Censura no Cinema e TV: Antes e agora...

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JoséMiguel
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by JoséMiguel »

No Angel, mas eu escrevi isto no ano passado e até voltei a citar o mesmo, no comentário de ontem:

"antes de mais nada sou contra a censura e não acho bem a Rússia Soviética proibir religião no Cinema, por isso tenho de respeitar a luta de intervenção da realizadora Larissa, da mesma forma que respeito a música de intervenção do Zeca Afonso contra o fascismo português."

A minha posição é bem clara, e acho que é igual à tua, não deves ter lido com atenção esse parágrafo...

Esse relato do padre ucraniano de Lisboa, era para entendermos o que motivou alguns cineastas russos a fazerem alguma intervenção religiosa, através de simbolismos em cenas de filmes.
JoséMiguel
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by JoséMiguel »

Censura de macacos e mutantes, por motivos religiosos

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As duas imagens acima foram proibidas na Arábia Saudita, antes de analisar a ilegalidade destas cenas, pelo islamismo, vou explicar em que contexto testemunhei isto.

Conforme eu estava contar num comentário prévio, e aproveitando para responder à pergunta colocada pelo Pantera, eu com 3 anos nem sabia o que eram as religiões, não tive nenhum endoutrinamento religioso por parte dos meus pais e por isso o meu pai deixou em branco o campo "Religion:" no impresso em inglês para obter o meu visto de entrada. Esse impresso foi rejeitado e na embaixada explicaram que eu tinha de ter uma religião para poder entrar no país, o meu pai perguntou se podia lá escrever "None" e disseram que não. Ele optou por escrever lá "christian", o que é mentira mas como não era necessário nenhum comprovativo de baptismo, ficou tudo bem.

No pouco tempo que lá estive, o meu pai comprou um gravador de vídeo e trouxe de lá umas 60-80 cassetes cheias de filmes e séries, que eu passei a minha infância a ver (nos anos 80 só tínhamos a RTP 1 e RTP 2).

A maioria dos filmes foram gravados da "Channel 3 Television", que era um canal de TV Terrestre, em sinal aberto, criado pelos norte-americanos da companhia de petróleo Aramco, falado em inglês, para os emigrantes estrangeiros. Li na internet que esse canal foi extinto na década de 1990, com o aparecimento da TV Satélite, com canais internacionais livres de censura religiosa muçulmana. A programação do Channel 3 era norte-americana baseada na ABC e NBC.



No caso do Planeta dos Macacos, trouxe de lá cassetes com os três primeiros títulos da pentalogia, que gostava muito de ver e rever em criança, por isso quando a TVI transmitiu toda a pentalogia na década de 1990, eu gravei logo as versões portuguesas não-censuradas e conheço muito bem a censura televisiva saudita do início da década de 1980. Do que se passou depois disso, só conheço o que li nestes artigos do wikipedia:

https://en.wikipedia.org/wiki/Cinema_of_Saudi_Arabia
https://en.wikipedia.org/wiki/Censorshi ... television
https://en.wikipedia.org/wiki/Televisio ... udi_Arabia

Eu preparei screenshots de quatro filmes ao todo, vou deixar o melhor e mais deprimente (ou hilariante) para o fim, e vou começar pelo "The Night Stalker (1972)":

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Night ... 1972_film)

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Neste tele-filme juvenil o repórter Kolchak usa um crucifixo para escapar a um vampiro, isto é ilegal na Televisão da Arábia Saudita.

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Não é o crucifixo por si só que torna esta cena imoral, criminosa e ofensiva para o povo muçulmano. Eu sei disso porque no filme "O Bom, O Mau e O Vilão", existe uma cena final passada num cemitério cheio de cruzes a marcar as campas e isso não foi censurado.

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O que torna a cena criminosa é a atribuição de poderes divinos, mágicos ou sobrenaturais a um objecto que é o símbolo do cristianismo.

O problema não é por se tratar de uma religião historicamente inimiga do islamismo, como já iremos ver mais adiante na religião dos macacos, que é uma religião fictícia que nem sequer existe, e mesmo assim foi censurada.

Portanto um alho pode ser mostrado a afugentar um vampiro, mas não um crucifixo, porque o alho não é usado como símbolo de nenhuma religião diferente da deles. Mas caso exististe alguma religião que usasse como símbolo um alho, tal seria também proibido na televisão saudita, a lógica é essa.

O resultado desta censura, é que quando eu via este filme em criança, não conseguia perceber como o Kolchak consegui escapar do roupeiro onde estava encurralado. Tive mesmo de esperar até ao século XXI para ver a versão não-censurada.

O filme seguinte a analisar será o "The Mechanic", mas por agora vou fazer uma pausa.

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(EDIT/Continuação)

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Mechanic_(1972_film)

No caso deste filme, temos a censura de não se poder ter um quadro com uma pintura de nú pendurado na parede. O alcance disto é muito grave triste se pensarmos em toda a arte de pintura europeia desde o Renascimento, como o famoso "A Criação de Adão" de Michelangelo, que deve ser por lá censurada e proibida (não faço ideia):

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Mas voltando ao tema principal da religião, queria mostrar esta imagem do mesmo filme, com um funeral:

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Quando voltei a rever o "The Mechanic" há 10 anos atrás, finalmente a versão não-censurada que ofereci ao meu pai, que também gostava muito do filme, observei uma quantidade grande de cenas cortadas e importantes para o enredo do filme.

A regra aqui não é a proibição de funerais, mas sim a proibição de funerais que contenham algum padre ou qualquer cariz religioso.

Vou agora analisar os tais mutantes e macacos... :lol:

Filme Beneath the Planet of the Apes the 1970

https://en.wikipedia.org/wiki/Beneath_t ... f_the_Apes

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Este filme sofreu forte censura, porque continha a religião fictícia da bomba atómica. Passados 2.000 anos da guerra nuclear, os sobreviventes humanos mutantes inventaram uma religião, cujo deus deles era a bomba nuclear de juízo final "Alfa Ómega", esta bomba era capaz de destruir o planeta inteiro, e nunca chegou a ser usada na guerra nuclear 2.000 anos antes. Os mutantes religiosos fizeram manutenção a esta derradeira bomba durante gerações, para a manter sempre operacional.

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Se repararem na imagem abaixo, os mutantes até utilizam ao pescoço uma miniatura da bomba, como símbolo religioso. Só reparei nisto hoje, quando capturava o screenshot: :-P

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Pois bem até esta religião fictícia foi proibida e censurada na TV árabe, porque tudo o que não seja a religião muçulmana é proibido. Uma pessoa ainda podia pensar se seriam as similaridades ao cristianismo (a bomba está instalada nas ruínas de uma catedral de Nova Iorque e eles usam pendentes ao pescoço estilo crucifixos), que levaram à proibição disto, mas não foi, conforme iremos ver na grande "macacada" que vem já aí de seguida.

Filme: Planet of the Apes (1968)

https://en.wikipedia.org/wiki/Planet_of ... 1968_film)

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Aqui está o actor Charlton Heston escondido numa capela mortuária, onde decorre a missa fúnebre de um gorila defunto...

Mas agora cuidado porque aparece um orangotango padre!!!: :wink:

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E mais grave ainda está lá a estátua do profeta "The Lawgiver" fundador da religião dos macacos!!! Não é permitido mostrar profetas que não sejam o Moisés, Jesus Cristo, ou o Maomé (e nem tenho a certeza se se possa mostrar o Moisés e o Jesus Cristo).

