Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

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Shivers
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Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

Post by Shivers »

Com Anna Friel no papel da Condessa Elizabeth Bathory nesta produção Eslovaca...
Bathory is based on the legends surrounding the life and deeds of Countess Elizabeth Bathory known as the greatest murderess in the history of mankind. Contrary to popular belief, Elizabeth Bathory was a modern Renaissance woman who ultimately fell victim to mens aspirations for power and wealth.
http://www.imdb.com/title/tt0469640/
http://www.moviestrailer.org/bathory-movie-trailer.html
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DyingSun
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Re: Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

Post by DyingSun »

Se o Quorthon ainda estivesse entre nós para providenciar a banda sonora... :-)))
JoséMiguel
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Re: Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

Post by JoséMiguel »

- Nota: Esta ficha técnica será mais insólita e personalizada do que o habitual, devido às características também insólitas deste filme -

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https://en.wikipedia.org/wiki/Bathory_(film)
http://www.imdb.com/title/tt0469640/

Financing and production companies (Wikipedia)

The budget of 10 million EUR (around 15 million USD) makes it the most expensive Slovak and Czech film ever. The film is a joint effort of Slovak, Czech, British, and Hungarian production companies with additional government funding provided by Eurimages (EU),[4] the Ministry of Culture of the Slovak Republic (SK), Státní fond ČR pro podporu a rozvoj české kinematografie (CZ)

Tele-disco oficial

Eu começaria por propor este belíssimo tele-disco oficial a fazer lembrar a minha infância na década de 1980, quando os grandes filmes europeus e norte-americanos, eram também acompanhados de bonitos tele-discos oficiais.

Este tele-disco para além de ser uma bonita obra de arte e poesia audiovisual por si mesmo, irá cumprir o tradicional papel de trailer da ficha técnica, dado que o trailer oficial possui a duração insólita de 9 minutos (também muito bom), e irá antes servir como sinopse e descrição multimédia.



Descrição/Sinopse

Devido à riqueza e complexidade desta obra, uma sinopse típica de uma contra-capa de um DVD não funcionaria, e eu começaria por uma breve descrição do realizador Juraj Jakubisko, de modo a que possamos começar a vislumbrar o tom deste filme.

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Juraj Jakubisko (born 30 April 1938, Kojšov, Czechoslovakia current Slovakia)

A wikipedia explica que este homem está para o cinema, como o escritor colombiano Gabriel García Márquez está para a literatura, através de duas características comuns que são o género Realismo Mágico e crítica política a regimes ou à História. O realizador eslovaco viu a sua carreira de Cinema castigada pela ditadura comunista, durante a Era Soviética, devido à característica anterior. Ainda assim ele nunca parou de fazer cinema e é há muito aclamado e reconhecido internacionalmente, como autor de filmes muito originais e com enorme qualidade artística/estética.

“In Jakubisko films the irrational, mysterious and sensational seems to be as natural as the life itself, although not all of us are able to have Jakubisko ́s eye, enabled to see that mysterious, unexpected and fantastic even in simple ordinary daily life“ - Federico Fellini.

Recomendo agora a visualização de um trailer oficial insólito, com 9 minutos de duração. Este conceito é muito diferente daquelas montagens musicais amadoras, que eu e outra malta fazemos no You Tube e Vimeo. Esta duração de 9 minutos justifica-se devido à riqueza de enredo do filme, aos elementos de Realismo Mágico, ao conceito multi-género que é uma característica do período soviético de cinema, à crítica histórico-social do Clero e Nobreza e à complexidade da geo-política europeia.



Site oficial do filme em inglês

http://www.ceskatelevize.cz/specialy/bathory/en/

Este site oficial é muito bom, contém entrevistas a historiadores, sketches de produção, screenshots e fotos de produção, alguns exemplos abaixo:

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Nota: Comentários ao filme mais tarde, noutra mensagem.
JoséMiguel
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Re: Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

Post by JoséMiguel »

Eu gostei bastante deste filme e mais adiante irei explicar as várias razões, é de salientar que o filme contém diversos erros históricos e biográficos propositados por parte do realizador, de que falarei mais tarde, mas se calhar o realizador quer dessa forma despertar o interesse das pessoas por certos temas, para que elas espreitem a wikipedia e depois pensem com a sua própria cabecinha. Comigo resultou!

