The Straight Story (1999) - David Lynch

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rui sousa
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The Straight Story (1999) - David Lynch

Post by rui sousa »

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Quando os meus filhos eram miúdos, eu fazia uma brincadeira com eles. Dava um pau a cada um deles, e mandava-os parti-los. É claro que partiam, com toda a facilidade. Depois mandava-os atá-los num feixe, e tentar parti-los. É claro que não conseguiam. Então eu dizia-lhes que o feixe é como a família.

«Uma História Simples» é um filme realizado por David Lynch, distribuído pela Walt Disney. Sim, e com esta informação percebemos que esta obra do realizador não deverá ser tão complexa em termos narrativos e visuais como, por exemplo, a fita que realizou antes desta, «Lost Highway - Estrada Perdida», nem como o seu sucesso posterior, «Mulholland Drive», para poder ser uma fonte de investimento segura para os ditos estúdios, sem quebrar os seus protocolos de "auto-censura" em relação aos filmes que devem ou não distribuir (e lá está, por isso nunca vemos a Disney lançar filmes que tenham classificações superiores a M/12). Contudo, «Uma História Simples» (um trocadilho feito com o título original, «The Straight Story» - sendo que Straight é o apelido da personagem principal da trama) não é o típico filme live-action sem sabor e "familiar" que a Disney nos habituou a ver nos cinemas e em edições "direct-to-video" que têm estampadas o seu logo (sim, porque são fitas tão boas que nem passam nas salas...), que destroem a noção de mínima inteligência que qualquer ser humano tem. Ao contrário de "pérolas" como o franchise «High School Musical», «Uma História Simples», a primeira obra de David Lynch que não teve, no seu argumento, a autoria deste cineasta, é um bom filme, e que, por isso, podemos considerar que esta foi uma boa aposta da Disney, e que foi totalmente inesperada, pelo menos se for comparado com o que estamos habituados a imaginar quando pensamos na "riqueza" dos projetos que recebem, normalmente, os grandes investimentos desta empresa. E deveriam "arriscar" mais vezes em filmes como este...

Baseado numa estranha história verídica, «Uma História Simples» tem no seu título todo um resumo: não esperem uma grande lição de vida, onde as personagens alteram radicalmente as suas perspetivas da existência humana e tornam-se melhores pessoas devido a coisas inacreditavelmente giras. Aqui, o que acontece é o seguinte: temos um senhor, chamado Alvin Straight, que ao saber que a saúde está numa situação muito crítica, decide fazer aquilo que, durante dez anos, não teve coragem de pôr em prática - falar com o seu irmão, que vive longe da sua cada. E para concretizar este objetivo, o que é que ele faz? Decide partir à aventura, sair da pequena cidade em que vive (onde todos os habitantes se conhecem e onde cada um sabe tudo sobre a vida de todos os outros) e viajar não num automóvel (porque está impedido de conduzir), mas sim... numa máquina cortadora de relva. Sim, eu disse que a premissa de «Uma História Simples» não era espetacular. Mas no fundo, não é este pormenor que interessa, mas sim toda a viagem que Alvin faz, as pessoas que vai conhecendo, as situações com que se depara e os seus pensamentos que, influenciados pela sua longa experiência de vida, são uma ótima chave para muitas das personagens que com ele tomam contacto. «Uma História Simples» remete a sua simplicidade apenas para os meios técnicos que foram utilizados para a sua elaboração (trata-se, aliás, de uma produção feita de um modo totalmente independente, juntando-se a Disney apenas para a distribuir nos cinemas de todo o mundo) e para a sinopse básica da sua trama, porque em todo o resto e em todo o seu conteúdo, não há nenhuma maneira onde se possa encaixar a palavra "simplicidade". É um filme que está feito nos moldes do Cinema Americano clássico, mais intimista, filosófico e moralista, e que tem como principais temas as relações humanas e a família. Com uma bonita banda sonora que, através da utilização de poucos instrumentos, mas de sonoridades bastantes acolhedoras e bonitas (e que em muito fazem lembrar o género "country", música tão característica do Sul da América), «Uma História Simples» é uma viagem em busca dos medos e dos arrependimentos do ser humano, tendo a importância da família e das boas relações entre familiares como principal mote. Na sua viagem, que durou seis semanas e que fez História (tanta que decidiram - e bem! - passá-la para o Cinema) recebemos uma lição de vida sem precisarmos de grandezas cinematográficas, nem de lágrimas no canto do olho forçadas e propositadas, não deixando esta obra de ser uma boa aula de Cinema, e de como se pode fazer algo de Grande com coisas tão pequenas e, de um certo ponto, tão "ridículas" para a maior parte dos espectadores. Com Alvin Straight, aprendemos a importância do perdão e da compaixão na existência humana, além de que nunca é tarde para aprender nem para corrigir os erros que possamos ter feito na nossa vida. Richard Farnsworth teve, em «Uma História Simples», uma notável performance que recebeu uma nomeação para o Oscar da Academia de Melhor Ator Principal, e um desfecho com chave de ouro na sua grande carreira no Cinema (faleceu no ano a seguir à estreia deste filme). E não sendo uma peça típica da obra de Lynch, mostra como o cineasta é multifacetado e como gosta de explorar sempre novas histórias, com poucas ou nenhumas ligações entre si. E, em «Uma História Simples», reencontramo-nos com a simplicidade da vida no Cinema, de uma forma que só poucos, na atualidade, conseguem captar assim: como se fosse poesia.

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José
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Re: The Straight Story (1999) - David Lynch

Post by José »

É uma história simples, sim senhor, a querer roçar o inacreditável e inacreditavelmente baseada em factos reais.

The Straight Story:

- Por retratar um episódio na vida do Sr. Alvin Straight;
- Por ter uma história "sempre em frente", em "linha recta" e on the road, em que se acompanha aquela jornada tão singular;
- Por contar com uma narrativa tão simples e directa nos seus propósitos e na sua formulação, quase sem as habituais marcas autorais que já todos atribuímos ao Sr. David Lynch.


É uma exaltação humanista belíssima, de vénia às pessoas e às comunidades mais "esquecidas" da América profunda, resultando num dos mais comoventes filmes do aclamado realizador.
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