Mas que grande macacada! Basicamente o governo saudita não quer que o povo sequer sonhe com a possibilidade da existência de qualquer religião que não seja a deles, e qualquer pormenor de outra religião é interdito. Os árabes sabem da existência de cristãos e estudam a história das guerras santas, mas não podem saber de nenhum pormenor de qualquer outra religião, para não questionarem o islamismo, mesmo que seja uma religião de macacos falantes, 2000 anos após uma guerra nuclear... Isto é extremismo e intolerância religiosa ao máximo.

Esta análise não foi contra o povo muçulmano, que não tem culpa de nascer numa sociedade em que são obrigados pela família e por lei a serem fanáticos religiosos e a rezarem prostrados no chão todos os dias. A Europa já teve uma idade das trevas parecida com essa...

Talvez por conhecer essa realidade, eu tenha tendência a fazer um alarido quando descubro alguma asneira que os EUA tentam fazer com censura estilo Arábia Saudita, sendo o caso mais recente a censura do episódio da série Cosmos, na parte onde é dito que o Homem evoluiu do Macaco, numa estação local de TV nos EUA, eu sei que foi um caso isolado e a culpa não é do governo ou povo americano, mas é uma situação muito lamentável, porque esse caminho leva ao extremismo. Esse director da estação de TV norte-americana se calhar sonhava em ter um regime semelhante à Arábia Saudita onde podia censurar tudo o que não lhe agradasse e que fosse contra a religião dele.

Noutro dia tentarei escrever um pouco sobre a Europa ou outras regiões. Espero que tenham achado graça aos macacos e mutantes "infiéis religiosos"! :-)
Last edited by JoséMiguel on September 20th, 2016, 11:52 pm, edited 1 time in total.
No Angel
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Re: RE: Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by No Angel »

JoséMiguel wrote:No Angel, mas eu escrevi isto no ano passado e até voltei a citar o mesmo, no comentário de ontem:

"antes de mais nada sou contra a censura e não acho bem a Rússia Soviética proibir religião no Cinema, por isso tenho de respeitar a luta de intervenção da realizadora Larissa, da mesma forma que respeito a música de intervenção do Zeca Afonso contra o fascismo português."

A minha posição é bem clara, e acho que é igual à tua, não deves ter lido com atenção esse parágrafo...

Esse relato do padre ucraniano de Lisboa, era para entendermos o que motivou alguns cineastas russos a fazerem alguma intervenção religiosa, através de simbolismos em cenas de filmes.
Desculpa se interpretei mal, mas tu chamaste a uma "velhota" de fanática religiosa só por ser cristã e não ser um fantoche nas mãos dos soviéticos, que queriam fazer lavagens cerebrais na população e impor a força a sua ideologia opressiva.
JoséMiguel
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by JoséMiguel »

Resposta ao No Angel, de forma calma e pacífica, de forma a tentar evitar que este tópico não seja depois banido (com razão) por mau ambiente, pelo moderador ou administrador, e ao mesmo tempo tentar que o meu comentário não fuja muito para off-topic, em relação ao tema pertinente.

Eu vou ter de dizer algumas verdades, pouco agradáveis para ele, e o problema é que eu não tenho muito jeito para escrever de forma diplomática, e pelo contrário, vou directo ao assunto, de forma por vezes bruta.

No Angel, eu não tenho nada contra ti e gosto muito de ler o que tu escreves, por exemplo não me esqueci da tua crítica aquele filme dos anos 50, acerca de uma escola doméstica para mulheres, e muitas vezes fico com vontade de ver esse filme, mas ainda não calhou. Até mesmo quando estás sistematicamente a criticar-me neste tópico, eu gosto que o faças, porque é sinal que tens neurónios e estás atento ao que é escrito, e gostas de manifestar a tua opinião com fervor, independentemente de qual seja ela.

Mas meu amigo, tu às vezes não fazes ideia do que falas e falas sem saber, devido à tua ignorância, porque foste implicar com o sistema da escola pública ucraniana dos anos 80 e és português! Por seres português não tens legitimidade para o fazer e devias antes ter vergonha na cara pela tua ignorância do teu próprio país que nem conheces.

E agora, meu amigo vais ouvir as verdades da escola pública em Lisboa, de quem é mais velho do que tu e que tem conhecimento dos factos:

Eu entrei na 1ª Classe no ano lectivo de 1982/1983 na Escola primária de Lisboa número 49, localizada nas Furnas em frente ao Jardim Zoológico. A minha professora chamava-se Fátima Mesquita.

Eu, que era ateu e não sabia o que era religião, era obrigado a levantar-me e a benzer-me, citando "Pai, Filho, x, x, Amem(?)" Eu ficava aterrorizado ao ver os outros meninos a dizerem essas palavras que nem sabia quais eram, só descobri que os meus colegas diziam "Espírito Santo" quase em adulto, nalgum filme que vi. Eu com 6 anos levantava-me do assento assustado e fazia esse gesto de me benzer com o sinal da cruz sem saber o que era, cheio de medo e vergonha por ser o único menino diferente e sentia-me ignorante, ao mesmo tempo era o melhor aluno da turma a matemática, porque já tinha estado numa escola americana e já sabia contar até dez mil, cem mil, um milhão em inglês, mas em português trocava o sessenta por setenta, não conseguia dizer bem a palavra, e quando a professora me perguntou até que número eu sabia contar, eu respondi 60 (embora em inglês soubesse contar até um milhão), e guiada por mim a professora só ensinou os outros meninos a contar até 60.

Eu quando me levantava e fazia esse gesto da cruz, era a mesma coisa que fazer a continência nazi numa escola italiana ou alemã em 1940, era um gesto a que um menino de 6 anos era obrigado a fazer.

Num certo dia essa professora fanática religiosa (Fátima Mesquita, professora do ensino básico na escola pública nº 49 de Lisboa) vira-se para os alunos e diz algo saído da Alemanha Nazi: "Quem não for baptizado levante o braço!"

Aqui já estamos a sair do fanatismo religioso e a entrar no nazismo...

Eu e outro menino levantámos o braço a dizermos que não sabíamos! (eu sabia lá que palavra esquisita era essa de "baptizado")

Reposta da professora portuguesa fanática religiosa: "Então hoje à noite perguntem aos vossos pais".

Nessa noite perguntei aos meus pais e eles responderam que eu não era baptizado.

No dia seguinte a professora perguntou-nos a resposta. O outro menino respondeu que sim, que era baptizado e eu respondi que não.

Atitude Nazi da professora portuguesa, que ainda está marcada e gravada na minha memória: "Tu deves estar enganado, és baptizado e não sabes!" Na semana seguinte aparece uma freira da Igreja de São Domingos de Benfica a tentar engrupir-me com histórias de magias, de um tipo ilusionista chamado Jesus, e a minha reacção foi mesmo "What the fuck!? Porque é que está uma mulher com roupa esquisita árabe (freira) a contar-me palhaçadas de truques de magia?" eu nunca me esquecerei de uns slides que a freira mostrou, que falava de uma mulher Maria, onde aparecia um raio de luz apontado à barriga dela, para lhe aparecer um filho na barriga, porque eu tinha acabado de ver no Cinema Alfa no Areeiro, o filme "Star Trek III: The Search for Spock", e achei esquisito a freira misturar a tecnologia do feixe de tele-transporte usada no futuro em filmes de ficção científica, num desenho em tempos antigos com a tal senhora chamada Maria.

Eu estive 4 anos a gramar com a estupidez e ataque à minha inteligência, a levar com uma freira a tentar endoutrinar-me com contos de fadas e histórias parvas infantis, numa escola pública em Lisboa, entre 1982 e 1986, uma década após o 25 de Abril, onde o Estado era Laico, segundo a lei.