Enquadramento histórico

Esta é uma nova peça do puzzle que é a História da Europa vista pelo cinema, que complementa outros filmes que eu vi e que já comentei por cá.

Um português como eu, que vá ver o filme, ficará à toa com o seu natural desconhecimento geográfico e histórico, dos acontecimentos que está a ver no ecrã. Um exemplo é que o território que a Elisabete Bathory governa, é chamado de "Upper Hungary", quer no filme, quer nos livros de História, mas corresponde à actual Eslováquia. Encontrei um belo mapa que esclarece estes detalhes:

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Podemos observar o antigo Reino da Hungria fragmentado em 3 partes, após a invasão do Império Otomano:

1) O domínio da Condessa Bathory corresponde à região que neste mapa anterior se chama de Capitania da Alta Hungria (não sei se em português se escreve assim). Estas Capitanias eram governadas pelo Sacro Império Germânico, com sede em Viena (O imperador do Império "Austríaco" era também o Rei destas capitanias húngaras.

2) O Principado da Transilvânia, muito importante no filme, que tinha o mesmo estatuto de autonomia que a Valáquia (se calhar o Sultão tinha medo de se meter com essa gente, depois do que se passou com o Vlad Tepes na Valáquia, que inseria estacas no ânus aos soldados. :lol: )

3) A Hungria Otomana, que são aqueles Eyalets (províncias administrativas turcas) a sul.

Curiosidade: Observem no canto inferior esquerdo do mapa, que é nesta altura que a Bósnia é islamizada (um país ainda hoje de maioria muçulmana) e a Croácia permanece cristã. Será que isto teve alguma coisa a ver com o genocídio na Jugoslávia da década de 1990? Não faço ideia, mas tomei nota desse detalhe.

Como irei falar brevemente do Vlad Tepes e dos Turcos (ocorrem várias batalhas durante o filme), irei mostrar o mapa da região, um século depois. As fronteiras permanecem quase idênticas (à excepção de que a "Hungria Superior" é um vassalo dos Turcos em vez de vassalo dos Austríacos):

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Com esta escala de mapa, podemos observar a estratégia militar do Império Otomano na captura da Europa, eles pretendiam nesta frente capturar Viena e derrubar o Sacro Império Germânico, permitindo que alguns países fora da linha directa de ataque permanecessem cristãos e com autonomia interna, como a Valáquia, Transilvânia e Moldávia.

Na outra frente da Ucrânia, os otomanos estavam a tentar derrubar a Commonwealth Polaco-Lituânia, outro império europeu muito poderoso.

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Eu já tinha visto bons filmes acerca da "frente polaca" e da resistência da Valáquia, mas ainda não tinha visto nenhum acerca da Hungria, como este Bathory.

O Bathory não é um filme épico do género militar, possui algumas batalhas muito humildes, que são necessárias para estabelecer a situação geo-política da região, e o poder que a Condessa Bathory detinha, após a morte do marido. Na verdade até mete pena ver neste filme o que terá sido um cerco épico a uma citadela, reduzido a duas dúzias de actores a lutar ao pé de umas tendas. Mas pronto não é esse o objectivo nem mérito deste filme.

O melhor filme que conheço, que realmente mostrar cercos a citadelas, com grandes canhões, muita destruição e uma quantidade enorme de meios é esta trilogia polaca com a duração de 12 horas:

viewtopic.php?f=11&t=47061

Acho que quando se fala da Condessa Bathory também, se deve falar no Vlad Tepes, que é um herói nacional da Roménia. Para percebermos o porquê, irei referir um filme muito bom de que já falei, que mostra a Bulgária sob ocupação otomana. Aliás neste mesmíssimo "Bathory" julgo que há uma cena em que um aldeão grita "Escondam as crianças!", perante um ataque turco. É que os otomanos raptavam as crianças europeias, pelo mesmo motivo do Hitler mandar raptar criancinhas bielorussas, no caso dos turcos era para serem educados como soldados muçulmanos fanáticos na guerra santa contra os cristãos europeus (no caso nazi, as crianças da europa de leste eram educadas pelo estado, como soldados fanáticos das S.S. se tivessem feições arianas, as outras iam para as câmaras de gás).

