nada que uma pessoa já não saiba obviamente, mas constatar aquela hipocrisia todo que se vive na Igreja e depois a maneira como abafam os casos como nada se tivesse passado é o que ainda custa mais a engolir. Pior ainda, quando isto ainda continua acontecer.

Por acaso sou suspeito porque sempre adorei filmes de jornalismo de investigação sobre casos polémicos, onde inclusive podem mesmo mudar a nossa opinião sobre certos temas, e este nesse aspecto não desilude e foi +/- tudo aquilo que podia esperar dele. Melhor ainda, nunca teve papas na língua para chamar os bois pelos nomes, e foi directo e cru o suficiente para mostrar que não estão apenas a contar algo mas sim a criticar forte e feio. Gostei!

8/10

[drakes]

Nota do mundo real:

Morre Bernard Law, o cardeal que encobriu em Boston um dos maiores casos de pedofilia da Igreja Católica
O religioso, de 86 anos, morava em Roma desde que se demitiu devido à investigação que revelou o escândalo e serviu como argumento para o filme 'Spotlight'

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/1 ... 07344.html