Por isso meu amigo No Angel, tu és português e não te atrevas a críticar o ensino público soviético, porque o teu país era muito pior em termos de violações dos direitos humanos, pois repara que lá na Ucrânia dos anos 80, os putos podiam ir à missa fora do horário escolar, e o que eles estavam a praticar era apenas o que que estava previsto na lei portuguesa, que a minha professora fanática violou.

Se na história que relatei essa velhota foi a única a retirar o neto da escola, para assistir à missa, no universo de toda a aldeia, para mim é fanática religiosa, e tu que nem sequer ouviste a entrevista na rádio, não sabes que o próprio padre, neto dela, a considerou uma religiosa fervorosa (eufemismo católico para um fanático religioso), na entrevista em português, lá está mais uma vez a tua ignorância, sempre pronto a criticar-me quando falo da União Soviética, sem sequer ao menos conheceres o teu próprio país, para pensares se deves dizer asneira, antes de te informares dos factos.

Olha eu se calhar teria sido mais feliz nessa escola ucraniana em 1982, porque nenhuma professora me obrigaria a levantar e a benzer-me. O meu pai não se apercebeu do que se estava a passar, devido à atitude criminosa da professora me obrigar a ter aulas de religião, às escondidas e sem consentimento dos meus pais, caso contrário o meu pai teria armado um alarido como fez com a minha irmã, que na hora da religião ia para o recreio com a única outra menina ateia (não-baptizada), mas na minha turma eu era o único menino não-baptizado (que merda de azar eu tive) e se o meu pai tivesse feito queixa eu ficaria 4 anos sozinho no recreio a ser marginalizado pelos outros meninos, tal como um alemão ariano da Alemanha Nazi marginalizava um judeu.

Olha que esta merda é muito perigosa! O fanatismo religioso católico (vestígios da ditadura do Salazar) ainda estavam presentes em 1982 e eu sofri isso na pele, achas bem eu ficar sozinho no pátio a meio das aulas, durante a aula de moral dada pela freira da Igreja de São Domingos de Benfica, com os outros meninos todos a apontaram-me o dedo a rirem-se de eu não ser "baptizado"!???? Isto é mesmo saído da Alemanha Nazi e perseguição aos judeus, e por isso é proibido por lei.

Mas tu, enquanto cidadão português, não te atrevas a criticar moralmente a União Soviética entre 1982-1986 no ateísmo na escola primária, perante o cenário da Idade das Trevas que eu vivi em Portugal (na capital do teu país).

Por outro lado, eu noto que estás sempre a criticar os meus comentários sobre o cinema soviético, que da minha parte foram fruto de muita pesquisa, análise, traduções e esforço de detective a cruzar informação, quando tu se calhar nem sequer viste nenhum filme soviético e apenas te comportas como uma criatura zombie, endoutrinada politicamente perante a propaganda do cinema americano, de filmes como o "007" ou o "Rambo III" em que os soviéticos são sempre os maus da fita.

Dou-te um conselho:

Da próxima vez que te apetecer criticar o que tenho a dizer sobre o cinema soviético, tenta ao menos ver os filmes e traduzir com o google chrome o texto em cirílico do wikipédia. Isto é assim, eu não sou nenhum santo e na verdade confesso que costumo escrever um bocado à balda, por acaso até adoro que me corrijam e que me chamem à atenção, afinal eu sou um tipo de ciências e adoro a lógica e a razão, embora eu seja muito imperfeito e escreva por aqui muitas asneiras e macacadas. Mas se queres refutar o que eu escrevo sobre o cinema soviético (que parece ser o teu grande problema), ao menos vê os filmes soviéticos, porque de resto até acho que nós os dois pensamos da mesma maneira e temos valores morais e éticos bastante semelhantes. Mas hoje perdi a paciência e tive de dizer o que tinha a dizer...

Finalmente, peço desculpa de antemão quer ao Rui Santos, quer a todos os outros membros. Não existe problema da minha parte em apagarem esta mensagem, caso achem justificado. Em nenhum momento me zanguei com o No Angel, mas hoje quis responder-lhe de forma dura, para esclarecer mal-entendidos que duram há vários anos.
No Angel
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by No Angel »

JoséMiguel wrote:Resposta ao No Angel, de forma calma e pacífica, de forma a tentar evitar que este tópico não seja depois banido (com razão) por mau ambiente, pelo moderador ou administrador, e ao mesmo tempo tentar que o meu comentário não fuja muito para off-topic, em relação ao tema pertinente.

Eu vou ter de dizer algumas verdades, pouco agradáveis para ele, e o problema é que eu não tenho muito jeito para escrever de forma diplomática, e pelo contrário, vou directo ao assunto, de forma por vezes bruta.

No Angel, eu não tenho nada contra ti e gosto muito de ler o que tu escreves, por exemplo não me esqueci da tua crítica aquele filme dos anos 50, acerca de uma escola doméstica para mulheres, e muitas vezes fico com vontade de ver esse filme, mas ainda não calhou. Até mesmo quando estás sistematicamente a criticar-me neste tópico, eu gosto que o faças, porque é sinal que tens neurónios e estás atento ao que é escrito, e gostas de manifestar a tua opinião com fervor, independentemente de qual seja ela.

Mas meu amigo, tu às vezes não fazes ideia do que falas e falas sem saber, devido à tua ignorância, porque foste implicar com o sistema da escola pública ucraniana dos anos 80 e és português! Por seres português não tens legitimidade para o fazer e devias antes ter vergonha na cara pela tua ignorância do teu próprio país que nem conheces.

E agora, meu amigo vais ouvir as verdades da escola pública em Lisboa, de quem é mais velho do que tu e que tem conhecimento dos factos:

Eu entrei na 1ª Classe no ano lectivo de 1982/1983 na Escola primária de Lisboa número 49, localizada nas Furnas em frente ao Jardim Zoológico. A minha professora chamava-se Fátima Mesquita.

Eu, que era ateu e não sabia o que era religião, era obrigado a levantar-me e a benzer-me, citando "Pai, Filho, x, x, Amem(?)" Eu ficava aterrorizado ao ver os outros meninos a dizerem essas palavras que nem sabia quais eram, só descobri que os meus colegas diziam "Espírito Santo" quase em adulto, nalgum filme que vi. Eu com 6 anos levantava-me do assento assustado e fazia esse gesto de me benzer com o sinal da cruz sem saber o que era, cheio de medo e vergonha por ser o único menino diferente e sentia-me ignorante, ao mesmo tempo era o melhor aluno da turma a matemática, porque já tinha estado numa escola americana e já sabia contar até dez mil, cem mil, um milhão em inglês, mas em português trocava o sessenta por setenta, não conseguia dizer bem a palavra, e quando a professora me perguntou até que número eu sabia contar, eu respondi 60 (embora em inglês soubesse contar até um milhão), e guiada por mim a professora só ensinou os outros meninos a contar até 60.

Eu quando me levantava e fazia esse gesto da cruz, era a mesma coisa que fazer a continência nazi numa escola italiana ou alemã em 1940, era um gesto a que um menino de 6 anos era obrigado a fazer.

Num certo dia essa professora fanática religiosa (Fátima Mesquita, professora do ensino básico na escola pública nº 49 de Lisboa) vira-se para os alunos e diz algo saído da Alemanha Nazi: "Quem não for baptizado levante o braço!"

Aqui já estamos a sair do fanatismo religioso e a entrar no nazismo...

Eu e outro menino levantámos o braço a dizermos que não sabíamos! (eu sabia lá que palavra esquisita era essa de "baptizado")

Reposta da professora portuguesa fanática religiosa: "Então hoje à noite perguntem aos vossos pais".

Nessa noite perguntei aos meus pais e eles responderam que eu não era baptizado.

No dia seguinte a professora perguntou-nos a resposta. O outro menino respondeu que sim, que era baptizado e eu respondi que não.