viewtopic.php?f=11&t=46500&start=47



Apesar de tudo, li hoje na wikipedia que muitos dos povos da Hungria cristã, preferiam o domínio otomano ao domínio cristão, quando a Igreja Católica (numa época mais tarde do que os eventos deste filme) começa a cometer as suas famosas atrocidades contra os povos protestantes húngaros. A religião é outro tema focado no filme, mas neste período a Santa Sé ainda não tinha poder suficiente (o poder de matar, massacrar, torturar e roubar) para fazer mal às pessoas. https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_da_ ... 80%931867)

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Vlad III, Príncipe da Valáquia (1431-1476)

Existe um bom filme romeno sobre este assunto: viewtopic.php?f=11&t=46951

Vlad, o Impalador é considerado um herói nacional por muitos romenos, porque através das suas tácticas sanguinárias, conseguiu manter a soberania do seu Reino da Valáquia, que permaneceu cristã e independente do Império Otomano, durante os séculos seguintes em que os países à volta eram islamizados. Ele era não só sanguinário contra os turcos, mas principalmente contra o seu próprio povo, e também contra toda gente.

Manuscrito russo de 1490, traduzido para inglês, acerca das atrocidades do Dracula:

http://thefifthcorner.com/2010/08/03/th ... l-dracula/

Este vovóide (chefe de estado) da Valáquia era considerado maluco e bárbaro pelo resto do mundo, e toda a gente tinha medo dele. Imagino o terror que um soldado turco sentiria, ao saber que se fosse capturado, lhe iriam enfiar uma grande estaca afiada de madeira, pelo ânus, em sucessivas marteladas, até à estaca sair pela boca, seguindo-se uma morte lenta quando a estaca era erguida na vertical. Eu se calhar até me atirava de um penhasco, só para não lutar contra os romenos. nails-) Acredito que a psicopatia e doença mental do Dracula tenha mesmo surtido efeito perante o exército do Sultão.

Os eventos históricos de Vlad, o Impalador ocorrem um século antes dos eventos históricos da Condessa Bathory, na mesma região e no mesmo contexto militar, mas as únicas similaridades entre os dois casos ocorrem na ficção do folclore, se bem que no caso a Condessa Bathory se trate mesmo de folclore da tradição oral do povo, ao passo que no caso do Vlad, O Impalador se trata de um mito que surge muito recentemente, pelo escritor Bram Stocker.

Numa próxima mensagem falarei então do filme do tópico e tentarei comparar a versão apresentada no filme, com a informação histórica da Wikipedia. Mas isso não será assim tão linear, porque me deparei com informações contraditórias na wikipedia, em três idiomas.

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No Angel
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Re: Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

Post by No Angel »

Este filme é fraco e muito confuso na minha opiniao. Já o vi há uns anos e não gostei, há outro que foi feito sobre a condessa que é muito melhor:

http://www.imdb.com/title/tt0496634/
JoséMiguel
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Re: Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

Post by JoséMiguel »

Um filme de autor muito bonito e original - Parte I

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As palavras do realizador
The gruesome tale of Countess Elizabeth Bathory, notorious yet obscure, has been recounted by historians, writers, poets, playwrights, musicians, painters, and moviemakers. Tradition has it that Countess Bathory was the greatest murderess in the history of humankind, as documented by her entry in the Guinness Book of Records.

She tortured her victims, exclusively women, before killing them. She bathed in their blood, and tore the flesh from their bodies with her teeth while they were still alive. But is that really true? In four centuries, no historical document has been found to reveal what had exactly happened. The plot of my film diametrically opposes the established legend.

“My story is about a defenceless widow who owns more property and riches than the king himself and who, as a result, becomes a victim of scheming from on high.”

Juraj Jakubisko ~ Director
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O objectivo assumido do realizador é colocar em causa as lendas, e despertar o interesse no espectador, para que tal como eu, vá cruzar a informação errada do Guinness, com a informação correcta na Wikipedia. Não custa muito fazer isto, ora vejam:

Esta é a entrada oficial do Guinness para a Condessa Isabel (ou Elisabete) Bathory:
Most prolific female murderer
Who
Elizabeth Báthory
What
600 people
Where
Slovakia ()
When
1610

The most prolific female murderer and the most prolific murderer of the western world, was Elizabeth Báthory, who practised vampirism on girls and young women. She is alleged to have killed more than 600 virgins in order to drink their blood and bathe in it, ostensibly to preserve her youth.

