Pretty in Pink foi escrito por John Hughes e, apesar de não contar com a sua presença na realização, é um filme que, por ser tão próximo do seu estilo e da sua linguagem, lhe é várias vezes creditado nesse campo, algo que é realmente errado, sim, mas não totalmente descabido.
Não se trata de um erro qualquer, de uma simples troca de nomes entre um realizador mais conhecido do que o outro, até porque Howard Deutch parece simplesmente cumprir esse papel de mediador entre a escrita de Hughes e o que ficou filmado. Diríamos, até, que durante as tantas semanas de rodagem, o corpo de Deutch foi possuído pelo espírito de Hughes, que levou a sua avante assinando, no fim, com outro nome.
É claro que a última frase não passa de um enorme disparate, até porque Hughes deveria ter mais que fazer do que cirandar entre outras almas no plano do sobrenatural. Todavia, o erro, como eu estava a dizer, justifica-se por Pretty in Pink ser um filme 100% Hughes. Por isso, podemos apontar a razão mais natural para esta semelhança: Deutch só fez por exercer bem o cargo de monge copista que lhe foi entregue. Até porque, se formos a ver bem, nenhum dos títulos da filmografia de Deutch que não contam com a pena de Hughes (há mais dois com argumento de sua autoria) consegue ir ao encontro do que Pretty in Pink tem de mais singelo e encantador. A culpa é mesmo da Hughesianice, presente em todos os momentos deste belo filme para adolescentes e não só.
Uma das coisas que mais admiro em Hughes, e que o distingue de todos os outros feitores de teen-movies dos anos 80 (e noutras décadas anteriores - depois dos 80, parece que a degradação sem fim à vista dominou completamente esse género) é a seriedade, mascarada de humor light, com que consegue abordar temas relacionados com a adolescência e o crescimento (bem como os dilemas existenciais de tudo isso) sem ceder a sua visão à maneira como muitos queriam (e querem hoje) filmar os teens no ecrã. Ou seja, nos filmes de Hughes (ou neste que é só escrito por ele), os personagens não são “meros jovenzinhos inconscientes e irresponsáveis cuja opinião sobre algum problema não tem qualquer interesse para o espectador”, ou por outras palavras, os jovens hughsianos não são "uns porcalhões quaisquer com uma mioleira idêntica à de uma formiga".
The Breakfast Club (este sim com Hughes a realizar) deve ser, talvez, o exemplo máximo disso: estava ali na fronteira entre ser um filme diferente (como o é) e apenas mais um filme com adolescentes parvos. Mas a diferença é feita no desenrolar dos acontecimentos e nas diferentes camadas em que cada um daqueles “detidos” na escola se vão revelando para o espectador - OK, cada um deles representa um arquétipo, é verdade, mas é raro ter figuras-tipo que sejam tão próximas do espectador e que consigam, em certos instantes, subverterem a convenção em que a narrativa as instalou social e psicologicamente.
E as figuras do filme de Deutch (ou de Hughes?), por mais patéticas ou bizarras que sejam (aqui temos umas quantas que nos divertem pela sua maneira de ser - e não só pelos penteados), são mais autênticas e humanas do que muitos daqueles ícones inspiracionais que muitos trazem na algibeira, prontos a serem citados em qualquer postagem nas redes sociais. Pretty in Pink representa bem isso, com a sua historieta de amores divididos à la Romeu e Julieta, em que a personagem mais interessante de todas não é nem a protagonista (Molly Ringwald) ou o seu amado (Andrew McCarthy), mas o secundário (Jon Cryer), apaixonado desde sempre pela rapariga, e que tenta fazer com que as suas excentricidades possam "sobreviver" num mundo em que ser zé ninguém, ou mais um no rebanho, é igual a ter uma vida sossegada e livre de inseguranças. O pai da miúda (Harry Dean Stanton) é outro elo interessante da narrativa, sendo aquele típico progenitor que é o maior desgraçadinho da aldeia, mas com alguns detalhes emocionais que o tornam inesquecível.
Pretty in Pink é uma comédia dramática sobre várias transições: a do fim da escola para o que vem depois, a de um pai em conflito com o seu passado, e a da passagem para uma idade mais adulta ou "crescida". Tudo isto é filmado numa narrativa que "tresanda" aos oitentas, no bom sentido, e que não deixa as suas componentes (deliciosas) da época interferirem num conto que, no fim de contas, é universal. Um filme divertidíssimo que peca apenas por alguns pormenores simplistas metidos a martelo (a pedido do estúdio, talvez?), mas que não afectam, felizmente, o todo, que é uma alegria de se ver (e com uma banda sonora que é um mimo).
Uma nota para a
sequência fabulosa (hoje icónica) em que Jon Cryer - um actor que é muito mais do que um dos tipos da série 2 and a Half Men - personaliza Ottis Redding e a sua extraordinária interpretação de “Try a Little Tenderness”. Cryer que, recentemente, voltou a este momento emblemático da sua carreira e que mostrou, auxiliado pelo apresentador James Corden, que
ainda está aí para as curvas.