Atitude Nazi da professora portuguesa, que ainda está marcada e gravada na minha memória: "Tu deves estar enganado, és baptizado e não sabes!" Na semana seguinte aparece uma freira da Igreja de São Domingos de Benfica a tentar engrupir-me com histórias de magias, de um tipo ilusionista chamado Jesus, e a minha reacção foi mesmo "What the fuck!? Porque é que está uma mulher com roupa esquisita árabe (freira) a contar-me palhaçadas de truques de magia?" eu nunca me esquecerei de uns slides que a freira mostrou, que falava de uma mulher Maria, onde aparecia um raio de luz apontado à barriga dela, para lhe aparecer um filho na barriga, porque eu tinha acabado de ver no Cinema Alfa no Areeiro, o filme "Star Trek III: The Search for Spock", e achei esquisito a freira misturar a tecnologia do feixe de tele-transporte usada no futuro em filmes de ficção científica, num desenho em tempos antigos com a tal senhora chamada Maria.

Eu estive 4 anos a gramar com a estupidez e ataque à minha inteligência, a levar com uma freira a tentar endoutrinar-me com contos de fadas e histórias parvas infantis, numa escola pública em Lisboa, entre 1982 e 1986, uma década após o 25 de Abril, onde o Estado era Laico, segundo a lei.

Por isso meu amigo No Angel, tu és português e não te atrevas a críticar o ensino público soviético, porque o teu país era muito pior em termos de violações dos direitos humanos, pois repara que lá na Ucrânia dos anos 80, os putos podiam ir à missa fora do horário escolar, e o que eles estavam a praticar era apenas o que que estava previsto na lei portuguesa, que a minha professora fanática violou.

Se na história que relatei essa velhota foi a única a retirar o neto da escola, para assistir à missa, no universo de toda a aldeia, para mim é fanática religiosa, e tu que nem sequer ouviste a entrevista na rádio, não sabes que o próprio padre, neto dela, a considerou uma religiosa fervorosa (eufemismo católico para um fanático religioso), na entrevista em português, lá está mais uma vez a tua ignorância, sempre pronto a criticar-me quando falo da União Soviética, sem sequer ao menos conheceres o teu próprio país, para pensares se deves dizer asneira, antes de te informares dos factos.

Olha eu se calhar teria sido mais feliz nessa escola ucraniana em 1982, porque nenhuma professora me obrigaria a levantar e a benzer-me. O meu pai não se apercebeu do que se estava a passar, devido à atitude criminosa da professora me obrigar a ter aulas de religião, às escondidas e sem consentimento dos meus pais, caso contrário o meu pai teria armado um alarido como fez com a minha irmã, que na hora da religião ia para o recreio com a única outra menina ateia (não-baptizada), mas na minha turma eu era o único menino não-baptizado (que merda de azar eu tive) e se o meu pai tivesse feito queixa eu ficaria 4 anos sozinho no recreio a ser marginalizado pelos outros meninos, tal como um alemão ariano da Alemanha Nazi marginalizava um judeu.

Olha que esta merda é muito perigosa! O fanatismo religioso católico (vestígios da ditadura do Salazar) ainda estavam presentes em 1982 e eu sofri isso na pele, achas bem eu ficar sozinho no pátio a meio das aulas, durante a aula de moral dada pela freira da Igreja de São Domingos de Benfica, com os outros meninos todos a apontaram-me o dedo a rirem-se de eu não ser "baptizado"!???? Isto é mesmo saído da Alemanha Nazi e perseguição aos judeus, e por isso é proibido por lei.

Mas tu, enquanto cidadão português, não te atrevas a criticar moralmente a União Soviética entre 1982-1986 no ateísmo na escola primária, perante o cenário da Idade das Trevas que eu vivi em Portugal (na capital do teu país).

Por outro lado, eu noto que estás sempre a criticar os meus comentários sobre o cinema soviético, que da minha parte foram fruto de muita pesquisa, análise, traduções e esforço de detective a cruzar informação, quando tu se calhar nem sequer viste nenhum filme soviético e apenas te comportas como uma criatura zombie, endoutrinada politicamente perante a propaganda do cinema americano, de filmes como o "007" ou o "Rambo III" em que os soviéticos são sempre os maus da fita.

Dou-te um conselho:

Da próxima vez que te apetecer criticar o que tenho a dizer sobre o cinema soviético, tenta ao menos ver os filmes e traduzir com o google chrome o texto em cirílico do wikipédia. Isto é assim, eu não sou nenhum santo e na verdade confesso que costumo escrever um bocado à balda, por acaso até adoro que me corrijam e que me chamem à atenção, afinal eu sou um tipo de ciências e adoro a lógica e a razão, embora eu seja muito imperfeito e escreva por aqui muitas asneiras e macacadas. Mas se queres refutar o que eu escrevo sobre o cinema soviético (que parece ser o teu grande problema), ao menos vê os filmes soviéticos, porque de resto até acho que nós os dois pensamos da mesma maneira e temos valores morais e éticos bastante semelhantes. Mas hoje perdi a paciência e tive de dizer o que tinha a dizer...

Finalmente, peço desculpa de antemão quer ao Rui Santos, quer a todos os outros membros. Não existe problema da minha parte em apagarem esta mensagem, caso achem justificado. Em nenhum momento me zanguei com o No Angel, mas hoje quis responder-lhe de forma dura, para esclarecer mal-entendidos que duram há vários anos.


Temos que concordar em desacordar mesmo... o sistema do Estado Novo por mais mau que fosse (e acredita que sei que foi, eu não defendo nenhuma ditadura) não tem comparação com o sistema abominável da URSS, que matou milhões e milhões de pessoas, houveram perseguições e massacres tão graves, numa escala muito maior do que aconteceu no nosso país, crimes tão abomináveis que só de imaginar...

Essa tua professora agiu mal contigo por seres ateu, nisso concordamos, e os teus colegas também, mas existem más pessoas em todo o lado infelizmente, em qualquer tempo e lugar, e tu tinhas a sorte de teres a lei do teu lado, sendo que a podias usar pra te proteger... bem, agora imagina as pessoas que eram presas ou mortas na URSS por simplesmente terem uma religião e irem contra a ditadura abominável da URSS, essas pessoas tinham a lei contra elas, alias, qualquer pessoa que tivesse ideias contrárias ao comunismo ou ateismo podia ser perseguido violentamente (sabias que quem não fosse comunista podia ser internado num hospício e sujeito a inúmeros abusos, porque não ser comunista era uma "doença mental" na URSS?). Achas mesmo que está no mesmo patamar?! Uma pessoa tinha risco de cadeia, tortura e morte por seguir abertamente uma religião na URSS, pois tal ia contra a ideologia que era permitida. Tens noção de quanta gente matou Estaline, o 2º maior assassino em massa da história da humanidade (ficando atras do Mao Tse-Tung, outro ateu comunista que matou milhões de pessoas a fome).

Deixo aqui um link:
https://en.wikipedia.org/wiki/Political ... viet_Union

Tu ias-te sentir melhor num regime destes, do que numa democracia laica?!! :shock:

E porque não tenho eu o direito de criticar o que quer que seja, por não viver na Ucránica?! Mas é preciso eu viver num pais pra criticar uma ditadura opressiva e muito violenta, que cometeu incontáveis abusos... tanto falam no Nazismo e o Comunismo matou muito mais que o Nazismo, e Estaline e Mao mataram muito mais que o Hitler. É suposto eu elogiar tais "senhores"?! Não, nunca na vida. E mesmo após a morte de Estaline a URSS continuou a viver uma ditadura comunista violenta e opressiva, numa escala pior que a nossa ditadura.