She was a niece of Stephen Báthory, head of an eminent Hungarian family and Prince of Transylvania, who became king of Poland in 1575. Married to Count Nádasdy, she lived at Čachtice Castle in the Carpathian Mountains, in what is now Slovakia. When her murderous career was discovered, the countess was walled up in her castle from 1610 until her death in 1614.

All records listed on our website are current and up-to-date. For a full list of record titles, please use our Record Application Search. (You will be need to register / login for access)

Fonte: http://www.guinnessworldrecords.com/wor ... -murderer/
Agora vejam o que diz na Wikipedia:
One witness, a woman named Susannah, who spoke at the trial mentioned a book in which Báthory supposedly kept a list of a total of over 650 victims, and this number has passed into legend.[5] As the number of 650 could not be proven, the official count remained at 80.[4]

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Elizabeth ... Reputation
O tribunal da altura apenas a acusou de 80 homicídios.

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Um outro erro explicado na Wikipedia são os banhos de sangue da Condessa:
The case of Elizabeth Báthory inspired numerous stories during the 18th and 19th centuries. The most common motif of these works was that of the countess bathing in her victims' blood to retain beauty or youth. This legend appeared in print for the first time in 1729, in the Jesuit scholar László Turóczi’s Tragica Historia, the first written account of the Báthory case.[37] The story came into question in 1817, when the witness accounts (which had surfaced in 1765) were published for the first time. They included no references to blood baths.[38] In his book Hungary and Transylvania, published in 1850, John Paget describes the supposed origins of Báthory's blood-bathing, although his tale seems to be a fictionalized recitation of oral history from the area.[39]
Ou seja, o padre jesuíta fez passar fantasias de banhos de sangue como facto histórico, no seu livro de 1729, mas quando em 1765 vieram a público os documentos do tribunal, descobriu-se que não era assim. Mais tarde, em 1850 o John Paget foi recolher tradição oral aos camponeses da região, que contavam patranhas acerca da Condessa tomar banho com sangue das vítimas. Eu gosto muito de contos tradicionais, mas isso é ficção e não acredito que tenha andado um vigarista na Idade Média, com uma pedra no bolso, que ia de quinta em quinta, dizer que fazia sopa da pedra, para os aldeões lhe oferecerem umas couves e chouriço, intrigados se ele iria comer a pedra.

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Mais tarde, voltarei a este objectivo do realizador subversivo fazer um filme subversivo de revisionismo histórico, para já quero descrever a forma como esta belíssima obra de cinema me agradou bastante.

Eu já conhecia esta história sinistra desde os meus 6 anitos de idade, pois eu tinha uma cassete VHS, gravada no estrangeiro de uma série documental chamada "Ripley's Believe It or Not", só tinha um episódio gravado, mas precisamente tinha a reencenação/dramatização dos eventos mais macabros da Condessa Bathory, com ela a ser emparedada no castelo. Aquilo metia-me bastante medo e marcou-se em jovem, por outro lado eu sempre tive um fascínio pelo visual e atmosfera gótica sinistra, pelo que a encenação me metia medo, mas também me deixava encantado e deslumbrado.

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Quando decidi ver este filme, não me passou pela cabeça que isto pudesse ser um filme de autor, por um realizador da era soviética, devido ao seu ano de 2008, pois eu não associo filmes checos, eslovacos ou húngaros de 2008 ao modelo do cinema de leste. Também não conhecia o realizador nem sabia a idade dele. Eu julgava que estava apenas a ver uma típica co-produção europeia do género histórico.

Irei descrever porque fiquei encantado com o filme...

O enredo é muito rico e imprevisível, não deixando de ser lógico e claro, porque isto não é nenhum filme pseudo-intelectual de simbolismos, em que dão o dito por não dito e vice-versa.

A beleza estética deste filme é formidável e acompanhada com bonitas músicas a evocar a época, e inclui uma narrativa de introdução a evocar o "Conan, The Barbarian" (em vez do feiticeiro chinês temos um frade), fiz um curto clip da introdução onde além disto, podem também ver a noite de núpcias com uma miúda de 14 anos a casar-se, a cena não tem nada de mal, mas os tipos de Hollywood (acho que são malucos religiosos puritanos ou algo assim, não entendo bem) gostam de distorcer a História e metem actrizes adultas, quase sempre em filmes históricos em que o casamento medieval era feito com personalidades adolescentes, por isso é refrescante vermos os tipos da Europa de Leste a usarem uma actriz adolescente.



Uma característica "soviética" deste filme é a matança do animal, mostrada de forma explícita. Estou habituado a ver a matança do porco nos filmes históricos do bloco soviético, e até já o mostrei nos meus vídeos de filmes como "A Bela e o Monstro" (Checoslováquia) e "O Conto das Viagens" (URSS). Neste filme não é um porco e parece ser uma cabra ou ovelha:

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Este filme possui um visual lindíssimo, que oscila entre os estilos dos quadros do pintor Johannes Vermeer e o gótico tenebroso do filme "Dracula" de Coppola:

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Outro aspecto que adorei foi o conceito multi-género e a inovação/pioneirismo/originalidade do argumento, duas características que aprecio e associo ao antigo cinema do bloco de leste, e de que não estava à espera de ver num filme de 2008, mas que fazem todo o sentido sabendo que o realizador eslovaco completava 70 anos de idade em 2008, quando este filme estreou, pois ele é da geração da Golden Age do cinema Checoslovaco, quando se misturavam géneros e se concebiam enredos originais e inovadores, sempre diferentes e únicos de filme para filme, com a criatividade de um pintor que mistura as cores na paleta, ou um compositor combina as notas na pauta, para obter algo novo.

Este conceito de inovação e originalidade é muito hostil e antagónico ao modelo comercial de Cinema, que se encontra estagnado e trancado a uma fórmula matemática de enredo para agradar ao maior denominador comum (mais lucros).

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No fundo o Juraj Jakubisko é um criativo e um pensador subversivo, que aos 70 anos de idade conseguiu fazer um bom filme de autor, como se fazia antigamente no Bloco de Varsóvia.

Tenho de assinalar que um filme feito com esta liberdade artística e combinação de géneros tem algumas consequências, por exemplo eu não gostei nada dos frades, decerto inspirados na excelente obra "O Nome da Rosa", mas aqui faziam de palhaços por estarem fora de contexto e utilizarem umas engenhocas clockpunk do Da Vinci.

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O próprio realizador orgulha-se desses frades palhaços e quando apresentou o filme, explicou que os frades estavam lá para inserir um elemento de humor no filme. Mas isto não é tão grave como possa parecer, porque o filme é muito maduro e sério e nunca, em momento algum, contém qualquer tipo de humor ou comédia.

O que é certo, é que este homem critica fortemente o Vaticano neste filme, e parece-me que essa foi a forma que ele encontrou para dar na cabeça à Santa Sé, que só fazia barbaridades e atrocidades na época em que se situa a acção.

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Não tenho mais tempo de momento, e vou deixar a minha análise a metade. Entre outros temas falta-me falar dos erros históricos do filme, do conceito Magical Realism, da Condessa enquanto senhoria feudal tarada e psicopata, do xadrez geo-político com dois Cleros (Protestantes e Católicos), nobreza de vários países, Imperador do Sacro Império Germânico, e de muitas outras coisas...

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- Fim da 1ª parte -
JoséMiguel
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Re: Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

Post by JoséMiguel »

Um filme de autor muito bonito e original - Parte II

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Eu começaria esta segunda parte, por apontar aspectos negativos da obra... em concreto a violação descarada de vários factos históricos comprovados.

Este aspecto negativo foi opção deliberada do realizador. Normalmente estas falhas históricas podem e devem ser penalizadas na maioria dos filmes, pois resultam quase sempre nos dois casos de pura incompetência, ignorância ou desinteresse da parte do realizador ou então de pura ganância financeira, em que se destrói a História, para impor o fanatismo da fórmula trancada/bloqueada cliché de enredo de Hollywood.

No caso deste filme eu tolero e aceito as imprecisões históricas porque sei que o realizador possuía um motivo ulterior para cometer essas violações de factos históricos comprovados, que não estão, nem nunca tiverem em disputa por nenhum historiador.