E sinceramente não percebo porque recorres a tantos insultos para comigo, quando eu nunca te insultei. Acho que ficamos por aqui, porque eu gosto de discutir ideias, gosto mesmo, mas dispenso insultos e faltas de respeito.
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by rui sousa »

Não querendo meter demasiado o bedelho no assunto, deixo apenas uma sugestão de leitura sobre a URSS. Nunca consegui ler o livro todo mas é daqueles que vou consultando e retirando, de quando em vez, umas lições preciosas. E reparem: não foi escrito por um americano (para não haver comentários de "ah mas isso é os americanos a distorcerem a história" e etc). Bom fim de semana!

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drakes
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by drakes »

Sem muitas considerações, mas culturalmente a censura nos EUA é mais danosa que qualquer país tirando o que você mora, por causa da influência deles, ainda, mais no campo do cinema, que são raros países que eles não dominam a distribuição.

Inclusive se eu não tivesse encontrado a seção do José Miguel sobre filmes do leste ficaria sem conhecer a maioria, mas li arquipélago gulag, entre outros livros que criticavam o sistema soviético e não existe qualquer dificuldade de saber sobre filmes americanos.

Apesar deu criticar a censura na Índia, Venezuela e Turquia, talvez dois países que estão ocorrendo mais problemas, a americana pela sua penetração mesmo que menor em alguns casos tem efeitos, só como exemplo da importância acredito que também em Portugal já tenha passado debates em campanhas eleitorais presidenciais passadas na tv ao vivo, provavelmente nem da Espanha também aconteceu isso.
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by rui sousa »

drakes wrote:Sem muitas considerações, mas culturalmente a censura nos EUA é mais danosa que qualquer país tirando o que você mora, por causa da influência deles, ainda, mais no campo do cinema, que são raros países que eles não dominam a distribuição.

Inclusive se eu não tivesse encontrado a seção do José Miguel sobre filmes do leste ficaria sem conhecer a maioria, mas li arquipélago gulag, entre outros livros que criticavam o sistema soviético e não existe qualquer dificuldade de saber sobre filmes americanos.

Apesar deu criticar a censura na Índia, Venezuela e Turquia, talvez dois países que estão ocorrendo mais problemas, a americana pela sua penetração mesmo que menor em alguns casos tem efeitos, só como exemplo da importância acredito que também em Portugal já tenha passado debates em campanhas eleitorais presidenciais passadas na tv ao vivo, provavelmente nem da Espanha também aconteceu isso.
Pelo que eu consegui perceber do teu comentário, posso dizer que concordo com o que dizes. Aliás, acrescento que, para mim, o contributo do José nestas matérias é imprescindível neste fórum, e é bom encontrar alguém que veja os filmes "fora da caixa" e tente explorar o cinema russo, indo mais além do que os clichés académicos permitem (é sempre o Eisenstein e o raio da escadaria, o Vertov e a cãmara de filmar, etc).

No entanto, creio que não se devam misturar alhos com bugalhos. O cinema teve desde sempre uma relação muito estreita com as sociedades que o fizeram. O cinema americano passou por várias fases e várias censuras diferentes, assim como a própria URSS/Rússia por razões completamente diferentes - e ambas completamente "sanguinárias", tanto num caso como no outro. Não há aqui, para mim, um país "melhor" e outro "pior". Cada um tem os seus sacanas que quiseram destruir a arte por motivos sociais/religiosos/políticos, confundindo a essência da criação com o seu próprio sentido de gosto e interpretação. Quantos génios não ficaram para trás por causa disso? E quantos outros que, de bestas, passaram a bestiais de uma forma extremamente fanática? (porque agora todos os críticos dizem que o "Showgirls", afinal, é muita bom, e etc). Cada caso é um caso, e não convém é generalizar :-D
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by JoséMiguel »

Pedido de desculpas ao No Angel

Estive alguns dias sem coragem de visitar o fórum, devido à gravidade do texto que escrevi no meu último comentário, que incluiu uma ofensa injustificada (sem fundamentos) ao No Angel.

Vou tentar explicar como me senti naquele momento...

Eu deparei-me novamente com um comentário do No Angel, a desabafar (com razão) contra a ditadura soviética, neste caso ao nível da liberdade religiosa numa escola pública do ensino primário na década de 1980.

Eu como fui "vítima de perseguição religiosa" (termo algo exagerado, mas verdadeiro) numa escola pública em Lisboa, entre 1982-1986, numa época em que Portugal era um país democrático, ainda candidato à adesão à C.E.E. (pormenor importante, pois o que se passou comigo em Lisboa deve violar vários estatutos de um país membro da União Europeia ou do Conselho Europeu), simplesmente explodi e perdi a calma quando o No Angel, que é tão português como eu, desatou a criticar os desgraçados dos ucranianos, que apesar de ainda viveram no final da ditadura soviética, estavam muito mais evoluídos do que a escola pública número 49 de Lisboa.

Na escola primária da ditadura da República Socialista Soviética da Ucrânia, nenhum menino foi obrigado a levantar-se da cadeira TODOS OS DIAS renegando deus e promovendo o ateísmo. Mas na escola primária da democracia portuguesa, eu fui obrigado a levantar-me TODOS OS DIAS a benzer-me a promover um tal deus fantoche imaginário Jeová, e do seu filho ilusionista Jesus, sob pena de ser castigado com castigos corporais (estaladas, réguadas e levar com uma cana de bambú no rabo).

Perante esta diferença perdi a calma, e quis relatar o meu testemunho. Eu errei e perdi a razão ao chamar o No Angel de ignorante, pois seria impossível ele estar ao corrente do que se passou na minha escola, bem como dos restantes pormenores e detalhes da entrevista da rádio do menino ucraniano da minha idade, que hoje é padre católico em Lisboa.

Em 1982 Portugal era um país livre multi-partidário e tinha obrigação de ter um ensino público primário livre de perseguição religiosa, seja a ateus (como dentro da minha escola de Lisboa) seja a católicos ou ortodoxos (como fora da escola da aldeia ucraniana). Eu aqui não tenho dúvidas de que o sistema soviético dos anos 80 era muito mais evoluído do que o português, com a agravante da Ucrânia ser uma ditadura e Portugal uma democracia.

A União Soviética (dentro e fora do cinema) atravessou várias fases, da mesma forma que Portugal também atravessou várias fases. Tu achas bem que um cinéfilo estrangeiro critique o cinema português dos anos 80 ou o actual, dizendo que é cinema da ditadura de Salazar? Um português sabe que isso estaria errado, devido ao 25 de Abril. Da mesma forma, após a morte do Estaline (uma espécie de 25 de Abril na URSS), tanto o país como o cinema soviético mudaram muito para melhor. Eu às vezes aborreço-me contigo quando criticas alguma coisa da URSS baseado na época do ditador sanguinário Estaline (em que tens toda a razão), sem perceberes o que se passou (dentro e fora do cinema) entre 1957-1991.

Mais uma vez, deixo aqui o meu pedido de desculpas. Foi errado o que eu escrevi, espero que me desculpes tendo em conta que puseste o dedo numa ferida antiga, em que a professora me batia se eu não me benzesse, numa escola pública de Lisboa nos anos 80. Se calhar a culpa foi de Portugal não ter entrado ainda na C.E.E. e de não haver vigilância e policiamento pelas entidades europeias, em países religiosos atrasados de merda como era Portugal e o nosso Sistema de Educação, que ainda continha elementos fascistas de extrema direita, apoiantes de um ditador aliado de Hitler, como foi o Salazar. Faziam falta documentários da RTP a denunciar o que se passou comigo... mas na altura o director de informação da RTP era uma marioneta dos norte-americanos que proibia filmes e séries do bloco soviético, e que foi o único canal de televisão de um estado da NATO a impôr essa censura política (conforme a listagem do wikipedia de países europeus a transmitirem séries de leste, que incluem a BBC, TVE, RAI, etc.). Se calhar para esse sujeito o catolicismo é que era bom e esse tal conceito da escola pública portuguesa ser laica e livre de religião não convinha às suas convicções pessoais...