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Esta situação será análoga a algumas ex-namoradas que eu tive, que eram excelentes pessoas, mas que não gostavam de mim como eu era, e queriam que eu mudasse. Eu tentava explicar às raparigas que os homens não são como o boneco do Ken da Mattel, e que uma mulher que não aceite um namorado como ele é, terá alguma imaturidade (ou doença) mental e vive nalgum universo de fantasia com póneis cor-de-rosa, ao julgar que a maneira de ser dos homens se molda à vontade delas :lol:

A analogia aqui entre ex-namoradas e o cinema é a seguinte:

Embora eu normalmente odeie e fique arreliado, quando um filme histórico comete imprecisões históricas comprovadas, neste filme eu aceitei essa mania e falha do realizador, pelo mérito geral desta obra. Apesar deste ter sido o primeiro e único filme que vi do realizador, sei que estou perante um criativo talentoso, com uma mente muito original e plena de manias estranhas e esquisitas.

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Tentarei esclarecer isto com o exemplo concreto acerca da morte da Elisabete Bathory, que não será spoiler de forma nenhuma, visto que o filme não respeita a História comprovada, para esse evento.

E aproveito para referir que a produção franco-alemã de 2009 "The Countess", também comete a mesma asneira histórica, mas nesse filme da realizadora Julie Delpy, "não há diabo que a valha" para salvar o erro, que parece ser causado por hollywoodismo:

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O que é que o wikipedia tem a dizer acerca da morte da Condessa?
Prison and death

Báthory was imprisoned in Čachtice Castle and placed in solitary confinement.[28] She was kept bricked in a set of rooms, with only small slits left open for ventilation and the passing of food. She remained there for four years until her death. On the evening of 21 August 1614, Báthory complained to her bodyguard that her hands were cold, whereupon he replied "It's nothing, mistress. Just go lie down." She went to sleep and was found dead the following morning.[29] She was buried in the church of Čachtice on 25 November 1614,[29] but according to some sources due to the villagers' uproar over having the Blood Countess buried in their cemetery, her body was moved to her birth home at Ecsed, where it was interred at the Báthory family crypt.[30] The location of her body today is unknown. Čachtice church or Čachtice castle do not bear any markings of her possible grave.[31]

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Elizabeth ... _and_death
Se existe um depoimento da prisioneira a pedir auxílio ao guarda que lhe trazia comida, da última vez que ela foi vista, e passados 3/4 dias dessa conversa mandaram os tijolos da parede abaixo do quarto emparedado no castelo, e viram pratos de comida por comer (dos últimos 3 ou 4 dias), julgo não haver qualquer hipótese de perdoar um filme que não respeite estes eventos. Estes detalhes não estão todos no idioma inglês do wikipédia, mas eu andei a traduzir com o Google, livros e artigos em outras línguas.

Depois de eu ter lido muito na net acerca da biografia da condessa, e de ter ficado triste com as imprecisões históricas deste filme do tópico, fui ler a descrição de enredo do tal filme de 2009 "The Countess" na Wikipedia, na esperança de que fosse fiel à História, mas o filme da Julie Delphi também estava a faltar ao respeito aos dados históricos, num filme que nem sequer possui qualquer justificação artística, política ou social para cometer uma imprecisão histórica tão grave como essa, aparentemente tratando-se apenas de Hollywoodismo, pelo que decidi não ver esse filme e por isso não poderei comentar nada mais, acerca desse filme que não vi.

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Já no caso desta versão do Juraj Jakubisko, que além de filme artístico é também uma crítica sócio-politica de grande alcance, existem dois possíveis "alibis" para o realizador faltar ao respeito a um facto histórico como este.

Alibi nº 1: Revisão histórica e teoria do contra. Este alibi não funciona nesta situação, pois os detalhes da morte da Condessa não têm qualquer peso em nenhuma teoria de revisão histórica. Será importante que eu diga algo sobre este âmbito assumido pelo realizador:

Há dois anos atrás estava na esplanada do café do meu bairro, e um vizinho meu diz-me que o Homem nunca foi à Lua e que aquilo foi tudo uma conspiração do governo americano. Eu pensei para os meus botões: "What the fuck? Este gajo não sabe nada de ciências, mas irei contar-lhe algumas coisas que eu aprendi na faculdade" e disse ao gajo que que os astronautas colocaram um espelho na lua, que é usado por cientistas na Terra para enviar um laser de ida e volta e assim medir a distância precisa, ao longo do tempo. Ele respondeu que o laser estava lá, mas não foi um homem que o colocou e sim uma máquina-robot. Ele achava que os americanos mandaram sondas robóticas que trouxeram pedras lunares e colocaram lá a bandeira americana, mas não acredita que o Neil Armstrong tenha lá estado. Eu a seguir falei-lhe do actual programa espacial chinês e perguntei-lhe se quando os chineses no futuro, forem à lua e tirarem fotografias das pegadas dos astronautas, ele passava a acreditar? Ele respondeu que nesse caso as fotos seriam falsas, como resultado de alguma conspiração entre o Kennedy e o Mao Tse Tung dos anos 60.