PS: No Angel, mesmo no ataque/ofensa que fiz à tua pessoa, e que já lamentei ter sido errado da minha parte, disse sempre que admiro os teus comentários inteligentes e sentido crítico, e espero que os continues a escrever. No fundo a minha queixa foi apenas de não teres separado o país e cinema da URSS do período antes e após o regime do Estaline, que é como comparar Portugal em 1990 com Portugal em 1955. eu devia tê-lo dito de forma educada e calma, mas acabei por dizê-lo exaltado, quando tu sem querer e sem saberes tocaste numa ferida minha da escola primária em Lisboa. Peço desculpa.
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by PanterA »

Eu não sou do teu tempo, salvo erro deves ser mais velho que eu uns 20 anos (tenho 26), mas quando andava a na primária eu mesmo era obrigado quando entrava na sala a rezar uma cena qualquer e ainda cantar o hino. Isto hoje em dia, mesmo uma grande parte da população portuguesa ser católica confessa, parece já ser demasiado distopico.

Aliás, mesmo no básico isso já não acontecer, cada sala ainda tinha aquele crucifixo da praxe por cima do quadro do giz.
No Angel
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by No Angel »

JoséMiguel wrote:Pedido de desculpas ao No Angel

Estive alguns dias sem coragem de visitar o fórum, devido à gravidade do texto que escrevi no meu último comentário, que incluiu uma ofensa injustificada (sem fundamentos) ao No Angel.

Vou tentar explicar como me senti naquele momento...

Eu deparei-me novamente com um comentário do No Angel, a desabafar (com razão) contra a ditadura soviética, neste caso ao nível da liberdade religiosa numa escola pública do ensino primário na década de 1980.

Eu como fui "vítima de perseguição religiosa" (termo algo exagerado, mas verdadeiro) numa escola pública em Lisboa, entre 1982-1986, numa época em que Portugal era um país democrático, ainda candidato à adesão à C.E.E. (pormenor importante, pois o que se passou comigo em Lisboa deve violar vários estatutos de um país membro da União Europeia ou do Conselho Europeu), simplesmente explodi e perdi a calma quando o No Angel, que é tão português como eu, desatou a criticar os desgraçados dos ucranianos, que apesar de ainda viveram no final da ditadura soviética, estavam muito mais evoluídos do que a escola pública número 49 de Lisboa.

Na escola primária da ditadura da República Socialista Soviética da Ucrânia, nenhum menino foi obrigado a levantar-se da cadeira TODOS OS DIAS renegando deus e promovendo o ateísmo. Mas na escola primária da democracia portuguesa, eu fui obrigado a levantar-me TODOS OS DIAS a benzer-me a promover um tal deus fantoche imaginário Jeová, e do seu filho ilusionista Jesus, sob pena de ser castigado com castigos corporais (estaladas, réguadas e levar com uma cana de bambú no rabo).

Perante esta diferença perdi a calma, e quis relatar o meu testemunho. Eu errei e perdi a razão ao chamar o No Angel de ignorante, pois seria impossível ele estar ao corrente do que se passou na minha escola, bem como dos restantes pormenores e detalhes da entrevista da rádio do menino ucraniano da minha idade, que hoje é padre católico em Lisboa.

Em 1982 Portugal era um país livre multi-partidário e tinha obrigação de ter um ensino público primário livre de perseguição religiosa, seja a ateus (como dentro da minha escola de Lisboa) seja a católicos ou ortodoxos (como fora da escola da aldeia ucraniana). Eu aqui não tenho dúvidas de que o sistema soviético dos anos 80 era muito mais evoluído do que o português, com a agravante da Ucrânia ser uma ditadura e Portugal uma democracia.

A União Soviética (dentro e fora do cinema) atravessou várias fases, da mesma forma que Portugal também atravessou várias fases. Tu achas bem que um cinéfilo estrangeiro critique o cinema português dos anos 80 ou o actual, dizendo que é cinema da ditadura de Salazar? Um português sabe que isso estaria errado, devido ao 25 de Abril. Da mesma forma, após a morte do Estaline (uma espécie de 25 de Abril na URSS), tanto o país como o cinema soviético mudaram muito para melhor. Eu às vezes aborreço-me contigo quando criticas alguma coisa da URSS baseado na época do ditador sanguinário Estaline (em que tens toda a razão), sem perceberes o que se passou (dentro e fora do cinema) entre 1957-1991.

Mais uma vez, deixo aqui o meu pedido de desculpas. Foi errado o que eu escrevi, espero que me desculpes tendo em conta que puseste o dedo numa ferida antiga, em que a professora me batia se eu não me benzesse, numa escola pública de Lisboa nos anos 80. Se calhar a culpa foi de Portugal não ter entrado ainda na C.E.E. e de não haver vigilância e policiamento pelas entidades europeias, em países religiosos atrasados de merda como era Portugal e o nosso Sistema de Educação, que ainda continha elementos fascistas de extrema direita, apoiantes de um ditador aliado de Hitler, como foi o Salazar. Faziam falta documentários da RTP a denunciar o que se passou comigo... mas na altura o director de informação da RTP era uma marioneta dos norte-americanos que proibia filmes e séries do bloco soviético, e que foi o único canal de televisão de um estado da NATO a impôr essa censura política (conforme a listagem do wikipedia de países europeus a transmitirem séries de leste, que incluem a BBC, TVE, RAI, etc.). Se calhar para esse sujeito o catolicismo é que era bom e esse tal conceito da escola pública portuguesa ser laica e livre de religião não convinha às suas convicções pessoais...

PS: No Angel, mesmo no ataque/ofensa que fiz à tua pessoa, e que já lamentei ter sido errado da minha parte, disse sempre que admiro os teus comentários inteligentes e sentido crítico, e espero que os continues a escrever. No fundo a minha queixa foi apenas de não teres separado o país e cinema da URSS do período antes e após o regime do Estaline, que é como comparar Portugal em 1990 com Portugal em 1955. eu devia tê-lo dito de forma educada e calma, mas acabei por dizê-lo exaltado, quando tu sem querer e sem saberes tocaste numa ferida minha da escola primária em Lisboa. Peço desculpa.
Eu aceito as desculpas, eu também supus que fosse uma coisa do momento e nem liguei muito, mas achei que não devia deixar passar em branco :-D

Como disse, eu gosto muito de discutir ideias. Há muita coisa que eu não sei, estou sempre a aprender coisas novas, nem tenho qualquer pretensão de saber tudo. Sobre o cinema soviético certamente saberás muito mais do que eu. Mas eu sei algumas coisas da história da URSS, e sei que mesmo apos a morte de Estaline as coisas não foram um conto de fadas, alias, foi precisamente apos a morte de Estaline que começaram a usar a Psiquiatria pra prender, drogar e submeter a todo o tipo de abusos qualquer um que fosse contra o regime ou tivesse ideias contrárias (como te mostrei no link da wikipedia, bastava seguires uma religiao pra poderes ser internado num hospicio e seres submetido a "tratamentos", ou não seres comunista, e isso durou pelo menos até ao inicio dos anos 80 segundo o link que postei anteriormente). O que tens a dizer sobre isto? Sim, Estaline morreu, mas os abusos continuaram, a ideia de que ele era o unico monstro da URSS não é verdadeira...

Por exemplo, o realizador russo Tarkvosky enfrentou imensos problemas na rodagem dos seus filmes por ser religioso, e isso foi bem apos a morte de Estaline... ele chegou a um ponto em que saiu mesmo da URSS porque já estava farto, ele não podia fazer os filmes que realmente queria porque havia uma censura aberta, mesmo nos anos 70 e 80.

Deixo aqui um link sobre isso mesmo, se tiveres curiosidade em ler:

http://rbth.com/arts/2014/10/19/artists ... 40723.html
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by Rui Santos »

Vou dar só um breve e resumido contributo sobre o que se passou aqui no tópico.

Quando duas pessoas adultas, leem o que escrevem, e percebem que por vezes a mensagem não foi a mais cuidadosa, e mais tarde tem a coragem de falar uns com os outros do assunto de forma civilizada como dois adultos com opiniões diferentes mas que se respeita... só tenho a dizer salut-)
Mas do que o controle de um moderador ou administrador... o autocontrole e o sentido critico/autocritico faz com que tudo possa correr de forma automática sem que ninguém tenha de intervir.
Ao longo do tempo tenho tentado muitas vezes essa aproximação, nem sempre com o maior sucesso tenho consciência disso. Aqui resultou bem.
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by Samwise »

Bom, depois desta troca argumentativa de memórias, gostaria também de partilhar a minha experiência de infância a ver com a educação religiosa imposta, e sobre a qual guardo sentimentos bastante opostos aos do José Miguel, embora eu não tenha sofrido represálias de qualquer espécie para me obrigar a "seguir o culto" e mais as suas tradições (e por isso entendo a raiva que ele sente).

Passei também por um colégio de forte orientação religiosa por escolha dos meus pais (católicos) até ao nono ano (depois fui para um liceu estatal, para ver o que era bom para a tosse), e durante o tempo todo que estive lá, cinco anos, recebi educação religiosa católica permanente e fui encorajado a "acreditar" e a "ter fé". Eu, que sou agnóstico (não ateu), não me importei nada em ter recebido esta educação, até apreciei bastante de uma das vertentes envolvidas, e que tem a ver com a prática activa do bem perante a comunidade - algo que sempre senti que ocorria de facto, naquele comunidade de freiras, fora e para lá do aspecto educativo religioso, e algo que afasto de qualquer prática fanática de imposição do divino. Hoje em dia ainda mantenho algum contacto com algumas dessas pessoas e continuo a ver "obra feita", cheia de generosidade e bondade perante uma certa franja social mais desfavorecida e esquecida. Isto para dizer que fanatismos há em todo o lado (como naquela comunidade também haverá certamente), e que não considero correcto generalizar o conceito a partir um qualquer culto religioso, venha ele de onde vier, ou a partir de uma ou outra maçã podre dentro do cesto da fruta e dizer que nada ali presta para trincar.

Sobre as escolas de outros países não posso falar ou comparar (sou de facto ignorante a esse respeito), mas pudesse escolher agora a educação que recebi nesses anos, nem hesitava e escolhia a mesma, sabendo que em termos de crença não levou a lado nenhum, no sentido de continuar a não acreditar minimamente na divindade católica, mas levou de facto em termos de educação estrutural, moral e social. O facto de não me ter sido dada qualquer hipótese de escolha na altura (perante uma educação isenta de religião, por exemplo) não afectou em nada a consideração que tenho sobre esses anos, para além de que me serviu mais tarde de termo comparativo, pois tinha os conhecimentos interiorizados.
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by JoséMiguel »

Rui Santos, o que escrevi foi errado (muita emoção e pouca lógica) e resultou de perda de controle da minha parte. Eu nem acho que o No Angel tenha dito nada de mal ou errado, e eu descarreguei em cima dele sem razão.

Tentarei, de forma amigável, explicar porque não sei o que responder às questões que ele me tem colocado acerca da censura soviética. Penso que a melhor maneira será descrever a lavagem ao cérebro política, de que fui vítima nos filmes que vi nos anos 80, em idade impressionável, e que não afectariam tanto alguém mais novo ou mais velho do que eu. E se eu disser que há 15 anos atrás, uma década após o fim da guerra fria, ainda julgava que o cinema soviético fosse virtualmente não-existente como o cinema de Timor-Leste ou possivelmente tecnicamente primitivo, estilo o filme português sobre o Camões, que vi na escola secundária, numa cassete VHS em mau estado? Ou que achava que os cidadãos de Moscovo nos anos 80, viviam como os judeus na Europa ocupada pelos nazis.

Existem pessoas aqui no fórum, que por serem mais velhas do que eu até viram filmes soviéticos nos cinemas portugueses, durante os anos 80, que passaram em festivais ou em ciclos de cinema, e que não terão essa visão deturpada que eu tive.

Isto aconteceu devido aos meus gostos em cinema, quando eu tinha 10 anos de idade já tinha visto todos os filmes existentes do 007, que eram os meus filmes preferidos, devido aos gadgets, e cenas espectaculares de acção, com muitas explosões e perseguições automóveis; outro filme que vi com 10 anos foi "Um americano em Berlim" (https://pt.wikipedia.org/wiki/Gotcha!).

Depois eu tinha um fascínio por filmes apocalípticos muito pesados, que vi na RTP em criança, como "A Teia" ou o "Five" que me assustaram e marcaram, sem eu ter a mínima noção do que estava a acontecer, mas provavelmente devo ter ouvido a minha irmã a comentar com o meu pai qualquer coisa sobre os soviéticos, e se calhar novamente associei o povo soviético a alguns monstros que querem destruir o mundo... Parabéns ao governo norte-americano pelo sucesso em demonizar a URSS, aos olhos de um menino português nos anos 80...

Haverão ainda mais filmes e episódios de séries, de que agora nem me lembro, a contribuir para essa deturpação.

A história não acaba aqui, porque aos 12 anos de idade o meu pai comprou-me o famoso ZX Spectrum e fui logo vítima de propaganda política contra a URSS, pelos programadores ingleses. Eu até criei um vídeo sobre o assunto onde fiquei comovido pela reacção de um menino da Polónia da minha idade, quando jogou esse jogo nos anos 80, e que em adulto veio comentar no You Tube. No meu vídeo, citei parte do que ele escreveu (ele depois explicou que teve de ser o pai dele na Polónia a explicar a razão dos ingleses atacarem politicamente o bloco de leste, num jogo de computador para crianças):



A culpa disto foi do director de informação da RTP, que bloqueava o conteúdo de leste (com a excepção do Vasco Granja e dos seus desenhos animados intelectuais para gente crescida). Bastava cá ter passado a mini-série "Visitante do Futuro", de entre outras que foram exibidas nas televisões da TVE, RAI, BBC e restantes países da NATO, para não se ter criado esta demonização da URSS aos olhos de uma criança portuguesa em idade impressionável.



É que afinal as crianças de Moscovo da minha idade iam à escola, e quando chegavam a casa a mãe pedia-lhes para ir à mercearia buscar leite, numa sacola de rede, enquanto preparava o jantar à espera que o pai chegasse do trabalho. No meu livro escolar de História do 9º ano, dizia lá que em Moscovo não se podia guiar um automóvel e que as pessoas passam o dia numa fila à espera de comida, com uma senha de racionamento na mão, basicamente era essa a descrição de Moscovo (Contei isso ao meu pai há poucos anos e ele disse que devia ser propaganda política, em que o autor do manual escolar português terá manipulado alguma informação fora do contexto, que embora verídica mostrasse uma má imagem de Moscovo). Já se passaram tantos anos que é possível eu estar a recordar mal as coisas, e não haver nada de errado com o livro, mas nesta série vejo um menino moscovita a chegar da escola e a ir à mercearia fazer um recado à mãe, vejo também automóveis a circularem em Moscovo, afinal o que se passa? Alguém tem um livro de História português do 9º ano de escolaridade dos anos 80, e que possa fazer um scan dele, na secção final sobre a Perestroika?