Uma coisa é cepticismo científico, muito saudável para o progresso da ciência, outra coisa é esta negação fanática de factos que mais parece fanatismo religioso católico de há mil anos atrás.

Pois bem, mas foi este o conceito que o realizador Juraj Jakubisko se propôs a mostrar neste filme, o caso aqui é muito diferente da teoria da conspiração do homem nunca ter ido à lua, mas a essência é semelhante. Existem vários historiadores revisionistas que colocam em causa a História estabelecida e ensinada na escola primária e secundária, aos meninos da Eslováquia, acerca desta condessa Bathory, e o realizador fez este filme para ilustrar essa teoria revisionista.

Isso implica que alguns aspectos do filme estarão de acordo com a teoria revisionista e entram em choque com a teoria oficial, isto acontece mesmo no filme com toda a lógica, mas nunca seria o caso dos pormenores em que a Condessa morreu, que nunca estiveram em disputa por nenhum historiador.

Também por isto, podemos começar a compreender que perante um realizador eslovaco, nascido em 1937, que faz um filme revisionista que foi um blockbuster comercial em 2008/2009 no seu país natal, batendo os recordes de vendas na Eslováquia, essa menina realizadora Julie Delpy (30 anos mais jovem) estará fora de campo (utilizando linguagem de futebol) com o seu filme "The Countess", porque ela não frequentou a escola primária e secundária da antiga Checoslováquia e não estará minimamente familiarizada com o assunto, da mesma forma que um eslovaco estará.

Esta versão eslovaca é séria, complexa e rica e não é "para inglês ver"! Se querem um filme "para inglês ver" (para intrujar os estrangeiros que não conhecem a história da Eslováquia), procurem outra coisa. Eu até fico parvo com um "filme de autor" de 2008 ter batido os recordes comerciais de vendas na Eslováquia, pois eu julgava que as massas da Europa de Leste, preferiam o cinema de Hollywood após o colapso da URSS.

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Alibi nº 2: Magical Realism. Ora bem, o realizador não respeita os detalhes da morte da Condessa, e o alibi nº1 do revisionismo histórico não funciona, porque esse evento nunca esteve em disputa pelos historiadores. Até agora não fiz nenhum spoiler e também não o farei em seguida.

O realizador recorre a coisas mágicas e sobrenaturais para apresentar a morte da Condessa, sem qualquer importância para o revisionismo histórico, apenas porque sim, porque ele gosta disso e porque é a onda dele do Realismo Mágico. Aqui voltamos uns parágrafos atrás para quando eu falei de ex-namoradas que não aceitavam os homens como eles são. Eu aceito o realizador e o filme como eles são, com magias e tudo, por se tratar de uma obra excelente e muito forte quer no campo artístico, quer no campo de crítica social/política/histórica.

Mas afinal o que é isto do Realismo Mágico? :roll: :-? :shock:

Eu confesso que não sei bem, mas tenho algumas noções e a minha própria ideia...

É um termo literário oficial e eu conheço bem o conceito na literatura, que até é simples:
Magic realism

From Wikipedia, the free encyclopedia

Not to be confused with science fantasy.

Magical realism, magic realism, or marvelous realism is a genre of narrative fiction and, more broadly, art (literature, painting, film, theatre, etc.) that, while encompassing a range of subtly different concepts, expresses a primarily realistic view of the real world while also adding or revealing magical elements. It is sometimes called fabulism, in reference to the conventions of fables, myths, and allegory. "Magical realism", perhaps the most common term, often refers to fiction and literature in particular,[1]:1–5 with magic or the supernatural presented in an otherwise real-world or mundane setting.