Eu apanhei uma conjectura de factores em criança, em que basicamente achava que a misteriosa União Soviética (cujos filmes eram tabú na TV portuguesa e nos clubes de vídeos portugueses) era um estado policial pior do que o salazarismo em Portugal, a Coreia do Norte actual e mais próximo de um país europeu ocupado pelos nazis, em plena 2ª Guerra Mundial, em que as pessoas não tinham o que comer e eram presas pela polícia, de forma aleatória sem nenhum motivo.

A primeira produção soviética que vi (os desenhos animados do Vasco Granja não contam) foi a série "Visitante do Futuro" no You Tube (talvez em 2008). Essa série infantil de viagens no tempo de 1985, foi mesmo feita para os meninos da minha idade e eu teria adorado vê-la na RTP em criança... fiquei tão revoltado quando soube que apenas Portugal impôs este bloqueio político às produções soviéticas na televisão do estado...

Depois disso fiquei fascinado com cada filme soviético que via, afinal aquilo não era cinema atrasado de um país do terceiro mundo e afinal até era melhor do que o cinema norte-americano, que eu até então achava o máximo.

Esta explicação foi destinada ao No Angel, porque lhe devo isso, depois da asneira que fiz. Perante o que contei acima tenho de dizer que como cresci a julgar que a URSS era a Alemanha Nazi ou a Coreia do Norte, eu fico é surpreendido pela positiva, pela forma como os cineastas e directores dos estúdios (como a Mosfilm) desafiavam constantemente a censura do governo, desobedecendo à vontade do governo e criticando o próprio regime, na era pós-Estaline. Na era pós-Estaline a URSS era uma ditadura mono-partidária, mas impressiona-me a capacidade de intervenção do cinema soviético russo, sempre a desafiar a censura, O Estaline que chegou mesmo a fuzilar cineastas já tinha morrido, e até agora não sei de nenhum caso em que um cineasta que desafiasse o governo tenha sido preso ou enviado para um gulag, quando em Portugal teria sido torturado e morto pela PIDE, o que normalmente acontecia é que o cineasta, que era um funcionário público seria despedido e impedido de voltar a trabalhar para o estado (não havia cinema privado na URSS).

No Angel, desde que escrevo aqui no fórum, refiro sempre alguma censura que tenha ocorrido nalgum filme soviético, mas de há um ano para cá, sinto alguma hostilidade da tua parte, provavelmente algum mal entendido em que julgas que que eu defendo politicamente a ditadura soviética (quando eu sou contra qualquer ditadura), e misturas isso com o meu gosto pessoal no cinema soviético. É que estás constantemente a questionar-me acerca da censura soviética, citando casos de filmes que eu não conheço, ou que já tendo visto, não sei do que falas, como se eu fosse algum perito de cinema ou algum ex-político russo com culpas no cartório. Eu sou apenas um gajo português que gosta de ver 120 mil soldados numa batalha napoleónica ao serviço do filme e que torce o nariz às animações cgi dos filmes históricos americanos... :o

Se a URSS era uma ditadura, a censura política do cinema já era esperada e isso é uma não-questão. Mas a minha posição é a de admiração pelos cineastas, que com a ajuda do director do estúdio Mosfilm, conseguiam furar a censura, tal como o Hitchcock furou a censura religiosa do Production Code, ao meter um casal a dar beijinhos interrompidos, porque um beijo não podia durar mais de n segundos, por motivos religiosos. A mim preocupa-me mais a hipocrisia dos EUA, que ataca países em nome da liberdade, e que depois permite censura religiosa no cinema saída da Idade Média.

No angel, espero que com isto percebas porque não sei nem posso responder às questões que levantas sobre a censura soviética. :-?

É que tal seria a mesma coisa que estares sempre a questionar a censura de Salazar, sempre que alguém fala de um filme português anterior a 1974. Já toda a gente sabe que até 1974 Portugal era uma ditadura e não podes esperar que um comentador de um filme português descubra o que foi ou não censurado em cada filme.

No angel, eu escrevi este texto para ti, em parte como pedido de desculpas e de forma amigável. Se não fosses tu eu não teria escrito isto, por ser demasiado pessoal e subjectivo.
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Re: Censura no Cinema: Antes e agora...

Post by JoséMiguel »

Samwise wrote:Bom, depois desta troca argumentativa de memórias, gostaria também de partilhar a minha experiência de infância(...)
[EDIT] Eu estou a remover esta parte do meu comentário humorístico, onde relatava que fui obrigado a mascarar-me de puritano religioso, para comemorar o Dia da Acção das Graças numa escola americana. O motivo, é que logo após eu ter escrito o texto, pensei no assunto e dei logo conta de falhas de raciocínio da minha parte, em que o meu comentário fica sem efeito, que são:

A) A festividade do "Thanksgiving Day" poderá ser supra-religiosa tal como acontece com o Natal em Portugal, que é festejado por ateus pela tradição e sem qualquer conotação religiosa.

B) A escola americana internacional em questão estava situada fora do território dos EUA e por isso não sujeita às leis americanas que protegem os alunos, através da proibição de religião nas escolas. Assim sendo nada se pode concluir do meu relato.

Fica apenas a segunda parte do meu comentário (resposta ao Samwise):

Portugal (e a maioria da Europa) é a inveja do povo ateu norte-americano, porque no nosso país todos se dão bem. No dia-a-dia, entre amigos, colegas e vizinhos ninguém sabe se o outro é ateu ou religioso, porque isso não interessa pois no nosso país existe mútuo respeito e a questão nem se coloca.

Eu tenho muito orgulho em Portugal neste campo religioso e apenas andei a falar disto, porque gosto de discutir temas pesados.

Ficas a saber que a minha melhor amiga (e já de longa data) frequentou o Externato "Escravas do Sagrado Coração de Jesus" em Lisboa até ao 9º ano de escolaridade, e o relato dela é igual ao teu. Foi ela que me emprestou o "Novo Testamento" (o livro religioso), a meu pedido, que eu li de seguida em 1994, para tentar perceber o que é isso da religião católica.

Tu bem sabes que na minha crítica do filme checoslovaco sobre a inquisição, que tu viste a meu pedido, até hoje eu sempre evitei escrever uma crítica, com receio de ofender as crenças religiosas dos membros do fórum, pois eu não quero causar mal estar a ninguém. Até te pedi licença para colocar lá a tua análise, que escreveste noutro tópico, mas disseste que ias tentar escrever um texto maior e depois isso ficou esquecido.

Essa questão que referiste de praticar o bem, funciona bem no papel e em teoria, mas a religião cristã obriga à evangelização dos povos. Acho que ninguém se opõe a uma instituição de caridade que preste ajuda e pratique boas acções, mas porquê a obsessão em evangelizar os povos, como condição de chantagem para prestar ajuda? Eu vou ter de abordar esse assunto na minha crítica do filme mudo do Carro Fantasma, devido à presença do Exército de Salvação mas não quero chatear ninguém com a minha opinião sobre a instituição... :-(

Da minha parte, dou estes desabafos off-topic como encerrados (a não ser que alguém mais queira participar ou comentar), e o assunto que gostaria de focar de seguida é a censura moral de cinema na Europa, ao longo dos tempos, onde não tenho teorias nem respostas, e apenas algumas peças do puzzle. Por exemplo qual seria o mal de aparecer uma actriz com os seios à mostra, em várias eras do século XX? :o
Last edited by JoséMiguel on October 1st, 2016, 6:19 am, edited 1 time in total.
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