The terms are broadly descriptive rather than critically rigorous. Matthew Strecher defines magic realism as "what happens when a highly detailed, realistic setting is invaded by something too strange to believe".[2] Many writers are categorized as "magical realists", which confuses the term and its wide definition.[3] Magical realism is often associated with Latin American literature, particularly authors including genre founders Miguel Angel Asturias, Jorge Luis Borges, Elena Garro, Juan Rulfo, Rómulo Gallegos, Gabriel García Márquez and Isabel Allende. In English literature, its chief exponents include Salman Rushdie, Alice Hoffman, and Nick Joaquin.

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Magic_realism
Se os escritores hispânicos da América do sul, são considerados os mestres, então vejamos a descrição em espanhol:
Realismo mágico
Para el movimiento artístico de los años 1920, véase nueva objetividad.

El realismo mágico es un movimiento literario de mediados del siglo XX y se define como una preocupación estilística y el interés de mostrar lo irreal o extraño como algo cotidiano y común. No es una expresión literaria mágica, su finalidad no es suscitar emociones, sino, más bien, expresarlas, y es, sobre todas las cosas, una actitud frente a la realidad.

El realismo mágico comparte características con el realismo épico, como la pretensión de dar verosimilitud interna a lo fantástico e irreal, a diferencia de la actitud nihilista asumida originalmente por las vanguardias, como el surrealismo.
Embora à primeira vista complicado, isto para mim é simples de entender na Literatura (o problema a sério é no Cinema!)

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A minha opinião acerca do género Realismo Mágico

Epá! O Realismo Mágico é o oposto do Pseudo-Intelectualismo, Surrealismo, Expressionismo, etc.

Um filme pseudo-intelectual do Manoel de Oliveira como o "Vale Abraão" é o oposto deste conceito, um filme trivial sem enredo e com ausência de qualquer tipo de realismo, onde nenhum dos actores se comporta como membro da espécie humana, e as leis da Física são violadas a todos os instantes e a todos os segundos, por exemplo na cena de 5 minutos com 4 actores calados sentados no sofá a olharem para um cinzeiro.

A descrição simples do conceito Magic Realism será a existência de uma qualquer premissa sobrenatural e mágica (que viola descaradamente as leis da física), mas a partir daí o tratamento da história entra em modo de Realismo (a corrente de cinema de Realismo não é compatível com o conceito de filmes de Hollywood, que pertencem à corrente do Artificialismo).

O problema na transposição deste género da Literatura para o Cinema, é que à primeira vista, no papel e em princípio, um filme como o "Senhor dos Anéis" ou uma comédia romântica como a "Cidade dos Anjos" (1998) poderiam também serem considerados Magic Realism. Mas isso não acontece no Cinema devido ao Amadorismo ou Artificialismo do conceito de cinema comercial desenvolvido e imposto à força (tácticas de marketing agressivas) pelos estúdios norte-americanos.

Reparem que Realismo mágico é um termo composto por duas palavras, sendo a primeira o Realismo, que não faz parte da doutrina dos realizadores de Hollywood, mas que era imposta por lei, por todas as ditaduras comunistas do Bloco de Leste, como doutrina artística a implementar no Cinema em todos os países sob a influência de Moscovo, até 1989-1991.

Realismo é vermos as tripas do animal de criação a ser limpo de forma historicamente credível:

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De uma forma muito simples, esta é uma das diferenças entre o Realismo do cinema da Europa de Leste e o Artificialismo/Amadorismo do cinema americano, um pequeno detalhe como vermos as tripas durante a matança do animal de criação.

Conclusão

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Bem... vamos ver se não arrelio muita gente com as minhas bocas do costume ao modelo de cinema de Hollywood... :twisted: :lol: mas esta é a minha forma de separar o trigo do joio... oops:)

Eu teria muito mais a dizer sobre esta obra, que achei francamente boa, mas o que escrevi já é mais do que suficiente para ficarem com uma ideia do filme. Julgo ser importante a secção em que mostrei os mapas e escrevi alguns lamirés sobre a história desta região da Europa, como curiosidade ou motivação para apreciarem o filme. :-) Nós em Portugal não estudamos isto na escola e esta obra não é "para inglês ver", por isso espero que os mapas façam jeito a alguém... :-)
No Angel
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Re: Bathory (2008) - Juraj Jakubisko

Post by No Angel »

O "The Countess" como filme e obra artística é muito superior este filme, a atuação da Julie é excelente. De resto, um filme não tem que ser um documentário e retratar coisas 100% como elas foram, isso é um documentário e não um filme de ficção.
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